Tráfico
A realidade
Tenho acompanhado o pensamento dos amigos sobre o assunto e, confesso, tenho me segurado para não escrever esta. O assunto já foi exaustivamente debatido mas com alegria vejo a evolução nas mais recentes discussões que parecem caminhar para um consenso. As alternativas apresentadas, algumas inviáveis para o momento, outras de fácil aplicação, enfim, saber que existem caminhos que não passem tão somente pela repressão.
Vejamos: Foi divulgada uma estatística que diz que aproximadamente 20% dos lares tem pássaros. Esse número tem sido largamente utilizado para mostrar o potencial mercado existente, principalmente para podermos mostrar que a nossa atividade pode ser auto sustentável, criando divisas e participando com uma parcela expressiva na geração de recursos para a nossa Economia.
Mas quantos desses 20% estão em situação legal? Peço a alguém que converta esse percentual em números e veremos que desde os criadores amadores, passando pelos conservacionistas e chegando aos comerciais, todos que estejam cadastrados no Ibama(seria interessante conhecermos esses números), veríamos então que somos minoria.
Feira do Rolo, Torneios, Rodas, são números insignificantes se fossemos fazer um censo de quantos pássaros estão na ilegalidade. Não se faz necessário denúncias, nem grandes investigações, em São Paulo, por ex. basta caminharmos com um pouco de atenção e ouviremos pássaros cantando que não são originários desta região. Pardonas da Bahia, cardeais do sul, Galos de Campina do Nordeste, Galinhos da Serra ou Cravina, Pássaros Pretos, Trincas com cantos tão definidos que podemos até apontarmos sua região de origem…dentre outros. Concentramos em SP e na Grande SP uma quantidade e variedade de espécies tamanha que podemos comparar inclusive com a ocupação humana, pois concentramos o maior número de imigrantes, nacionais e estrangeiros.
Me faz pensar que uma das alternativas para o combate ao tráfico , passa pela atenção que vamos dispender a essa grande maioria. Quantas Donas Mariquinhas encontramos em cada esquina,muitas delas reunidas em um só quarteirão…
Quantos desses mantenedores não deram origem a muitos dos que hoje são criadores legais? Foi citado uma vez que “basta ir a uma roda de trincas para se ver pássaros que foram “legalizados”. Ora, ampliem um pouco sua visão e observem como estão sendo tratados cada um em sua gaiola! E foram essas mesmas rodas que ,no passado, com espécies diferentes ( curiós, bicudos, coleirinhas, canários da terra) vieram a incentivar a sua criação em cativeiro. Uns buscando aprimorar canto, outros, fibra e daí o estudo intenso sobre genética para poder realçar esta ou aquela qualidade. E hoje, os torneios são a grande vitrine dos criadores, que ali podem expor o resultado de seus estudos, de sua dedicação.
A COBRAP nasce da necessidade que temos de uma entidade que nos represente em varias frentes. Mas ela será, com certeza, ainda maior, se representar também aqueles que hoje estão na marginalidade, que contribuem involuntariamente com o tráfico, e que assim o fazem porque são empurrados para isso, pela burocracia que impede que ele possa ser em paz um passarinheiro. Esses hoje são a grande maioria e repito, não vejo como diminuir o tráfico sem dispendermos nossa atenção a essa grande massa de mantenedores, aliás, muitos deles também criam e conseguem a reprodução em cativeiro.
Não são os valores cobrados pelos criadores comerciais. Isso quem vai regulamentar é o mercado. Se alguns acham abusivos os preços praticados pelos criadores comerciais, então desconhecem os valores que atingem alguns pássaros vindo de amadores.
A transparência, inúmeras vezes citadas pelo mestre e hoje presidente Aloísio, é a maior chave para combatermos o tráfico. Sem subterfúgios, sem senões, sem hipocrisias, sem manchetes e matérias escandalosas, substituindo fotos de animais maltratados por aqueles bem amados, aí é o início de uma grande revolução que pode vir a exterminar nosso alvo, o tráfico, pelas suas estruturas.
Sei que fui longo, isso deve ser fruto do quanto me segurei para escrever estas, isso me reforça a idéia de que a repressão pura e simples produz resultados inversos àqueles inicialmente pretendidos.
Escrito por Rogério Fujiura, em 2/9/2003