Heterose

Cruzamento entre diferentes

BOLETIM DO CRIADOURO CAMPO DAS CAVIÚNAS

Nº 13 JANEIRO DE 2004

REDATOR: Dr. JOSÉ CARLOS PEREIRA

RUA JOAQUIM DO PRADO, 49. CRUZEIRO/SP. TELEFAX 0xx12 31443590

Drjosecarlos2000@aol.com

Prezado Diego.

Vamos lá para a heterose. Deve-se levar em conta que ainda há dificuldades até na definição.

Sempre que deparar com o prefixo hetero deve pensar em diferente, contrastando com homo, que leva-nos ao igual ou semelhante.

Qualquer processo genético seletivo tem que passar pelo conceito básico da eliminação dos piores. Sempre se deve usar os melhores padreadores para, a cada geração, conseguir melhorias no plantel para as qualidades que se busca. Se não forem afastados os piores, não se chegará a lugar nenhum. Essa eliminação deve alcançar membros da progênie que fujam do padrão estabelecido pelo criador e também os padreadores (masculinos e femininos) que não marquem a progênie com o padrão desejado. Ah, o sonho de um padrão para os nossos Sicalis flaveola brasiliensis!

Vários são os métodos de seleção que podem ser usados, todos com as suas vantagens e desvantagens:

1- Inbreeding. Cruzamento (fala-se em acasalamento quando juntam-se macho e fêmea da mesma raça) entre parentes, procurando-se fixar características de determinados ancestrais (ou ancestral) na progênie. Dão origem a linhagens muito bem estabelecidas e prepotentes com o aumento do número de homozigose (alelos idênticos de um par de genes de determinado lócus, por exemplo, olho preto/olho preto, sendo cada alelo transmitido por um dos pais). Vamos aos pastores, pois, no seu desenvolvimento genético, há todas as variantes necessárias para exemplos: as linhas ditas de estrutura ou de show mantêm grande semelhança feno/genotípica dos seus membros graças a um grande número de homozigoses determinadas por fortíssimas consangüinidades. No inbreeding, os pontos negativos são as possibilidades do aparecimento de características indesejáveis, como a reduzida resistência às doenças e a queda da fertilidade (embora eu não tenha trabalhos sobre o assunto, muitos criadores mais antigos de pastores show notaram que, através dos anos, diminuíram não só o índice de fertilidade das suas fêmeas como o tamanho das ninhadas). É bom notar que muitos genes que afetam o vigor e a fertilidade são recessivos, portanto, somente manifestando-se em homozigose. No inbreeding, os portadores de características indesejáveis devem ser eliminados definitivamente dos cruzamentos para evitar danos irreparáveis para o plantel. O closebreeding é o exagero do inbreeding, cruzando-se parentes muito próximos, como pai com filha e irmão com irmã, desaconselhado em muitas raças de animais, proibida em outras como os pastores, por aumentar muito os efeitos indesejáveis do inbreeding, embora, em poucos casos, possa gerar animais excepcionais;

2- Linebreeding. Também conhecido por consangüinidade linear. Usa, o máximo possível, a presença de um indivíduo no pedigree (CRO), evitando quanto possível a consangüinidade. Por não causar aumento rápido da homozigose, não expõe muitos genes recessivos indesejáveis. É um sistema bem seguro, desde que a seleção dos indivíduos explorados seja severa. Foi muito usado no início da seleção da linha de pastores alemães de estrutura, criando-se linhas excepcionais capitaneadas por cães como Quando e Canto Wienerau (com o tempo essas linhas evoluíram, para o bem para uns e para o mal para outros, para o sistema inbreeding com um número enorme de consangüinidades) e ainda muito usado por alguns criadores de pastores da linha de trabalho. Exige o uso de raçadores excepcionais como líderes das linhas sangüíneas. Creio que é o que o Taddei vem fazendo com o Jép e que, no futuro, se continuar com os cruzamentos programados evoluirá para duas vertentes: a-Continuar o linebreeding, usando outros raçadores, o que, lhe permitirá no futuro o cruzamento entre as linhas criadas, até, em algumas delas, a heterose ou b-Evoluirá para o inbreeding. No momento tenho um filhote com forte closebreeding 1-2 no Jép (Jép-Jép, filho do Jép com Caçula, uma filha do próprio Jép). Outra alternativa para o grande selecionador para fibra seria o crossbreeding, usando os melhores entre as linhas de sangue diferentes que formará;

3-Outcrossing. Nada mais é do que a heterose. É o cruzamento de indivíduos não relacionados. Hoje, aceita-se como cruzamento entre indivíduos da mesma raça, desde que não relacionados geneticamente. Usa-se muito para o controle qualitativo de características determinadas por mais de um gene (poligênico) como tamanho, velocidade, temperamento e fertilidade. Como nesse método é muito difícil que se cruze dois indivíduos portadores dos mesmos alelos para uma característica indesejável, há o melhoramento genético ou vigor híbrido que, por definição é o mesmo que heterose. Portanto, a heterose somente pode ser considerada se o resultante for mais forte do que os pais. Se for bem combinado com o inbreeding, pode controlar alelos recessivos indesejáveis. Nesse ponto encontramos o desejo do Diego de fazer inbreedings até uma certa geração, formando um bom número de homozigoses, que favoreceriam a manifestação de alelos recessivos indesejáveis e, então, partir para a heterose para melhorar a qualidade, aumentar a taxa de fertilidade, o vigor híbrido e controlar os alelos indesejáveis. Não é muito fácil e exigirá muitos anos de perfeito controle do plantel e uma consciência selecionadora que não poderá jamais transigir com o ruim ou mesmo com o mediano. É trabalho para gente jovem. Eu, na idade que estou, não posso pensar muito no longo prazo. Assim, irei de linebreeding com uma heterosezinha básica complementar. Existem alguns subtipos de heterose: a-Cruzamento linear, entre duas linhas inbreeding, procurando somar as qualidades das duas; b-Grading, também conhecido por cruzamento absorvente, entre um garanhão de ótima qualidade com fêmeas de qualidade abaixo da média. Não aconselho a ninguém; c- Crossbreeding, que permite uma seleção muito interessante: faz-se crossbreeding entre duas raças, seleciona-se os animais com as características desejadas e faz-se inbreedings entre eles para fixar essas qualidades. Também pode ser usado somente para produzir heteroses para melhorar fertilidade, resistência às doenças e bom temperamento. Como sempre, há a necessidade de padreadores altamente qualitativos, não se admitindo jamais o meia boca; d -Hibridação. É a heterose radical, o vigor híbrido no topo, mas, por não haver pareamento cromossômico, esterilidade. O cruzamento entre espécies diferentes: cavalo ou égua(Equus caballus) x jumenta ou jumento(Equus asinus) = mulo(a) ou Serinus(Serinus canarius) fêmea x pintassilgo (Spinus magellanicus ictericus) = pintagol.

Prezado, essas são algumas pinceladas sobre a heterose. Não esgota o assunto, pelo contrário, está muito longe disso, mas cria condições para o debate. Tenho comigo algumas regrinhas essenciais para qualquer metodologia de criação: 1-Criar sempre com o melhor possível; 2- Alta seleção das fêmeas para as qualidades que se quer, pois, além de ter 50% da responsabilidade genética da progênie, vai imprintar, se me permite o termo, os filhotes; 3- Ter muito cuidado com os extremos do inbreeding e do outcrossing; 4- Ter um planejamento para não se perder na genética e escorregar na maionese; 5- Ter humildade para voltar atrás e replanejar o programa de cruzamentos, pois, teimosia e genética são incompatíveis; 6- Não ter vergonha de “copiar” o que um criador já fez ou faz com sucesso. Dizem que ninguém é tão gênio para não precisar aprender e tão burrinho a ponto de não ter nada a ensinar; 7- Não viver enclausurado, ermitão que não troca informações. O caranguejo ermitão vive entocado, na dele, mas quase sempre termina no fundo de uma panela. Nenhum criador vai conseguir alguma coisa com a genética sem trocas constantes de informações. Uma vida não é suficiente para, trabalhando isolados, conseguirmos os resultados almejados. E, como não temos sete vidas como os gatos…!; 8- Ter olho, e cérebro é claro, isentos para julgar com imparcialidade necessária as qualidades do plantel de outros criadores e as deficiências do nosso plantel. Aqui, a cegueira do criadouro é fatal; 9- Nem sempre o bom padreador para as qualidades que se quer acrescentar ao plantel está nas estacas dos torneios. Pode estar numa gaiola de um criador pouco conhecido nesses cantões do nosso grande Brasil; 10- Capacidade para avaliar as deficiências e as qualidades do plantel, facilitando a busca do padreador, ou da matriz, capazes de corrigi-las ou melhora-las; 11- Ter na cabeça que correções de várias deficiências do plantel dificilmente serão resolvidas por um só padreador, ou matriz, e, principalmente, numa só geração. Somente o trabalho seqüencial qualitativo, persistente e imparcial poderá levar a algum lugar;12- Selecionar pela genética é trabalho de longo prazo. No curto prazo, somente comprando os ganhadores dos torneios por altas somas. E, assim mesmo, é um caminho mais de incertezas do que certezas. Curto prazo, nem ações da Vale, sô! e 13- Jamais tentar uma heterose sem conhecer a fundo a genética dos pássaros a ser usados, com consangüinidades ou homozigoses confiáveis.

Não poderia deixar de citar um outcrossing que seria muito interessante e que, ao meu ver, ainda muito pouco explorado. O cruzamento entre as 4 subespécies reconhecidas do Sicalis flaveola (flaveola flaveola, o venezuelano, flaveola valida, o peruano, flaveola brasiliensis, o nosso querido e flaveola pelzelni, muito querido e conhecido no sul brasileiro). Pô, que mico sô, deve estar pensando muita gente, será que não sabe que já houve e há muitos desses cruzamentos heteróticos (não confundir com erótico. Nada demais, porque alguns passarinheiros estão mais assanhados com a passarinheira do que criador quando recebe anilhas do IBAMA) entre essas subespécies? Realmente há, mas, na grande maioria das vezes, os resultados são frustrantes. É comum ouvirmos: os mestiços, resultantes do cruzamento de brasiliensis com peruanos e, mesmo os peruanos puros, não rendem nas rodas de fibra e outras quizumbas mais. A culpa é fácil de ser colocada nos pobres peruanos. Afinal, não falam e não sabem tirar o deles da reta. Vejo dois erros elementares, mesmo para o Watson: 1- Usamos na criação os bons brasiliensis, mas quase sempre os peruanos que aqui aportam não são os melhores andinos e 2- Teríamos que criar uma linhagem com bons peruanos, cruzando os melhores que aqui temos entre eles formando uma linha qualitativa pelo inbreeding e, depois, partirmos para a heterose linear, cruzando os melhores do inbreeding com peruanos com os melhores de um inbreeding entre os brasiliensis, ou pelzelnis para não desgostar os amigos do Sul. O mesmo poderia ser feito entre venezuelanos e peruanos, pelzelnis ou brasiliensis, entre basiliensis e pelzelnis, etc. Estaríamos, assim, copiando os bons trabalhos já realizados com zebuínos, bubalinos e eqüinos. Sempre lembrando que a heterose visa melhorar a progênie, devendo os mestiços ser melhores do que os pais para as qualidades que se quer fixar. Se assim não for, ela perde a conceituação e a graça. Para atiçar: sendo brasiliensis e valida subespécies da espécie Sicalis flaveola, os filhos não seriam sub-híbridos?

Escrito por Jose Carlos Pereira, em 9/1/2004