Política de proteção ambiental
Expulsão dos povos tradicionais
Para Antonio Carlos Diegues, da USP, política atual de proteção ambiental expulsa povos tradicionais de suas áreas
Lígia Formenti escreve para “O Estado de SP”:
Antonio Carlos Diegues, antropólogo e professor da USP, afirma que a política de proteção ambiental no Brasil está condenando comunidades tradicionais, como os caiçaras paulistas, a um genocídio progressivo.
Para ele, que durante anos trabalhou no Depto. de Pesca da Fundação das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), as regras atuais obrigam essas comunidades a mudar de forma brusca comportamentos seculares ou simplesmente as expulsam de áreas que passam a ser de proteção ambiental.
Sem alternativas, seus integrantes são relegados às periferias das cidades, engrossando o grupo de miseráveis.
Para Diegues, o processo somente pode ser interrompido com uma revisão dos critérios para definição de áreas de proteção integral e de manejo sustentável. “Comunidades tradicionais são extremamente úteis para preservar a região, mas o que vemos é um processo que praticamente obriga tais populações a abandonarem as áreas onde vivem”, afirma.
Ele observa que muitas das comunidades estão nos locais há anos, desempenhando atividades que provocam pequenas mudanças na paisagem. “Mas a própria natureza se encarrega de se restabelecer”, garante.
No entanto, entre ambientalistas que ele define como “radicais”, há a falsa idéia de que também comunidades tradicionais podem provocar prejuízos ao meio ambiente.
O antropólogo afirma que o conceito de natureza intocada não pode ser considerado como regra geral. Mas hoje no país, segundo ele, a grande ênfase se dá para unidades de proteção integral, como parques nacionais e estações ecológicas. Reservas extrativistas e unidades de uso sustentável ficam em segundo plano.
As primeiras, diz Diegues, recebem quantias razoáveis de investimentos e pouco sobra para as demais unidades. “Surpreende o fato de tal mentalidade persistir, mesmo tendo à frente do Ministério do Meio Ambiente uma pessoa cujo histórico está ligado ao movimento seringueiro”, afirmou Diegues, numa referência à ministra Marina Silva.
Para Diegues, que hoje faz uma palestra no ciclo Diálogos sobre o Popular, no Centro Cultural Banco do Brasil, em Brasília, a ênfase em unidades de proteção integral não se adapta à realidade brasileira.
“Grandes parques, a exemplo dos que são mantidos nos EUA, exigem uma estrutura de fiscalização e equipamentos de que não dispomos”, afirma. “Sem recursos, os resultados obtidos são justamente opostos: uma área abandonada, livre para ação predatória.”
Diegues considera indispensável uma reavaliação das áreas protegidas. “Não digo reduzir o número de parques, mas instalá-los somente em áreas que sempre estiveram desabitadas”, diz.
E, nas unidades de manejo sustentável, garantir que comunidades possam desempenhar suas atividades. Como exemplo bem-sucedido, o antropólogo cita a experiência da Ilha do Cardoso, no litoral sul paulista. “Lá, caiçaras são mais eficientes e rigorosos do que muitos fiscais. Eles não querem ver a área de onde garantem seu sustento ser deteriorada.”
Lígia Formenti
(O Estado de SP, 21/1)
Escrito por Lígia Formenti, em 24/1/2005