Boto e Iemanjá

O Esplendor da criação

Na pororoca das águas amazônicas possam se encontrar a Iemanjá das águas do mar e o Boto do encanto das águas doces, enquanto as brumas emolduram esse amor.

O canto enrouquecido do cortejo seja tão agradável quanto a voz rouca dos amantes ensandecidos.

E, na paz do seu retiro, suas notas possam ir desfilando e preenchendo nossos ouvidos, por mais dileto que seja o dialeto, as individualidades dos sons permitirão a identificação dos seres tão semelhantes aos olhos dos ineptos, mas tão diferentes \’aqueles que os amam e neles reconhecem cada nota.

Não importa se do sul, centro ou do norte, o duelo vai ser de oponentes que, em um cavalheirismo medieval, irão se confrontar com as armas que escolheram, o canto. Duetos dignos de se ver, ouvir e admirar.

A fêmeas, pardas morenas, aos olhos de Di Cavalcanti teriam aquele olhar maroto das brejeiras que tantos Amados e Buarques encantaram.

Ah, os bicudos, que de bicos brancos, chifrados ou pretos, tiram seu som gutural do âmago do seu ser…! Seres viventes, que tal qual os solistas, sabem envergar tal postura que deles é nato. Quem lhes terá impostado tal elegância? O ébano reluz, emprestando-lhe o sol mais beleza que só o divino poderia oferecer.

Que homenagens se pode prestar a estes cantores, que com aplausos não se iludem?! Permitir-lhes entoar seus cantos, fazendo coro a seus semelhantes, nos inebriando em uma sinfonia sem regentes, sem astros de grandeza maior, a não ser a harmonia singular dos cânticos das matas.

E as lendas, com seus mitos e deuses, poderão se encontrar nos mais incertos cenários, de Vitórias Régias às Araucárias, planícies e montes, mudando suas cores ao sabor da caminhada solar… Teremos apenas então, com nosso silêncio, que reverenciar o esplendor da Criação.

Rogério Fujiura

Escrito por Rogério Fujiura, em 26/10/2004