Conviver com o Desenvolvimento

É muita insensatez

Publicado no Atualidades Ornitológicas 122 – www.ao.com.br

CONVIVER COM O DESENVOLVIMENTO

Aloísio Pacini Tostes – Ribeirão Preto SP

Ouvimos essa frase, dita por um conservacionista num contexto muito interessante em meio a uma reportagem na televisão, a respeito de meio ambiente e da criação doméstica de animais nativos. Desenvolvimento, palavra contemporânea, muito ouvida e empregada, em especial, pelos políticos quando se referem a projetos futuros, “precisamos crescer economicamente” como condição básica para atender a crescente demanda por recursos que a sociedade necessita para uma harmonia e a boa convivência entre seres humanos. No entanto, como fazer isso no sentido amplo da palavra, aí está a questão e a pergunta com poucas respostas plausíveis e reais. Sendo até repetitivo, o que temos feito até hoje tem algo de racional, de apropriado, de moderno e de condizente com o principal problema: “oferecer meios para assegurar a na vida na terra”. Se pensarmos apenas no nosso País de 500 anos, o que já fizemos por aqui, somos, nesse momento, quase duzentos milhões de pessoas, com problemas de toda ordem, desemprego e miséria, mais de 50 milhões vivendo em condições desumanas; as populações rurais migrando para as grandes cidades e a crescente degradação ambiental, a irracionalidade. Como sempre dissemos e insistimos, quando olhamos para aquela cena dantesca que é avistar a negritude da água super poluída do Rio Tietê na cidade de São Paulo, ficamos desesperados e vemos o tamanho da irresponsabilidade das autoridades ou mesmo da população que aceita de forma tácita como se fosse trivial e normal, ninguém exige nada até dos congestionamentos quilométricos no tráfego, ninguém reclama. Causou-nos um profundo mal estar, do mesmo modo, viajar, via rodoviária, de Campo Grande MS até Cuiabá MT, onde milhares de veículos transitavam levando mercadorias e produtos primários, cadê a ferrovia para baratear o custo, mas não, é preciso gastar pneus, óleo diesel, utilizar caminhões pesados, a fim de remeter o dinheiro às matrizes de multinacionais do exterior e manter estável o cotação da soja no mercado internacional, é uma exigência desse mercado protecionista e injusto. Ali, dos dois lados da estrada, nenhuma árvore, apenas resquícios de vegetação oriunda de lavouras mecanizadas naquela imensidão de terras que hoje caminha a passos largos para a desertificação, aliás, já é um deserto verde oriundo da monocultura. Aves? Só Emas perdidas e deslocadas em meio aquele mar de terras devastadas e também Pássaros Pretos fazendo ninho em postos de gasolina, único lugar protegido e seguro que encontram. Exemplos como estes citados são incontáveis. A verdade é que nesse nível de crescimento populacional ao lado do enriquecimento cada vez maior de uma pequena parcela de pessoas, vamos caminhando para o caos, é inexorável. Ouvimos, também dizer que, se o mundo inteiro tivesse o mesmo nível de consumo dos americanos do norte, em pouquíssimo tempo o resto da população mundial não teria como sobreviver e todos morreriam de fome numa terra inteiramente degradada, pois tudo, tudo mesmo, que consumimos, utilizamos e usamos vem de um único lugar: da natureza. Isso dito, vamos agora ao que nos interessa, ao que aflige a nós passarinheiros e preservacionistas que somos. Nada de novo, de diferente, muito tumulto e muita confusão, a mídia, com raríssimas exceções, tem mais atrapalhado do que orientado, continuam as mensagens desencontradas que não trazem nenhuma informação séria e autêntica, é a mesma ladainha de alguns anos, o mesmo filme sempre repetido, só o interesse do sensacionalismo e da manipulação de noticias por parte de entidades que procuram beneficiar-se diante da situação criada, em amealhar recursos financeiros internacionais e até mesmo nacionais, que são disponibilizados por empresas que supõem que estão colaborando para o combate ao tráfico. Parece até que estão zombando, é gente que queima com cinza de cigarro os olhos dos pássaros!!!!! é gente que quebra o peito dos bichos!!!!, são bilhões de dólares!!! são milhões de indivíduos!!!! Donde se tirou isso, que fatos e que números fantasmagóricos são esses? . E pior, misturando as coisas, uma é um suposto combate ao tráfico que todos temos a obrigação de colaborar, a outra é atingir os passarinheiros para colocar a opinião pública contra a paixão desses milhões de brasileiros, a cantilena tem que ser mudada para realmente conseguir-se algo de objetivo. Isto porque, o que a sociedade precisa saber é quem são os responsáveis e se foram punidos, reter o transportador por algumas horas e não saber para onde iriam os pássaros é até jocoso, ou será falta de vontade para investigar; o veículo respectivo tem que ser retido como se faz com o tráfico de drogas e ele deveria ficar responsabilizado pelo material apreendido até o devido encaminhamento, senão vamos ver de novo pela décima nona vez a reportagem daquele traficante que já foi pego dezoito vezes praticando este crime. É bom dizer que na Europa e nos outros países do primeiro mundo há milhões de ornitofilistas e lá podem exercer suas atividades com tranqüilidade, aqui somos tratados como cruéis, desalmados, atrasados, justamente por causa dessa falsa imagem assim criada e acaba por dificultar o trabalho de preservação que se pretende realizar. Outro grande óbice, o atendimento aos pássaros, nas eventuais apreensões, é sempre precário e a mortandade é enorme por vários motivos: desinteresse, locais inadequados, lentidão no atendimento, falta de prática, despreparo, e até mesmo pura crueldade: “deixa morrer ou vamos cremá-los para evitar que alguém se apodere deles”. Bem, chegamos na síntese de nosso texto, o que fazer com as aves apreendidas e/ou que estão em depósitos inadequados? – São milhões de variadas espécies, que de uma forma ou de outra, estão em domesticidade e que não podem ser mais soltas na natureza, os viveiros e depósitos de diversas entidades estão abarrotados deles, para nada ou para morrer depois de grande sofrimento. O cadafalso está armado, a morte de cada um está próxima, quem sabe o Ministério Público possa se despertar para o caso e começar a acionar cada um dos responsáveis por essas insensibilidades e barbaridades. Um patrimônio genético que tem que ser colocado em operação, em produção e tudo tem que ser bem engendrado para tanto, todos temos que estar envolvidos nessa tarefa. A sociedade tem a obrigação de trabalhar nesse sentido, essa é a proposta central e das mais preservacionistas possíveis, é daí que se pode combater efetivamente o tráfico e assegurar, também, a sobrevivência das espécies; há alguma dúvida nisso? Temos trabalhado nesse sentido? Obviamente que não, toda sorte de empecilhos: a) criadouros conservacionistas que não produzem nada, até porque não podem repassar, se for só para coleção, é um absurdo enorme e que não pode continuar existindo, a ser não como trânsito por um pequeno período até que se encontre um local adequado para a respectiva procriação; b) dificuldade no encaminhamento de matrizeiro, por resistências inexplicáveis de alguns, destinado aos criadores comerciais que estão dispostos a reproduzir para atender a demanda, conforme manda a lei, legítima atividade de geração de rendas, emprego e vidas; c) tempo exagerado na aprovação dos projetos por parte do IBAMA; d) falta total de colaboração do meio acadêmico que continua com a utopia da intocabilidade e que não ajuda na criação de um manual de manejo de cada espécie (gestionando contra a própria classe que poderia trabalhar,de forma mais intensa, nas atividades de criação, em especial os veterinários e zootecnistas); d) denominar, de propósito, os animais que são nascidos em domesticidade de silvestres (tem gente que pensa que se está capturando indivíduos na natureza para vender); e) existência de depósitos infectos onde são mantidos espécimes por longo tempo impossibilitando-os à reprodução; entre outros estorvos de igual naipe. Contra-sensos e tumulto de toda sorte, quem sofre com isso são as aves que estão mantidas e mortas por gente que não tem o menor interesse em realizar algo de produtivo e de racional com elas, é a falta de compromisso com a causa. Em suma, não temos como deter o desenvolvimento, chega de insensatez, precisamos é de saber conviver com ele; utilizar racionalmente as nossas energias para proteger o meio ambiente em todos os sentidos e trabalhar para obter-se a preservação das espécies, de forma sustentada em regime de parceria entre os segmentos envolvidos, senão nossos descendentes vão nos esconjurar e nos acusar com razão de ter colaborado para a extinção de quase todas as formas de vida, temos realmente de saber conviver com o desenvolvimento. lagopas@terra.com.br

Escrito por Aloísio Pacini Tostes, em 8/1/2005