Posição do Brasil na Ornitologia Mundial

Trabalhar pela ornitologia

– Marcos Ricardo Bornschein

O biólogo Marcos Ricardo Bornschein é natural de Curitiba, Paraná. É Mestre pela Universidade Federal do Paraná em Engenharia Florestal, na área de Conservação da Natureza. Dedica-se desde 1988 à ornitologia, mas também estuda outras áreas da biologia. Bornschein, descobriu duas novas espécies de aves e uma de anfíbio da fauna nacional e atualmente trabalha como consultor “Ad-Hoc” da Fundação O Boticário de Proteção à Natureza e trabalha como voluntário pela Liga Ambiental.

1- Qual a posição do Brasil na ornitologia mundial e como é trabalhar com ornitologia no Brasil?

O Brasil está bem situado nesta questão. É fácil para qualquer iniciante acessar coleções boas que dão bastante apoio. E entrar em contato com centros de pesquisas é bem fácil. O Brasil é o terceiro país com maior diversidade de espécies e em breve se tornará o segundo, porque se está levantando muitas espécies novas principalmente na Amazônia. O Brasil cresceu muito na área de ornitologia. Temos pessoas que contribuíram muito no passado como “Helmut Sick” – um alemão que publicou um livro que é referência para qualquer ornitólogo no Brasil. E também tem o “Olivério Pinto” que lançou o catálogo das aves brasileiras. Isto foi uma alavanca em questão de qualidade e quantidade. Hoje existem muitos ornitólogos em todos os cantos do país e com muita qualidade.

2- Qual o bioma brasileiro que mais necessita de pesquisas e levantamentos biológicos?

Eu não vincularia a necessidade de pesquisa e levantamentos a um bioma propriamente dito, mas sim a ambientes abertos: campos como do planalto meridional e cerrado. Porque estes ambientes não têm historicamente recebido muito atenção para conservação e isto faz com que não se tenha informações sobre a diversidade e distribuição das espécies. Há a necessidade de caracterizar estes ambientes e definí-los geograficamente na unidade espacial do Brasil. Há dificuldade de se saber se o os campos até então pertencentes ao cerrado são unidades independentes, pois ainda falta muito estudo para definir exatamente onde começam e onde terminam os diversos tipos de ambientes abertos.

3 – Qual a sua opinião sobre a nova lista de espécies ameaçadas do Ibama?

Esta nova lista do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) foi muito bem trabalhada. Diversos pesquisadores e especialistas participaram da sua elaboração. Na lista de aves, por exemplo, ela está melhor do que a lista mundial que saiu em 2000. Especialmente porque se extinguiram algumas espécies que antes não se consideravam ameaçadas e então aumentaram muitas outras que a falta de estudos não permitia qualificá-las como ameaçadas. E algumas que pela mesma falta de estudos se achavam ameaçadas e descobriu-se não estarem ameaçadas – neste sentido foi muito bem revisado. Havia alguns erros e problemas de espécies que estavam ameaçadas e aí isto se relaciona com a questão de que toda e qualquer espécie está ameaçada. O jacu, por exemplo, é muito comum, qualquer quintal que tenha galinha tem um jacu e o bicho era ameaçado de extinção. É difícil para a população entender como pode ter uma espécie ameaçada de extinção, isto banaliza muito as espécies ameaçadas. Agora o que está na lista realmente é bicho que está ameaçado e precisa ser protegido. Isto vai ajudar e muito para a conservação porque os esforços estão ainda mais concentrados – neste caso são espécies que realmente necessitam.

4 – Então você acredita que as listas de espécies ameaçadas de extinção possam contribuir na preservação delas?

É uma pergunta que eu mesmo me faço há muito tempo. O quanto estas listas realmente contribuem? Eu luto por elas e as defendo. Tenho proposto a inclusão de novas espécies dentro destas listas mas até hoje a efetividade delas no auxílio para a conservação ainda é muito pequena. O que é forte atualmente é o lobby que se pode fazer na proteção de uma espécie ou uma região que tenha uma espécie ameaçada, pelo fato de ela estar ameaçada. Não que a legislação ambiental esteja dando proteção a mais para esta espécie. Antigamente a espécie ameaçada de extinção devia ter proteção por pertencer a fauna nativa, ou seja, ganhando proteção como qualquer outro animal, estando ou não ameaçado de extinção. Hoje, com a nova lei de crimes ambientais, mudou um pouco: algumas penas podem ser ampliadas quando se trata de uma espécie ameaçada. Mas ainda é muito etérea esta questão da vinculação de espécies ameaçadas e proteção efetiva por questão de legislação. Adianta mais a propaganda, a divulgação e o lobby para garantir maior efetividade na preservação das espécies ameaçadas.

5- Muitas pesoas gostam de manter aves como araras e papagaios dentro de viveiros. Como você vê esta atitude?

Para quem gosta destes animais não faz muita diferença, ter um gato, um cachorro não é muito diferente de ter um papagaio ou uma arara, pois o bicho já está confinado mesmo. Passa a ser um problema se este papagaio e esta arara são da fauna nativa e não são legalizados. Se bate fiscalização pode ser um problema e resultar em multa e responder a um processo ou se este animal não está recebendo os cuidados que deveria ter. Agora, existem os criadouros conservacionistas com fins comerciais para fauna nativa – isto auxilia na conservação da espécie e tende diminuir os esforços de captura para o tráfico deste animais. É muito melhor você comprar um animal deste, legalmente com autorização, do que fazer isto ilegalmente e estar sujeito a responder processo por crime ambiental.

6- A observação de aves é uma área em expansão. Esta atividade gera impactos ou benefícios para a conservação das espécies?

Esta atividade realmente está crescendo muito. Atualmente eu estou entrando nesta área como guia de observadores de aves. Vejo isto como alternativa de renda para pessoas como eu, na qualidade de guia, e também os guias turísticos, empresas contratadas para levar os turistas e a rede hoteleira, motoristas, locais de usos de lanchonetes – há um incremento para tudo isto e muita gente envolvida, o que gera rotatividade de recursos locais. Buscamos ambientes remotos onde vão estar as espécies raras objetivando a observação das aves. Na questão da conservação, isto pode ser um impacto na medida que se intensifique muito esta atividade em locais de espécies endêmicas. As pessoas ficam procurando estas espécies para fazer o playback (repetição do canto) esperando que elas se mostrem. Há locais no mundo onde isto já é um problema. No Brasil não há ainda casos bem definidos e/ou estudos que demonstrem esta problemática. Na medida que tem gente em campo estudando e observando ou mesmo uma atividade ecoturística, sempre tem-se observado novidades que podem resultar em pesquisa e isto acaba somando para questão da conservação. Nas idas ao litoral que tenho feito para levar pessoas, já observei aves novas e raras, isto resulta em dados que podem ser aplicados para a conservação.

7 – Você descobriu duas espécies de aves no Paraná. Como era a situação destas espécies na época da descoberta e como está atualmente?

O Bicudinho-do-brejo, que é do litoral paranaense – conseguimos um projeto financiado pela Fundação O Boticário de Proteção à Natureza em parceria com a Fundação MacArthur, American Bird Conservancy e Fundo Nacional do Meio Ambiente. Neste projeto foi possível levantar muitas informações e fazer um mapeamento e uma estimativa dos limites da espécie. Estes são dados muito importantes que poucas espécies têm no mundo. Então foi possível traçar áreas prioritárias para a conservação da espécie que ainda depende de uma unidade de conservação. Não existe nenhuma população viável desta espécie dentro de uma unidade de conservação. Já se tem definido uma área delimitada no litoral do Paraná, na baía de Guaratuba, que o co-autor da pesquisa e eu estamos lutando há anos para que vire uma unidade de conservação, que é a Lagoa do Parado.

Já o Macuquinho-da-várzea, da região do Planalto Meridional, é uma espécie muito mais difícil de ser estudada, pois ela fica muito escondida e o ambiente é de difícil acesso. O projeto foi financiado pela Fundação O Boticário de Proteção à Natureza em parceria com a Fundação MacArthur. Ainda não se sabe muito sobre ela. Esta espécie corre muito risco de extinção e não está inserida em nenhuma unidade de conservação – tentamos de várias formas para que a área se tornasse uma unidade de conservação, mas isto não foi possível. Tentamos no Estado, via ONGs (organizações não-governamentais) e problemas de ordem dominial atrapalharam. Mas tem que continuar, pois no caso do bicudinho-do-brejo existe uma proposta de ampliar o Parque Nacional Saint Hilaire-Lange (PR), na Serra da Prata, para incluir a área da Lagoa do Parado. É um processo muito grande e apoiado por uma das ONGs mais fortes de aves, a Bird Life International. Se isto for possível, vai concretizar uma luta de anos.

Escrito por Marcos Ricardo Bornschein, em 4/12/2003