Um abnegado criador

Criação

DE UM CRIADOR OBSTINADO – UMA LIÇÃO DE VIDA – (10/04/2003).

Estive em Itajubá e vi uma coisa maravilhosa.

Fui com um amigo visitar um curiozeiro na estrada entre Itajubá e Piranguçu. Pessoa muito humilde, ganhando pouco mais que um salário mínimo. Foi aposentado por invalidez por ter uma degeneração progressiva da retina, atualmente tendo somente visão de 2% num olho e uns 3 ou 4% no outro.

O criadouro é surpreendente, com três cômodos, simples mas bem confortáveis: um para as fêmeas criadeiras, outro para vetorização de canto e outro para os machos e as fêmeas que não estão criando. Uns 40 m2 de construção. Telhas de barro e caiado, pois, segundo ele, dando uma caiação duas vezes por ano acaba com os parasitas.

Encontramos ele dormindo no criadouro. Recepção carinhosa, bem mineira.

Ele fez o criadouro e cuida sozinho dos pássaros. Tem até uma aparelhagem de som para tocar o CD do Ana Dias.

Filosofando disse que o criador de canto clássico perde a liberdade porque vive em função da procura obstinada de um pássaro bom de canto. E esquece do resto.

A higiene estava dentro do possível para o seu grau de cegueira. Alimentação de mistura de sementes e broa com ovo, receita, segundo afirmou, do Picinini. E água.

Tem um macho, o Itamonte, que estava com a gaiola com capa no cômodo dos filhotes porque quer que ele corrija algumas notas do canto.

Informa tudo sobre os filhotes apontando com o dedo para as gaiolas e pedindo para lermos o escrito em pequenos papéis colados nelas.

Tem também 4 fêmeas, a Irene, a mãe da Irene, a Rosinha e a Nariguda.

Conhece a genética dos seus pássaros.

A broa do Picinini deve ser boa porque criou 17 filhotes, muito uniformes em tipo e com ótima saúde.

Não falou em medicamentos, mas também não foi perguntado.

Havia duas fêmeas chocando dois ovos cada uma. Como o assunto foi para o como fazia as galas, pegou o Itamonte e levou para perto de uma das fêmas que chocavam. A fêmea “pediu gala” e ele, somente usando o tato, abriu os passadores e o macho galou “numa tacada” e voltou para a sua gaiola. Disse saber que tudo foi bem vendo a sombra do Itamonte voltar para a sua gaiola ou contava até cinco ou seis, tempo suficiente para o macho entrar, galar e voltar.

Portanto, manejo todo no escuro e com muita habilidade.

E olhe que o Itamonte está numa muda danada!

Disse-lhe que tinha muito material sobre curiós e ficou “aceso” para mandar-lhe porque uma neta poderia ler para ele.

Emocionou-se às lágrimas quando nos prontificamos a levá-lo até Matias Barbosa para conhecer o Picinini, o seu ídolo.

Voltei do céu quando afirmou que é cadastrado no IBAMA, mas não havia recebido todas as anilhas pedidas.

* * *

(José Carlos Pereira é paulista, médico pediatra na cidade de Cruzeiro e criador de canários-da-terra).

Escrito por José Carlos Pereira, em 2/9/2003