Amazônia está no seu prato

Sem dizer da destruição dos habitats

Sexta, 13 de outubro de 2006, 07h41

Reprodução

A Amazônia sofre com a exploração da pecuária

João Meirelles Filho pertence à décima geração de uma família de pecuaristas. E não come carne bovina.

A opção alimentar representa mais que uma questão de gosto. Meirelles cresceu observando a forma como a produção de rebanho bovino se deu e ainda se dá no Brasil: normalmente às custas da destruição da floresta.

Meirelles hoje vive em Belém, no Pará, onde coordena a organização não-governamental Instituto Peabiru e se dedica ao fortalecimento institucional de entidades sem fins lucrativos da Amazônia. O autor do Livro de Ouro da Amazônia tem na ponta da língua as razões de sua opção gastronômica.

A floresta perde cerca de 24 mil quilômetros quadrados de cobertura nativa ao ano, extensão equivalente a dois terços da Bélgica ou a um estado do Sergipe. Para Meirelles, a principal causa está no aumento da demanda de carne por consumidores brasileiros – principalmente da região Sudeste e Sul – e na forma insustentável como a produção é feita: em fronteiras sistematicamente abertas junto à Floresta Amazônica. Desmata-se, degrada-se o solo com o pisoteio do gado e a falta de manejo, então derruba-se mais floresta para a abertura de novos pastos.

E por que criar gado justamente na Amazônia?

O filho de pecuaristas sabe como pensam os fazendeiros tradicionais locais: a produção lá é muito mais barata que outras regiões porque as terras custam pouco, a mão-de-obra sai quase de graça e, além disso, há pouca fiscalização dos órgãos ambientais, sanitários, trabalhistas e da Receita Federal. Isso compensa economicamente a distância dos centros consumidores.

As áreas deixadas para trás transformam-se então em campos abertos para o plantador de soja. Meirelles explica que o solo amazônico é naturalmente pobre. Enquanto nas florestas européias, a terra concentra 80% dos nutrientes e a vegetação os demais 20%, na floresta amazônica a relação é inversa. “Ao se cortar a vegetação, a riqueza orgânica vai embora. A soja entra então, com o pacote completo, formado por forte adubação química, maquinário e um arsenal de agrotóxicos”, afirma.

Segundo Meirelles, de 1964 a 2004, o rebanho bovino da Amazônia saltou de 1,5 milhão para 60 milhões de cabeças, equivalente a um terço do rebanho brasileiro. Do total de carne produzida na região, mais de 90% é consumido aqui mesmo, no Brasil. “Já há três cabeças de boi para cada habitante da Amazônia”, diz.

Outros dados reunidos por Meirelles:

– a pecuária é a principal atividade econômica rural da Amazônia. A maior parte dos 400 mil pequenos proprietários rurais da Amazônia tem na pecuária a principal fonte de renda.

– um boi de 16 arrobas tem em média 240 kg de carne. O brasileiro que come carne bovina diariamente, terá ingerido um boi a cada 6,6 anos, ou 11 bois inteiros durante a vida. Destes 11 bois, pelo menos quatro terão vindo da Amazônia. Ou seja, a cada três dias, o brasileiro come “um bife da Amazônia”.

– a pecuária é um péssimo empregador. Numa grande fazenda da Amazônia, emprega-se diretamente uma pessoa em média a cada 700 bois, que ocupam área de mil hectares. A mesma área com agricultura familiar empregaria pelo menos 100 vezes mais.

– a pecuária não distribui renda. A ilha do Marajó, uma área do tamanho da Suíça, após 200 anos de atividade tornou-se uma das áreas mais pobres da Amazônia, com índices de desenvolvimento humano (IDH) equivalentes aos de Bangladesh.

Amália Safatle é jornalista e editora associada da Página 22, revista mensal sobre sustentabilidade, que tem como proposta interligar os fatos econômicos às questões sociais e ambientais.

Escrito por Amália Safatle, em 17/11/2006