Queixadas na mesa
Cada vez mais complicado
Ecio Rodrigues (*)
Uma pergunta simples e com resposta cheia de contradições tem sido feita nos últimos vinte anos: O que impede que a carne de Queixada (o javali nacional) possa ser comprada nos mercados municipais? A contradição da resposta irá apelar para o tráfico de animais silvestres.
A discussão se inicia com algo aparentemente fácil de se resolver e termina na Polícia Federal, com todo um aparato de repressão ao tráfico de drogas e que também é usado para o combate ao tráfico de animais silvestres, que, pela Lei, são iguais.
Para produzir carne de Queixada, paca, cateto e capivara, o empreendedor precisa de pequeno investimento e, o melhor, vai demandar poucos insumos externos à sua propriedade. Isto é, para construir o criatório e instalar todo empreendimento o produtor poderá usar matéria-prima existente na sua própria colonha. Para lida diária com o plantel, poderá empregar a mão-de-obra juvenil e feminina, o que o deixa livre para outras atividades.
Não há problemas com relação à captura de matrizes, existentes no interior da floresta. Também não há restrições de espaço físico cuja dimensão requisitada pelo criatório é reduzida para a realidade do módulo rural na Amazônia. Por fim, a produção de alimentos para dieta alimentar do plantel de animais silvestres é comumente realizada pelo produtor.
Havendo disponibilidade de matrizes com elevado valor genético, de espaço físico, de condições climáticas propícias e de alimentação farta, o Queixada ainda teria que provar seu potencial de mercado.
Muitos afirmam, com pouquíssimas evidências diga-se, não haver mercado para a carne e derivados de animais silvestres, mas todavia, o aquecido mercado ilegal parece ser a maior comprovação da demanda reprimida que existe. Além disso, o mercado, que já existiu, antes da aprovação da legislação proibitiva, era bastante promissor.
Com condições favoráveis para a produção e com mercado comprovado, tanto na própria Amazônia quanto fora dela, o empecilho maior, e às vezes intransponível, é de ordem ambiental. A legislação permite a produção em criatório e, até mesmo, o manejo do animal solto na floresta, mas, como dizem os produtores: “tem que brigar com o Ibama”.
O argumento principal dos licenciadores para dificultar a produção de animais silvestres é que, para eles, a existência de um mercado legal ajuda a esconder o mercado ilegal. Ou seja, a produção manejada acobertaria a caça proibida e, assim, colocaria as espécies em risco de extinção.
Uma idéia absurda, mas amplamente aceita. Se isso tivesse cabimento três interrogações não persistiriam: 1) o mercado ilegal continua existindo apesar do preço que a sociedade paga para manter o aparato policial; 2) o que levaria o consumidor a deixar de comprar a carne legalizada, vendida a preços competitivos em supermercados, para ir em busca do mercado ilegal correndo risco de virar traficante?; e 3) em que medida a existência de elevada quantidade de Queixadas em criatórios poderia vir a colocar a espécie em risco de extinção?
As barreiras para estruturar mercados de carne de animais silvestres da fauna amazônica tiram competitividade da região, não melhoram as características ambientais e, o pior, contribuem para promover a expansão dos mercados de animais exóticos domesticados, leia-se: gado.
* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal , mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).
Escrito por Ecio Rodrigues, em 5/3/2008