Criar
Uma visão do passado
O CAÇADOR DE CANÁRIOS
Luiz Antônio F. Taddei AGOSTO/2.001
A criação de Canários da Terra, toma, nos dias de hoje, nova diretriz e direcionamento.
Infelizmente para nós que gostamos deles e felizmente para eles, a falta de um preço mais justo pelos bons canários, fez com que sua criação sempre fosse vista como “segundo time” algo de “menor consideração”. Talvez até fosse mesmo, razão pela qual não temos tantos bons canários como temos curiós e bicudos; e tudo por uma razão muito simples: Uma enorme população de aves em liberdade que eram sistematicamente aprisionadas por alguns (agora, ilegais) e vendidos em muitas cidades desse nosso Brasil. Todos nós já vimos isso. Felizmente, esse quadro se ainda não acabou, com certeza está com os dias contados.
Daí, agora, a criação de canários da terra pode entrar para o “primeiro time” das criações em ambiente doméstico. É onde entra a nova diretriz e direcionamento dos criadores.
Os canários sempre foram uma paixão. De menino me fascinei. Garoto ainda, mais ou menos 8 anos, vi passar pela estrada que dava acesso a fazenda onde morava, uma pessoa, montado numa bicicleta. Levava na mão um “Bate” (gaiola própria para caçadas, normalmente feita de varas de uvá, leves, com dois alçapões laterais (os bates) acionados por varetas da copa de guarda chuvas). Dentro do “bate”, um canário pardo, “estalando direto”.
Acompanhei a caçada. O canto de desafio, o confronto, o enfrentamento do pardo ao “amarelo” dono do ponto, os primeiros “pegas” uma briga ferrenha, e quando o “bate” se fechou aprisionando o amarelo, o Canário Pardo, partiu para cima dele, fazendo voar penas. Eu fiquei extasiado. Como que hipnotizado por aquele Pardo.
Aquela cena e aquelas imagens me enfeitiçaram. Me apaixonei. Tal qual o menino que ao sair do circo decide ser domador de feras ou trapezista, decidi:
“Vou ser caçador de canários”.
Evidentemente que essa não foi minha profissão, mas nunca me afastei dos canários. O “Bate”, guardo até hoje. Sem uso a mais de 20 anos, guardo-o com carinho para confirmação de minha fé e admiração pelos canários, tal qual o cristão que se benze ao passar à porta da igreja.
Nos primeiros torneios com a participação dos canários da terra, 90% dos pássaros participavam na categoria “fibra” e também esse era o mesmo percentual de canários de origem “do mato”. As condições do torneio de fibra são severas e rigorosas para os pássaros, somente os muito bons se destacam e são classificados. Daí a busca desenfreada pelos pássaros de origem silvestre, baratos de aquisição e vindos de um poderoso arsenal genético onde muitos se revelavam e uma boa parte não fazia feio.
Esse foi talvez, o grande vilão da criação doméstica : Os Torneios e a sua seleção imediata. A pronta aferição. Os pássaros que não demonstravam aptidão para a “Roda”, que não tinham fibra suficiente para as disputas, sem seqüência de canto e principalmente os “corridos” eram simplesmente destinados aos viveiros, para onde também iam as fêmeas. Resultado: procriavam. Esses filhotes, assim como seus pais, eram inferiores; solidificou-se a opinião: “Canário Criado não presta”.
E quem foram os culpados para que esse conceito se solidifica-se: Nós mesmos, criadores de canários. Todos temos uma parcela de culpa.
Estão sendo precisos outros 20 anos para mudar esse conceito. Esses 20 anos já se passaram. Acabaram-se os canários “do mato”. A caça e apreensão é, hoje, uma atividade ilegal. A grande maioria dos canaristas, quer por entender que o volume de pássaros em cativeiro já é o bastante ou por temor aos rigores da lei, não caça e nem compra pássaros de origem desconhecida, pois se outro motivo não tivesse existe sempre a possibilidade de uma “incerta” do Ibama ou Polícia Florestal. Assim, estamos assistindo a participação dos últimos “ de origem desconhecida” nos torneios. É justamente aí que entram os novos conceitos, diretrizes e direcionamentos do plantel.
Até poucos anos atrás (anos 70), a os princípios de genética estavam restritos aos meios científicos e acadêmicos. Nós, que não fazíamos parte desse círculo, só começamos a tomar conhecimento dos estudos de genética, da transmissão e seleção de caracteres hereditários, dos atavismos, quando começaram a ser divulgados os trabalhos com bovinos e com as galinhas poedeiras e os frangos de abate.
Muita gente pensou e infelizmente ainda acredita, que todos esses estudos de seleção genética e transmissão de genes, ainda só valem para vacas e galinhas de granja e não para nossos pássaros.
Uma vez admitida a existência de um mecanismo hereditário capaz de transmitir informações através de sucessivas gerações, os criadores de curiós e bicudos, saíram na frente. Rapidamente entenderam que os famosos padreadores “greguinhos”, mantidos escondidos dos olhos dos visitantes nos fundos das casas, em nada melhoravam ou sequer mantinham as qualidades do plantel, foram descartados. Sistematicamente foram colocando na reprodução os melhores pássaros, os campeões dos torneios. É inegável a quantidade de bicudos e curiós repetidores, de bom canto, etc. que se produz hoje em dia.
No geral, os canaristas, ainda acreditavam que tinham e teriam para sempre acesso àquele imenso e poderoso banco genético, dos canários criados livremente, lapidados pela natureza ao longo dos anos, onde só os bons se destacavam. Demorou, mas caímos na realidade.
Um dos elementos responsáveis por essa produção em série de “refugos”, foram, por mais incrível que possa parecer, os Canários de fibra. Isso porque, logo se descobriu como verdade e tornou-se conduta de todos os canaristas que, “Canário de fibra não pode ser enfemeado” . Por isso as fêmeas eram colocadas distantes, nos viveiros (e durante muitos anos só se utilizava viveiros) para onde iam também os “corridos” e “tesos”. Daí o resultado.
Hoje, o nosso canário é fruto da criação doméstica. A noção de evolução aparece de forma acentuada na criação sob intervenção do homem.
“Os pássaros criados em cativeiro reagem, mediante ajuste biológico, para manter as condições fisiológicas ótimas que seu código genético lhes confere”. (Biologia Evolutiva em Ornitologia Desportiva. Alfonso Babra. Revista Pájaros, 2000)
Surgem os primeiros campeões, nascidos em ambiente doméstico. Separam-se as linhagens e tal qual é costume proceder com outros pássaros, os canários passam a ser selecionados para diversos fins e qualidades distintas ou somadas: Canto, Fibra, Valentia, Freqüência de canto, Qualidade do canto, Voz, Postura, Disposição e Repetição, “indistinção” de poleiros (cantar em todos os poleiros da gaiola e não só no dorminhoco ou no fundo da gaiola), Plumagem (mutações), Extensão do canto, e uma classificação minha: “Show” . Isto é, um Canário que reúne diversas das qualidades acima sem ser um canário de torneio. É um canário de passeio e exibições : Show.
Mas se estamos selecionando os canários, devemos, inicialmente formar os canaristas e difundir os conceitos. Passaremos pelas mesmas dificuldades dos criadores de bicudos e curiós (novamente os coloco como referências) pois sabiamente, difundiram os cantos tidos como padrões e principalmente treinaram e qualificaram os julgadores, tentando estabelecer os mesmos critérios de julgamento e pontuação.
Nós os canaristas ainda estamos muito arraigados a antigos e descabidos conceitos. Tal qual a excelência do “cavalo de boca torta”, tido como muito bom, por muito tempo, fazendeiros selecionaram cavalos que tivessem a “boca torta”, esqueceram ou não acreditaram que aquilo era uma Característica e não Qualidade, daquele animal; daí….
Os nossos campeões, não tem a “boca torta”, no nosso caso, Bico, mas ainda assim multiplicam-se as “teorias” :
_ “Canário para ser bom, deve virar amarelo solto”;
_ “A Fêmea solta, trata do filhote diferente, daí sai mais valente”;
_ “Todo canário criado solto, dá valente”;
_ “Canário criado na gaiola não tem valentia”;
_ “Canário solto tem pé preto e canário de pé preto não nega”;
E por aí vai; tem inúmeros outras; todas pretensos ditados feitos por comerciantes de canários para apregoar as qualidades do que deseja vender a um incauto. Nada disso tem fundamento e nem resiste a mais superficial análise. Infelizmente, aprendemos isso da pior maneira : Já fomos “o incauto”.
Seja qual for o objetivo da criação, um pensamento deve estar sempre presente: “só bons, produzem bons” . Aquela velha história: “Ah, o pai desse canário não era de nada e só produziu coisa boa”, não serve como regra de criação; isso é “Atavismo” e esse não é o melhor caminho para a seleção de reprodutores. O tempo de aferição é longo e o preço a pagar, em caso de erro de julgamento ou avaliação, muito caro.
Pensar que “Aquele que não era de nada”, talvez não tenha tido um bom manejo, etc… é desculpa para a falta de conhecimento do criador.
Simplesmente reproduzir espécimes, por reproduzir, embora muitas vezes complicado pela falta de conhecimento não é o mais difícil; difícil é reproduzir espécimes, com objetivos definidos, visando fixação de caracteres e soma de qualidades, isso é CRIAR. É uma ARTE. MANEJO é outra coisa, OUTRA ARTE.
O bom criador (das espécies que sabidamente procriam em ambiente doméstico) será aquele que for capaz de efetuar os cruzamentos aproveitando as qualidades de cada um dos pares e produzir indivíduos que externem Espontaneamente a soma das qualidades herdadas.
Se tiver um bom manejo, propiciando condições de externar as qualidades que possui, formaremos um grande pássaro. Até mesmo um Campeão. Esses, já nascem em nossas gaiolas com maior freqüência do que imaginamos; reconhecer esse Campeão é a grande qualidade do criador, quantos de nós será capaz ???? Isso é outra história.
Quanto ao menino que queria ser “Caçador de Canários”, cinqüenta anos depois, ainda revejo, com meus olhos fechados, muitas noites ao adormecer, o mesmo filme encantador do Canário Pardo, passar numa telinha mental projetada por meu cérebro. Durmo feliz.
Escrito por Luiz Antonio Taddei , em 1/9/2009