Sono reconfortante
Sedução
A noite desta 3a. para 4a. feira não me ofereceu o costumeiro sono reconfortante.
Talvez o calor abafado de final de primavera, prenúncio da aproximação do verão, tenha me expulsado da cama um pouco antes do usual. Embora me dando conta do atípico, deixei seguir a rotina seqüencial de praxe. Pronto para sair a campo no atendimento aos clientes, fui seduzido pela orquestra dos pássaros, mais afiada do que em toda minha vida até então pudera notar. Era algo divino e celestial, pelo que posso intuir do que seja divino e celestial, eis que só o que vem de Deus poderia ensejar embevecimento tão diferenciado.
Uma sensação de edificante magia se apoderou do meu ser e me transportou para um indescritível cenário de paz. Nos meus ouvidos ressoavam acordes dos chilreios doces e ternos do coral de aves canoras, que pareciam despertas de um sono letárgico e estranho. Tudo me parecia fora do comum e ao mesmo tempo me punha nu diante da magnitude da criação. Tivesse eu o dom da arte da poesia e da música para poder suplantar Bethoven na sua nona sinfonia, de vez que, diferente dele, eu ali estava agraciado pela perfeição do sentido da audição. Aliás, a sensação era a de que todo o meu ser fora tomado do equilíbrio e harmonia de um monge tibetano.
De fato, aquela cantoria toda, tão concatenada quanto diversificada, me projetava um grau de espiritualização reservada aos mestres de primeira grandeza, reclusos em seus longínquos templos de retiro e meditação. Contrastando com a realidade cruel do dia a dia, Alguém que gosta de mim me privilegiava com alguns bons momentos de sintonia com o misterioso mundo mágico da Sua criação de alados e empenados, exímios e inigualáveis cantores. E eu, pobre mortal, cônscio da minha pequenez, ora me curvo diante da sabedoria e bondade divinas, confortado uma vez mais por ter tanto a agradecer e tão pouco a pedir, e me penitencio por ignorar a grandeza de Deus expressa em coisas tão singelas e próximas como o canto dos pássaros. Obrigado, Senhor meu Deus! “
Poeta Alceu Sebastão Costa