Canário-da-Terra – Criado por Pais Adotivos
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Paulo Rui de Camargo
Há cerca de oito anos venho realizando experiências no meu aviário, utilizando o canário-do-reino (Serinus canarius) para servir de pássaros-ama (ou pais adotivos), na incubação dos ovos e criação de filhotes do canários-da-terra (Sicalis flaveola).
E durante esses tempo todo estou pesquisando a possibilidade de incidência de imprinting, ou seja dos filhotes de Sicalis estamparem-se nos seus pais adotivos. A pesquisa verificou vários itens, com anotações se os filhotes que foram criados pelo casal de Serinus adotaram posturas de comportamento dos pais adotivos, se aprenderam as formas de alimentação dos pais, se mudaram a maneira de embicar o alimento regurgitado aos seus próprios (e futuros) descendentes e se vetorizaram os cantos específicos de sua espécie.
Nos primeiros tempos usei como ama o tipo comum dos canários-do-reino (também conhecidos popularmente por canário belga, roller, de cor, ou canário-doméstico). Esses canários são aqueles denominados vulgarmente de pindorgas ou pão-duro, geralmente canários manchados de várias cores, vendidos em lojas de avicultura. Depois, passei a empregar canários de melhor linhagem genética (na linhagem dos cobres, mosaicos, verdes etc). E, nos últimos quatro anos, optei pelos canarinhos-do-reino, da raça espanhola, menores, mais ágeis e conhecidos pela sua boa fertilidade e excelência na criação doméstica.
Sempre acreditei que usando esses pais adotivos poderia contornar várias situações anómalas, fora do padrão natural, de casos anormais, de comportamentos estranhos ou excepcionais, que, as vezes, acontecem em todas as criações de pássaros nativos, como, por exemplo: algumas fêmeas de canário-da-terra que não chocam, algumas fêmeas que botam seus ovos fora dos ninhos, algumas fêmeas que abandonam a incubação, algumas fêmeas que bicam e quebram seus próprios ovos, algumas fêmeas que jogam seus ovos fora do ninho, algumas fêmeas que acabam machucando seus filhos, que bicam os pés dos ninhegos, outras que acabam matando seus filhotes,.algumas fêmeas que não alimentam adequadamente seus filhos, algumas outras fêmeas que lançam seus filhotes fora dos ninhos e outras anormalidades.
Nestas circunstâncias adversas, eu optei por transferir os ovos dessas fêmeas de canário-da-terra para serem chocados pelas fêmeas-amas. As amas ficam incumbidas de chocar os ovos, alimentar e criar os filhotes nascidos, até que possam aprender a se alimentar sozinhos..
Já referi, em artigo publicado na revista Passarinheiros (vol. 12, ed. maio de 2001. pág. 8) que, quando se tem a possibilidade de utilizar pássaros-amas para prestar auxílio supletivo, seja para chocar os ovos, seja na alimentação dos filhotes de canário-da-terra, um grande passo foi dado para o sucesso da criação de pássaros em regime de domesticidade, livrando-os do risco de extinção na Natureza, seguindo o lema que há muito adotei, ou seja CRIAR PARA NÃO EXTINGUIR.
Muita gente não sabe que o canário-do-reino pode ser usado para esta finalidade, ou seja, servir de pais adotivos do canário-da-terra. O ilustre Professor LUIZ OCTAVIO MARCONDES MACHADO cita, em sua tese de doutorado, que fez experiências satisfatórias neste sentido, demonstrando que o canário-da-terra pode ser criado pelo canário-belga, utilizado como ama. (cf. “Alguns Aspectos do Comportamento e da Biologia de Sicalis flaveola” - S.P.,1980, fls. 90).
No ano passado, meus canarinhos-do-reino, raça espanhola, ajudaram a criar, não só dezenas de filhotes de canários-da-terra, como também alguns filhotinhos de tipio (Sicalis luteola), e também filhotes de bigodinho-africano ou canarinho-de-Moçambique (Serinus mozambicus). Esses canarios da raça espanhola também podem servir de pais adotivos, tanto do pintassilgo, como dos pintagóis. Já esclareci no artigo acima referido, que tive notécia confirmada que uma fêmea de canário-belga incubou ovos e criou dois filhotes de tico-tico comum (Zonotrichia capensis).
É voz corrente entre os passarinheiros que esses canarinhos da raça espanhola são últimos exemplares para serem hibridados facilmente (devido ao menor tamanho) com o pintassilgo-do-centro-sul ou de cabeça preta (Carduelis magellanicus ictericus), na obtenção do afamado híbrido, o pintagol. . A possibilidade de utilizar as fêmeas desta raça espanhola, como mães-de- adoção de outras espécies de pássaros nativos, abre um leque de alternativas para muitos passarinheiros. Na criação do canário-da-terra, por exemplo, muitas vezes existe a pretensão de se obter muitos filhotes de um determinado casal. Para acelerar o processo, pode-se tirar proveito usando as fêmeas-amas do canário-do-reino.
A prática é simples. Retira-se os ovos da fêmea do canário-da-terra, transferindo-os para serem chocados e criados pela mãe-adotiva, no caso a fêmea do canário-belga. Com este estratagema, a fêmea do canário-da-terra acaba ficando liberada para botar novos ovos e, assim, sem o esforço de chocar e criar os filhotes, ela acaba tirando um número maior de filhotes, com a ajuda da mãe-de-adoção, que se encarrega do esforço maior.
A expressão inglesa iimprintig (termo que não existe versão ideal para o português) é o processo natural de assimilação comportamental dos filhotes se estamparem ou se espelharem nos pais adotivos, que os alimentou e os criou. .
.Convêm ressaltar que o imprinting é o processo natural de aprendizado e aceitação, que acontece logo após o nascimento dos filhotes, definindo e fixando determinados padrões de comportamento nos filhotes. Este processo natural irá fazer com que estes jovens-filhotes assimilem tudo que aprenderam dos pais, dando condições para que eles possam interagir, no futuro – e durante a vida toda- com o meio ambiente onde irão viver, bem como propiciar o conhecimento das inter-relações que irão ocorrer com os demais membros de sua espécie ou de espécies diversas. Sabe-se que os animais, logo depois do nascimento – e nas primeiras horas de vida – ainda não possuem o instinto de auto-defesa. Assim sendo, os recém-nascidos (como os jovens canarinhos-da-terra) dependem do apoio alimentar e da proteção dos pais para sobrevivência.
Nesta fase da vida, os ninhegos estão extremamente receptivos a estímulos e aprendizados que lhes serão ministrados pelos pais, sejam os pais verdadeiros, sejam os pais adotivos. Por isso mesmo, logo que abrem os olhos, eles procuram se estampar nos pais, para aprenderem as “lições da vida” e garantir a sobrevivência.
Com este espelhamento ou estampagem vão aprendendo todos os hábitos e todas as técnicas de sobrevivência: fugir de predadores, esconder e evitar qualquer sinal de perigo (especialmente contra inimigos que os possam predar); aprendem a conviver com pássaros de sua própria espécie ou de espécies diferentes ; quando cativos aprendem a conviver (aceitando ou temendo) a presença do homem; aprendem, observando os pais a auto-alimentação ; aprendem a hierarquia e dominância de outros indivíduos; aprendem a ouvir e memorizar o canto do pai e de outros pássaros, além de uma série de aprendizados que irão, pouco a pouco, formar a sua futura e própria “identidade”.
Em nosso criadouro-aviário, para evitar que os filhotes de canário-da-terra pudessem, eventualmente, se espelhar ou estamparem-se nos pais, canários-do-reino (quando estes funcionaram como pais adotivos) e, quiçá, perdessem a identidade de canário-da-terra e pudessem não se acasalar, no futuro, com indivíduos da mesma espécie (ou seja, com outros canários-da-terra), usei e continuo utilizando a tática de, logo após o término do período de dependência alimentar dos filhotes (o que ocorre por volta dos 35/40 dias depois de nascidos), transferi-los para um viveiro grande, isolando-os completamente dos pais adotivos. Após a independência, eles são reunidos em bando para, daí para a frente, só conviverem e interagirem com indivíduos da mesma espécie (outros filhotes de canário-da-terra) e, inclusive com outros pássaros adultos, do plantel de reprodutores.
Com este estratagema, separando e isolando, desde logo, os jovens canários-da-terra dos canários-belga, não ocorreu, em meu aviário, nenhum caso de imprinting nos filhotes que foram tratados e alimentados pelos pais adotivos, os pássaros-ama.
Um fator importante a considerar diz respeito ao canto, as vocalizações que os filhotes irão aprender e depois, futuramente, irão se expressar vocalmente. O canto é um dos requisitos fundamentais para que o filhote, quando adulto, possa acasalar-se com outro membro de sua própria espécie. O filhote de canário-da-terra deve aprender os dialetos vocais de sua espécie – jamais o canto do pai adotivo, o canário-do-reino. Vetorizado o canto específico de sua espécie, o macho de canário-da-terra terá condições naturais de cortejar fêmeas de sua espécie, pois elas devem ouvir e reconhecer o canto, os elementos sonoros, as expressões vocais de um macho de sua própria espécie.
Não se pode olvidar, ainda, que, além de emitir as vocalizações específicas de sua espécie, o macho deve também saber executar os indispensáveis rituais de exibição e piados de corte e acasalamento.
Entretanto, se não houver esta separação dos filhotes de canário-da-terra dos pais adotivos, os referidos filhotes poderão se espelhar e somente aprender o comportamento, o canto e os rituais de corte e acasalamento dos pais – ama e, quiçá, poderão não aprender a reconhecer os padrões comportamentais específicos de sua espécie. Por isso, o criador deve isolar os filhotes em tenra idade, fazendo com que passem a conviver somente com exemplares de sua própria espécie, evitando, assim, qualquer possibilidade de ocorrência de eventual imprinting.
Se assim agir, o criador inteligente não terá problemas de estampagem com seus pássaros, que irão plasmar a sua própria identidade, mesmo que hajam sido criados por indivíduos de outros gêneros e de outras espécies, com costumes, cantos e comportamentos diferenciados.
O autor é 1º Diretor Técnico de Criação de Canário-da-Terra da COBRAP
Escrito por Paulo Rui de Camargo, em 14/1/2004
Parabéns ao amigo pelas informações e observações relatadas nessa pagina… O assunto nos esclareceu parte de grande dúvida relacionada a reprodução por pais adotivos …
muito bom essas informações pois crio CT e vou usar essas técnicas para que pelo menos meus filhotes saiam mais mansos
que é o ponto mais difícil que encontrei .
parabéns e obrigado