Época de Reprodução e Atividades Reprodutivas

Canário da terra – Reprodução

PAULO RUI DE CAMARGO

 Como, agora, aqui na região sudeste de nosso vasto País, estamos em pleno perí­odo reprodutivo do canário-da-terra (Sicalis flaveola), tenho recebido muitas solicitações para tecer algumas considerações sobre o tema deste artigo.

No Brasil, a época de reprodução e acasalamento tem variações de datas e perí­odos, de conformidade com a região.

No Estado de São Paulo, o canário-da-terra, dependendo do ano e das condições climáticas, o ciclo reprodutivo pode iniciar-se a partir da segunda quinzena do mês de agosto (se o tempo estiver quente). Mas, a época tradicional principia em outubro, prolongando-se até os meses de março/abril, eventualmente até maio. O auge da reprodução, no entanto, ocorre nos meses de dezembro até março.

Em cada período de criação, os bons reprodutores chegam a criar, em domesticidade, cerca de 8 filhotes, em média. Alguns casais criam até 10 filhotes, levando-se em consideração o prazo de mais ou menos 45 dias, que representa a somatória do tempo de confecção do ninho (cerca de 5/6 dias), mais o tempo de postura (aproximadamente 5 dias), acrescido do prazo de incubação (12/13 dias) e saí­da dos filhotes do ninho (18/20 dias), além dos dias subsequentes para nova postura.

Um casal jovem e saudável pode criar duas a três, até quatro ninhadas, em cada período anual de reprodução. Depois disso, o correto é colocá-lo em repouso. Nesta ocasião, deve-se retirar as caixas-ninho, para que os passarinhos não continuem a criar e possam recompor-se fisicamente.

Sobre a quantidade de filhotes, machos e fêmeas, que nascem em várias ninhadas, de casais diversos, em diferentes temporadas de criação, acho oportuno mencionar o que pude aferir em meu aviário doméstico :

 a) em ninhadas de 5 filhotes, o número de nascimentos de machos e fêmeas, por casal, é aleatório. Pode nascer, numa mesma ninhada, 3 filhotes fêmea e 2 machos; em outra, 1 filhote fêmea e 4 machos ; ou 2 filhotes machos e 3 fêmeas; e, em outra ocasião, 5 filhotes todos machos.

b) Em ninhada de 4 filhotes, também é aleatório o número de nascimentos de filhotes machos e fêmeas. Já observei ninhada onde nasceram 3 machos e 1 fêmea; em outra, 2 machos e 2 fêmeas; em outro caso todos os 4 filhotes machos. Possuo um casal cuja postura consta sempre de 4 ovos. Todos os filhos são do sexo masculino. Isto já se repetiu em 8 ninhadas diferentes, em temporadas distintas de criação.

c) em ninhadas de 3 filhotes, já constatei o nascimento de todos os 3 filhotes do sexo feminino, ou 3 machos; ou 2 fêmeas e 1 macho; ou 2 machos e 1 fêmea.

d) Porém, em ninhadas de 2 filhotes, o normal é nascer 1 filhote macho e outro filhote fêmea. Parece constituir exceção quando nascem 2 pássaros do mesmo sexo.

e) quando se trata de ninhada de apenas 1 filhote, este pode tanto ser macho, quanto fêmea.

Como geralmente (pensam muitos criadores) os machos são mais valiosos, o criador, se quiser, poderá dar preferência a reprodutores (ou casais) cuja porcentagem de filhos do sexo masculino seja mais elevada.

Durante a estação de repouso, os casais podem ser desfeitos, ficando cada exemplar em gaiolas separadas ou, se o criador preferir, reunidos, junto com outros, em bandos e alojados em amplas gaiolas-voadeiras, ou melhor, em viveiros de maior área.

Na natureza, o ciclo reprodutivo tem relação e está adaptado às estações do ano. As aves dependem, para enfrentarem este ciclo, de um fator primordial : o alimento, que será fornecido aos ninhegos. E, na maioria das vezes, o alimento está na dependência do regime pluvial. Destarte, na primavera e no verão, com o aumento das chuvas e do calor, aumenta também o número e quantidade de insetos, de sementes, de vegetais e de frutas. Por isso, neste período, ocorre a reprodução destes pássaros.

Se o ornitófilo iniciar sua criação utilizando o método tradicional (como ocorre na natureza) denominado monogâmico – com macho junto com a fêmea – isto é, um casal por gaiola-de-criação, deve, de preferência, soltar ambos os reprodutores ao mesmo tempo. Ou, então, soltar primeiro o macho e depois a fêmea porque, tal circunstância é, com quase certeza, o que sucede em ambientes naturais, com pássaros nativos. Se acontecer o inverso, a fêmea pode tornar-se agressiva e brigar com o macho. Nestes casos, podem ocorrer lesões ou até a morte de um dos reprodutores.

.Em meu aviário – e quando utilizo o método monogâmico, procedo da seguinte maneira: Os reprodutores de canário-da-terra ficam em gaiolas individuais, separados. Escolhidos os espécimes que irão formar a parelha, penduro a gaiola da fêmea num prego. Depois, levo a gaiola do macho e a posiciono em frente da gaiola da futura consorte. De conformidade com as reações e dos comportamentos dos reprodutores (exibições de galanteio dos machos e solicitação de gala das fêmeas), coloco as duas gaiolas juntas, uma ao lado da outra. Elas ficam juntas durante um dia inteiro, sem nenhum anteparo ou vedação. Os dois reprodutores podem observar-se mutuamente.

Se houve reciprocidade dos exemplares, no outro dia, de manhã, introduzo o macho na gaiola-criadeira e em seguida a fêmea. Porém, geralmente, coloco a fêmea no dia seguinte, também na parte da manhã. Eu a levo dentro de sua gaiola e a passo algumas vezes em frente da gaiola do macho, para observar o seu comportamento e se, inclusive, a fêmea “pede gala”. Sempre observo o comportamento de ambos os reprodutores. Se o macho fizer exibições de corte ou galanteio, faço a fêmea passar para a gaiola do macho. A partir daí, fico observando se não ocorrem atos de hostilidade ou beligerâcia entre os parceiros. Se tudo correr a contento, deixo os dois parceiros conviverem juntos.

Dessa maneira, formado o casal e se houver compatibilidade e não acontecerem escaramuças de maior gravidade, e se, outrossim, os reprodutores se adaptaram a nova moradia, sentindo segurança e estando preparados para a reprodução, o ato procriatório surgirá, sem maiores problemas. O macho e a fêmea exploram o lugar onde o ninho foi posicionado, procurando entrar na caixa-ninho, o que fazem várias vezes. O macho geralmente é o primeiro que se introduz no interior da caixa, depois a fêmea. No começo, permanecem no seu interior durante pouco tempo. É interessante observar que o macho começa a cantar forte, vibrante, durante a maior parte do dia. A fêmea torna-se mais ágil, inquieta, procurando material para a cama do ninho, palha, raízes, fiapos de estopa (juta), fios de rabo ou crina de cavalo, rasgando jornal (quando existe) para a confecção do ninho. A partir daí­, é necessário fornecer farto material para o ninho ser construí­do. Primeiro se coloca os mais grosseiros (como raí­zes e gavinhas), para ser construí­da a estrutura externa; depois os mais flexí­veis e macios, os quais devem ser enfiados e entrelaçados, em feixe, por entre os espaçamentos dos fios de arame das gaiolas-criadeiras, perto dos poleiros ou próximo ao piso.

Quando o macho está muito fogoso e a fêmea ainda não estiver pronta para o ato reprodutivo – e não pedir gala, pode acontecer do macho, mesmo assim, voejar por cima de seu dorso, chegando algumas vezes a pousar, por alguns segundos, nas suas costas. Todavia, logo a seguir, ela demonstra rejeição passiva, voando para outro lugar, procurando fugir. Este é um comportamento sexual que presumivelmente parece ser de baixa intensidade, porque a fêmea não chega a agredir o companheiro e, também, não adota postura agressiva de espécie alguma. Este comportamento do macho pode ser realizado diversas vezes durante o dia.

Existe outro método, mais moderno e mais racional, utilizado por muitos criadores experientes, denominado de criação poligâmica. Nesse método são utilizadas várias fêmeas para um único macho. Quando a fêmea pede gala, o macho padreador é introduzido na gaiola-criadeira (onde está a fêmea). Se o macho estiver fogoso, com bom nível hormonal, realiza a cópula em seguida à solicitação da gala. Alguns criadores retiram o exemplar macho em seguida, transferindo-o para sua gaiola individual, pois uma única cópula bem realizada poderá fertilizar todos os ovos a serem botados (4, 5 e até 6 ovos). Outros esperam até o dia seguinte, para que o macho possa galar mais vezes a fêmea. Esta é uma espécie de confirmação de fertilidade. Depois desta confirmação retiram o macho e a fêmea bota, incuba e trata sozinha dos filhotes.

Nesse caso, não há o risco do macho desfazer o ninho, jogar os ovos fora, bicar os ovos, ou mesmo agredir a fêmea e/ou filhotes.

No reino animal, quando um macho de canário-da-terra possui mais de uma fêmea, ele pode ser considerado polí­gamo.

Já foi constatado, em liberdade, que canários-da-terra machos podem, eventualmente, tornar-se bígamos (isto quando existem poucos machos e muitas fêmeas disponíveis). Em regime de criação doméstica, dependendo do tipo de criação, há possibilidade, como acima exposto, de se induzir uma pseudo “poliginia”, com a utilização de um macho para várias fêmeas, como, aliás, acontece com frequência na criação de bicudos, curiás, azulões, pintassilgos, patativas, coleiros e outras espécies de pássaros. Este método é também usado quando se tem um macho de estirpe, de qualidades excepcionais, pretendendo o criador tirar vários filhos deste exemplar, com diferentes fêmeas, num mesmo período de criação.

O autor é 1º Diretor Técnico de Criação de Canário-da-Terra da COBRAP

(este artigo foi publicado na Revista Passarinheiros & Cia. nº 19, pág. 10 – 2003)

Escrito por Paulo Rui de Camargo, em 14/1/2004