Audiência Pública na Câmara Federal
DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO
NÚCLEO DE REDAÇÃO FINAL EM COMISSÕES
TEXTO COM REDAÇÃO FINAL
COMISSÃO DA AMAZÔNIA E DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL
EVENTO: Audiência Pública N°: 0821/02 DATA: 6/11/2002
INÍCIO: 10h36min TÉRMINO: 13h13min DURAÇÃO: 02h37min
TEMPO DE GRAVAÇÃO: 02h38min PÁGINAS: 58 QUARTOS: 32
REVISÃO: Andréa Macedo, Carla, Leine, Lia, Madalena, Marlúcia, Rosa Aragão, Waldecíria
SUPERVISÃO: Amanda, Daniel, Debora, Graça, Letícia, Luci, Márcia, Maria Luíza
CONCATENAÇÃO: Cláudia Luiza
DEPOENTE/CONVIDADO – QUALIFICAÇÃO
DENER GIOVANINI – Coordenador-Geral da Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres — RENCTAS.JORGE BARBOSA PONTES – Coordenador de Prevenção e Repressão a Crimes contra o Meio Ambiente do Departamento de Polícia Federal.RICARDO BECHARA – Delegado-Chefe do Núcleo de Repressão a Crimes Ambientais da Superintendência Regional da Polícia Federal do Rio de Janeiro.JOSÉ DE ANCHIETA DOS SANTOS – Diretor de Fauna e Recursos Pesqueiros do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis — IBAMA.JOSÉ CARLOS LOPES – Coordenador-Geral de Fiscalização da Fauna da Diretoria de Proteção Ambiental do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis — IBAMA.ALOÍSIO PACINI TOSTES – Presidente da Confederação Brasileira de Criadores de Pássaros Nativos — COBRAP.
SUMÁRIO: Debate sobre o tráfico de animais silvestres na Amazônia Legal.
OBSERVAÇÕES
Há exibição de imagens.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luciano Castro) – Na qualidade de Presidente da Comissão da Amazônia e de Desenvolvimento Regional, declaro aberta a presente reunião de audiência pública, com o objetivo de debater o tráfico de animais silvestres na Amazônia Legal, atendendo a requerimento aprovado nesta Comissão, de autoria do Deputado Josué Bengtson.
Foram convidados o Sr. Dener Giovanini, Coordenador-Geral da Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres; o Delegado Jorge Barbosa Pontes, Coordenador de Prevenção e Repressão aos Crimes contra o Meio Ambiente, da Polícia Federal; o Delegado Ricardo Bechara, Chefe do Núcleo de Repressão a Crimes Ambientais da Superintendência Regional do Rio de Janeiro da Polícia Federal; o Sr. José de Anchieta dos Santos, Diretor de Fauna e Recursos Pesqueiros do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis — IBAMA; e o Sr. Aloísio Pacini Tostes, Presidente da Confederação Brasileira dos Criadores de Pássaros Nativos.
Esclareço que, para melhor andamento dos trabalhos, adotaremos os seguintes critérios: de acordo com o Regimento Interno da Câmara dos Deputados, o convidado deverá limitar-se ao tema em debate e disporá para tanto de vinte minutos, não podendo ser aparteado.
Informo que a lista de inscrição para os debates encontra-se sobre a mesa. Os Deputados que desejarem solicitar a palavra deverão registrar o nome e só poderão abordar o assunto em questão pelo prazo de três minutos.
O interpelado terá igual tempo para responder, facultadas as réplicas e as tréplicas pelo mesmo prazo, vedado aos expositores interpelar qualquer dos presentes.
Ao dar início às exposições, convido a tomar assento à Mesa o Sr. Dener Giovanini, Coordenador-Geral da Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres — RENCTAS. (Pausa.)
Concedo a palavra ao Sr. Dener Giovanini por vinte minutos.
O SR. DENER GIOVANINI – Exmo. Sr. Presidente desta reunião de audiência pública, Deputado Luciano Castro; Exmos. Parlamentares da Comissão da Amazônia; autoridades presentes; demais integrantes da Mesa; senhoras e senhores, bom-dia.
Primeiramente, gostaria de agradecer à Comissão da Amazônia a oportunidade deste debate. É um grande avanço para o Brasil debatermos no Parlamento tema que há muitos anos vem causando tantos prejuízos ao País. Esta oportunidade é única, e os integrantes da Comissão da Amazônia e os Parlamentares da Câmara dos Deputados estão dando contribuição extremamente significativa para se resolver a questão, uma vez que estão conscientes da atual situação da perda da biodiversidade brasileira e preocupados com ela.
Já travamos, nesta Casa, em outra oportunidade, discussão acerca da biopirataria, na implantação da CPI da Biopirataria, tão bem coordenada pela Exma. Deputada Socorro Gomes.
Quero ainda fazer um agradecimento especial ao Deputado Josué Bengtson pela iniciativa de propor a realização desta audiência pública.
Infelizmente, o tempo é curto para apresentar e discutir tema com tantas variantes, que nos proporcionará uma discussão profunda, com muitas questões setoriais, mas vamos tentar abordar de maneira resumida a posição defendida pela RENCTAS e, principalmente, algumas propostas e soluções para combater o comércio ilegal.
Gostaria de usar o PowerPoint.
(Segue-se exibição de imagens.)
Tentaremos fazer uma abordagem bastante sintética do tráfico de animais silvestres, que começou com a descoberta do Brasil. Tivemos como primeira grande perda de biodiversidade a exploração mercantilista, com os nossos descobridores. Os índios conviviam muito proximamente com a fauna silvestre brasileira e tinham relação extremamente amigável com a fauna e até um nome específico para designar os animais silvestres, xerimbabos, que significa coisa querida.
Os portugueses, quando chegaram, começaram a levar os exemplares de animais das novas terras do Brasil para os seus países não só como prova do descobrimento, mas também pelo exotismo da fauna silvestre. Com a circulação dos animais na Europa, tivemos o início da captura ilegal, do comércio ilegal, pelos piratas que aqui aportaram.
Esse quadro mostra pequena evolução do tráfico de animais silvestres. Do século XVI ao século XVIII, tivemos grande procura por aves e primatas para uma abordagem exótica, porque eram muito interessantes nas cortes portuguesas as pessoas que chegavam às festas com papagaios nos ombros, com roupas feitas com penas de aves tropicais.
No século XIX, tivemos a utilização de animais para decoração e adornos de roupas e chapéus e, a partir dos anos 40, começamos a ter um incremento no comércio internacional de peles de felinos e répteis para a indústria de moda: bolsas, sapatos e casacos.
A partir dos anos 70, 80 e 90, o tráfico começou a crescer mais em função da utilização de animais da fauna brasileira pelas lojas de pet shops, para servirem de companhia, como animais domésticos. Era muito comum se ter na Europa e nos Estados Unidos animais da fauna silvestre brasileira sendo comercializados para fins de pet shops.
No ano passado, quando lançamos o primeiro relatório nacional sobre o tráfico de animais silvestres, conseguimos identificar, num catálogo de venda de animais silvestres publicado em 1910, na Inglaterra, a foto de um primata brasileiro, um macaco, o mico-leão-da-cara-preta, que só foi descrito cientificamente em 1991. Ou seja, o Brasil só tomou ciência dessa espécie naquele ano. Mas, em 1910, na Inglaterra, já constava num catálogo de comércio de animais para pet shops.
Quando falamos em tráfico de animais silvestres, as pessoas logo o associam ao comércio ilegal da fauna, à venda de papagaios, periquitos, araras, tucanos, mas, na realidade, os tipos de tráfico são muitos e dividem-se em diversas categorias: para colecionadores particulares, para alguns circos e para alguns zoológicos ilegais. Retiram, ilegalmente, animais da natureza, como a arara-azul-de-lear, o mico-leão-dourado, a harpia e o papagaio-de-cara-roxa.
Outra modalidade de tráfico é para pet shops ilegais, isto é, lojas que comercializam, ilegalmente, animais da fauna silvestre, como, por exemplo, a jibóia, o iguana, as araras, o macaco-aranha, a jaguatirica.
Há também o tráfico para fins científicos, a biopirataria, talvez a categoria de tráfico que mais prejuízos causa ao Brasil, porque, em face da grande biodiversidade, o País vem perdendo muitos recursos com a utilização e com a patente de produtos oriundos da nossa fauna e da nossa flora, que são levados daqui para outros países. Lá fora, são patenteados e depois voltam em forma de medicamentos, para serem comercializados no Brasil. Nesse caso específico, temos como exemplo os sapos amazônicos, as aranhas, os escorpiões, as serpentes venenosas e os besouros.
Esse quadro mostra a riqueza que envolve a bioprospecção no Brasil. Um exemplo bastante comum é a substância extraída da jararaca brasileira, utilizada pela indústria química e farmacêutica para fabricação de medicamentos que controlam a pressão arterial, como o Captropil. Só com esse mercado, o Brasil deixa de arrecadar por ano cerca de 500 milhões de dólares.
Há ainda um quadro que mostra os valores dos produtos extraídos do veneno de serpentes da fauna brasileira praticados no comércio legal internacional.
Agora, abordaremos a questão das pessoas envolvidas no tráfico.
Na primeira fase, há os apanhadores, que, na maioria das vezes, são índios, ribeirinhos, caboclos. Tendo condição socioeconômica desfavorável, essas pessoas são cooptadas pelos traficantes, inseridas na cadeia do tráfico e, de certa maneira, exploradas.
Em seguida, temos os distribuidores — barqueiros, pilotos de aviões, caminhoneiros, motoristas de ônibus — e os comerciantes, que podem ser feirantes, donos de lojas clandestinas de animais e criadores ilegais.
Por fim, os consumidores finais, nacionais e estrangeiros: circos, laboratórios ilegais e a população em geral.
Uma das facetas do tráfico de animais silvestres no Brasil é a exploração de crianças pelos traficantes. Isso ocorre não só na região amazônica, mas também em Estados como Santa Catarina, onde se constata alto índice de evasão escolar. Crianças deixam de freqüentar as aulas para caçar borboletas, vendidas estas a 2 ou 3 centavos, para abastecer a indústria do artesanato.
Um dos centros de comercialização de animais silvestres são as feiras. Espalhadas por todo o Brasil, nelas há o encontro do traficante nacional com o internacional.
Outra categoria de tráfico bastante comum hoje é aquele praticado via Internet. O comerciante que se utilizava da feira livre hoje opta pela Internet, porque tem assegurado o anonimato. Sua mercadoria é despachada mediante serviço postal.
No ano passado, a RENCTAS, depois de realizar pesquisa por quatro meses, elaborou dossiê no qual constam 4 mil 892 anúncios de venda ilegal de animais na Internet. O documento foi entregue à Procuradoria-Geral da República, para que tome as medidas necessárias.
Quanto às técnicas de transporte utilizadas, é muito comum encontrar micos dentro de garrafas de café — a figura mostra apreensão feita em Brasília — e serpentes amarradas ao corpo das pessoas, para que possam ser levadas para fora do País. Esses são casos de tráfico de espécies ameaçadas.
Os traficantes utilizam-se também de documentação legal para encobrir produtos ilegais. Guias de transporte para peixes são utilizadas para embarcar caixas que, na realidade, contêm iguanas, guias CITES são falsificadas, assim como guias de transportes de animais e autorizações do IBAMA. Para o traficante, a fauna brasileira não é mais do que simples mercadoria, com exceção das espécies raras ou das que têm maior valor no mercado.
O tratamento a que são submetidos os animais é extremamente cruel. Cegam as aves, quebram os ossos do peito das araras, para que sintam dores e pareçam mansas, micos são alcoolizados — é comum encontrá-los nesse estado em feiras livres — por injeção de álcool ou cachaça na veia, para que pareçam mansos.
De cada dez animais retirados da natureza, nove morrem na captura ou no transporte. Apenas um chega ao consumidor final. O massacre durante a captura é enorme. Na maioria das vezes, os pais têm de ser mortos para que os traficantes capturem os filhotes. Os animais são transportados da pior maneira possível, a fim de não alertar a fiscalização. Isso ocasiona grande perda de espécimes retirados da natureza.
Dados do primeiro relatório nacional publicado pela RENCTAS sobre tráfico de animal silvestres demonstram que essa prática é considerada a terceira maior atividade ilegal do mundo, só perdendo para o tráfico de drogas e de armas em termos de recursos movimentados, de acordo com o WWF, PNUMA e PNUD. A atividade movimenta entre 10 bilhões e 20 bilhões de dólares por ano no mundo, sendo que o Brasil participa com cerca de 10% a 15% desse mercado. Estima-se que a natureza perde todos os anos 38 milhões de animais em virtude dessa atividade ilegal.
O relatório também aponta que no Brasil existem entre 350 e 400 quadrilhas especializadas atuando no tráfico de animais silvestres.
Muito se tem feito presente nos dias de hoje a associação do tráfico de animais com outras atividades ilícitas, como o tráfico de drogas e o de pedras preciosas. Os que atuam nesse ramo de atividade buscam na união proteger-se ou utilizar as mesmas rotas e os mesmos mecanismos de que se valem os traficantes de animais silvestres.
Entre as aves, as espécies mais procuradas pelos traficantes são os mutuns, as corujas, os guarás e os beija-flores. No caso dos répteis são as serpentes, os jacarés, os jabutis, as tartarugas e os lagartos. No rol dos mamíferos os mais cobiçados são os macacos, os felinos, principalmente os de pequeno porte, como jaguatiricas, preguiças, veados e roedores.
O segmento dos invertebrados é grande alvo do comércio. A preferência é por borboletas e outros insetos, destinados à indústria do artesanato. É o chamado tráfico invisível, porque pouco mencionado, pouco conhecido. Mas é enorme a quantidade de animais traficados.
Com relação aos anfíbios, os sapos amazônicos são muito procurados na Europa, principalmente na Alemanha, onde há verdadeira febre de comércio entre os colecionadores desses pequenos animais. Alguns são comercializados ilegalmente pela Internet por cerca de mil dólares a unidade e vendidos a laboratórios ou centros de pesquisa, para serem utilizados em investigações científicas — algumas espécies são venenosas.
Outro expoente do tráfico é o comércio ilegal de peixes ornamentais advindos principalmente da região amazônica. Trata-se de atividade extremamente volumosa e representativa do comércio como um todo, mas que não figura nas discussões a respeito da sua ilegalidade.
Importante falar, no que se refere ao tráfico de animais silvestres, sobre a disseminação de doenças. Os animais ilegalmente retirados da natureza e levados para convívio com a população podem representar perigo em termos de propagação de doenças, visto que muitos deles são vetores para vírus e bactérias, algumas desconhecidas. Podem causar grave problema de saúde pública. Somente o animal nascido em cativeiro está sob controle sanitário.
No que se refere aos primatas, os macacos podem transmitir febre amarela, mal de chagas, hepatite A, tuberculose, raiva, malária, vírus emergentes, como o Ebola, recentemente descoberto na África. Os psitacídeos podem levar à propagação do vírus da toxoplasmose, herpes psitacose e herpes da salmonelose. Sobre este último, em 1956, nos Estados Unidos, houve enorme surto de salmonelose entre as crianças. Mais de 650 mil casos foram registrados em oito meses. Pesquisa descobriu que ela era transmitida por tartarugas importadas do Brasil, o que levou o Governo americano a proibir a importação desses animais em 1957.
Algumas rotas conhecidas do tráfico de animais silvestres no Brasil: da região amazônica para os Estados do Rio de Janeiro e São Paulo; do Nordeste e do Centro-Oeste para esse mesmo eixo; do Centro-Oeste para a Bolívia, o Peru, o Paraguai, a Argentina; da Região Sul para os países do Cone Sul; da região amazônica para os países fronteiriços, como Peru, Colômbia, Guiana Francesa e Suriname.
As principais rotas internacionais são as que saem do Brasil em direção aos Estados Unidos, ao Canadá, à Europa, ao Oriente e à Ásia, onde existem grandes centros de comércio ilegal de animais silvestres. Em alguns países, como Singapura, Holanda, Itália e Espanha é grande o comércio desses animais. O ex-Ministro do Meio Ambiente José Sarney Filho, que esteve nas feiras de Las Ramblas, em Barcelona, constatou que é enorme a variedade de espécimes silvestres da fauna brasileira ali negociados.
Um dos principais entraves ao combate do comércio ilegal de animais silvestres é a legislação. Há necessidade de tornar a lei mais rígida, uma vez que hoje os crimes contra a fauna silvestre são considerados de menor poder ofensivo, de menor importância. Por um lado, essa atitude é justa para com as pessoas que têm animal silvestre e que o criam há muito tempo, mas injusta quando ameniza a aplicação da pena imposta a traficante conhecido, a pessoa que efetivamente exerce o tráfico de animais.
No que diz respeito à fiscalização, falta contingente, equipamento e treinamento para os agentes ambientais, principalmente nos Estados. É preciso reforçar a fiscalização dos órgãos estaduais, além do IBAMA. As polícias florestais também precisam ter reforço na sua estrutura para que possam efetivamente combater essa atividade criminosa.
Também falta política pública que integre e harmonize a atuação dos órgãos de controle e fiscalização ambiental. Hoje, no País, a questão é tratada de maneira diferenciada entre órgãos públicos federais, estaduais e municipais. Portanto, há necessidade de se estabelecer uma harmonia na aplicação e no entendimento das estratégias de combate ao comércio ilegal.
Outra grande dificuldade é a inexistência de locais apropriados para receber os animais silvestres apreendidos. Há, por exemplo, superlotação dos zoológicos.
É bom que se ressalte que o papel do zoológico não é receber animais oriundos de tráfico. Ele não é um centro de triagem, mas acaba exercendo essa atividade, o que torna sua atuação imensamente complicada por conta dos custos que ela acarreta. Além disso, existem poucos trabalhos científicos no Brasil que identifiquem áreas para a soltura e a reintrodução dos animais apreendidos.
Sobre o trabalho que a RENCTAS vem desenvolvendo, sua missão é combater o comércio ilegal da vida silvestre. Entre as estratégias de que ela se utiliza para alcançar seus objetivos estão o estabelecimento de parceria com diversas agências nacionais e internacionais, a capacitação e o treinamento de agentes ambientais, a elaboração de políticas públicas, o apoio aos órgãos de fiscalização ambiental, a criação de bancos de dados e a divulgação dos dados sobre o tráfico de animais, que é, como disse, uma atividade muito antiga no Brasil, mas ainda desconhecida da população.
Faltam informações à sociedade para que ela não só se conscientize sobre o problema, mas também participe ativamente do combate a essa atividade criminosa.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luciano Castro) – Solicito ao expositor que abrevie sua palestra, porque temos outros participantes. Nosso prazo está se esgotando.
O SR. DENER GIOVANINI – Atendendo à solicitação do Presidente, vou apenas passar os slides.
(Segue-se exibição de imagens.)
Este é o site da RENCTAS na Internet. Ele contém as informações sobre o tráfico. São registrados 7 mil acessos diários.
Esta foi a primeira campanha de tráfico, lançada ano passado. Este mês estamos dando início à segunda campanha, que será desenvolvida em parceria com o Ministério do Meio Ambiente, e também a um conjunto de ações de âmbito internacional, desenvolvidas com o Ministério das Relações Exteriores, o Itamaraty e o Ministério do Meio Ambiente. Ano passado realizamos dezesseis workshops em dezesseis Estados brasileiros, onde foram treinados 2.474 agentes ambientais.
Na seqüência, temos: o relatório publicado ano passado; a conferência realizada em Brasília, em junho do ano passado, quando reunimos os treze países da América do Sul para discutir o tráfico e algumas outras ações da RENCTAS.
E, finalizando, o art. 2º da Declaração dos Direitos Universais dos Animais.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luciano Castro) – Agradeço ao Sr. Dener os esclarecimentos prestados.
Concedo a palavra ao Sr. Jorge Barbosa Ponte, Coordenador de Prevenção e Repressão aos Crimes contra o Meio Ambiente, do Departamento de Polícia Federal.
O SR. JORGE BARBOSA PONTE – Bom-dia, senhores. Em nome do Departamento de Polícia Federal, agradeço ao Deputado Luciano Castro a oportunidade de falar sobre o novo trabalho que a Polícia Federal está se propondo a realizar.
No final de 2001, foi criada no organograma da Polícia Federal a Coordenação de Prevenção e Repressão aos Crimes contra o Meio Ambiente, que se encarregará exclusivamente de reprimir os crimes ambientais de competência da Justiça Federal e, por conseguinte, de atribuição do Departamento de Polícia Federal.
Se nos próximos cinco anos continuarmos a receber o apoio da administração e da sociedade, essa atividade será levada a efeito pela Polícia Federal, estando mesmo ao lado da de repressão a entorpecentes, cujos resultados são bastante satisfatórios. A polícia pode ser considerada a primeira linha no combate às transgressões ambientais.
Sobre o assunto, vou fazer breve apresentação, em função do pouco tempo de que disponho.
O tráfico de espécies ameaçadas é um negócio de bilhões de dólares. Ainda não temos uma aferição exata desse montante, mas sabemos que esse valor pode ser muito maior do que o divulgado na mídia. Os itens que engordam essas estatísticas não se referem apenas a contrabando de animais, madeira, flores, plantas ornamentais, corais, conchas, pérolas, madrepérolas, marfim, peles, plumas, seda, corantes, troféus, souvenir, caviar e pescado, há também outros.
O tráfico de espécies ameaçadas está colocado em terceiro lugar no ranking da atividade ilícita, segundo informações da Polícia Federal americana, ultrapassando inclusive o de armas. Uma das razões para a criação dessa coordenação na Polícia Federal é defender o tesouro que temos no País, principalmente na Amazônia. Refiro-me às florestas tropicais, muito úteis à indústria biomédica e farmacológica. Cerca de 40% da fauna mundial estão localizados em florestas tropicais úmidas. Reconhecidamente, a maior delas é a Floresta Amazônica.
Uma característica do crime ambiental — e isso é importante e fundamental para que venhamos a receber insumos para levar a efeito de maneira compensatória essa atividade repressiva — é não permitir uma segunda chance de recuperação da natureza. O tráfico do drogas é uma guerra que infelizmente parece não ter fim. Quanto mais ela é produzida, mais a sociedade a consome. O crime ambiental tem uma característica: é fatal. Uma vez perdido determinado ecossistema ou extinta determinada espécie não há como recuperá-los. O Parque dos Dinossauros é uma figura criada no cinema que não pode ser levada a efeito. Então, estamos travando uma batalha que não terá segundo tempo.
Com a inserção da Polícia Federal nessa causa, trabalhando pari passu com o IBAMA, agência ambiental com a atribuição constitucional de promover a repressão aos ilícitos administrativos, e com a colaboração das organizações civis, como é o caso da RENCTAS, que se vem destacando ultimamente, poderemos realizar proveitoso trabalho em prol da sociedade brasileira.
O tráfico internacional tem algumas características que fundamentam inclusive a atuação e a participação da Polícia Federal. Trata-se de atividade criminosa organizada, com departamentos, com estratificações, realizada em módulos estanques e concentrada no grande lucro. Em toda atividade organizada —tráfico de drogas, de todos os tipos de armas etc. — há apenas e tão-somente um ponto em comum: o grande lucro. A partir dele, os criminosos organizam-se para participar desse processo. O tráfico de animais, assim como a exploração ilegal de madeira de lei, caracteriza-se como crime organizado.
A organização cuidará primeiramente da seleção da espécie para coleta, em que é levado em consideração o lucro; o acesso aos pontos onde essa espécie pode ser encontrada na natureza; o emocional e o estético do animal, como o caso dos psitacídeos; o potencial de reprodução, porque também se levam as matrizes para promover a reprodução; a assinalação de mercado e preços daquela espécie. É como um empresário, um businessman de uma holding que analisa quais estoques vai comprar. O crime organiza-se da mesma maneira. Continuando os passos: santuários da espécie alvo; disponibilização de pessoal habilitado e experimentado para a bioprospecção e recrutamento de pessoal de suporte.
Temos de dar boas condições de trabalho a esse pessoal de suporte. Mapas e fotos de locais de apanho também são fundamentais. Nosso trabalho assemelha-se ao planejamento de uma atividade militar. É bastante organizado. E, por fim, temos de ter conhecimento dos locais, dar condição de atuação e de patrulhamento ao policial.
Em razão de o Brasil ter dimensões continentais e possuir esse patrimônio natural gigantesco, fica difícil fiscalizar a contento todas essas áreas. Em razão disso, muito se aproveitam.
Arranjos de viagens, bases entrepostos, sistema de comunicação, método de acondicionamento e necessidades técnicas e equipamentos, tudo isso é visto em razão do grande lucro. A mente dos vários tipos de traficantes funciona da mesma forma.
Os aspectos principais do tráfico de animais são interessantes: há lavagem de país para país. Os criadouros são muito utilizados nesse sistema de lavagem. O animal é lavado — aliás, todo item ilegal o é —, assim como existe lavagem de cidadania. Os mafiosos fugitivos da 2ª Guerra lavavam a cidadania e moravam no sul do Brasil e, especialmente, no Paraguai, com outra identidade. Dinheiro e obras de arte também são lavados. No tráfico internacional de ovos, 90% da carga viva perece no caminho. Muitos cientistas, conhecedores dos locais onde são praticados esses delitos, envolvem-se para ajudar a coibir tal prática. Infelizmente, existe corrupção; por isso, o crime continua.
E quais são as fases do crime? Primeiro, a captura — o animal, uma vez caputurado, não existe cientificamente. Ele, ao ser tirado da natureza, fica estressado. São raros os casos de reintrodução do animal na natureza com sucesso, segundo os cientistas. A captura é o momento em que o maior dano ocorre.
O transporte nacional, a retirada do animal do seu hábitat, é normalmente realizado por caminhoneiros. A RENCTAS é uma das entidades que mais observou a situação do tráfico de animais domésticos. A guarda sempre ocorre em entrepostos. O animal não sai direto da natureza para os grandes centros. Nas várias escalas existentes ele pode tomar outros rumos. É muito semelhante ao tráfico de drogas. Normalmente ocorre a ação do intermediário na fraude de documentação. No transporte final internacional, principalmente dos animais considerados vedetes pela Polícia Federal, como as araras-azuis-de-lear, encontradas apenas no Raso da Catarina, uma única espécie chega a ser comercializada por 120 mil dólares, o mesmo valor de um bom apartamento na Zona Sul do Rio de Janeiro.
Como dissemos, nessa atividade 90% da carga se perde no transporte internacional, em razão dos solavancos que sofre — mesmo assim é lucrativa. Esses são dados estatísticos interessantes. Em razão do alto lucro é uma atividade que se consorcia com outras. Temos alguns casos de tráfico de drogas e armas em função de moeda falsa no Brasil. Os criminosos também exploram crianças. A partir do momento em que as utilizam para uma atividade comercial, estão colocando-as no ilícito em proveito do lucro. Existe toda uma gama de corrupção, falsificação de documento público e mesmo ideológica. Tal prática é semelhante ao tráfico de drogas.
O tráfico de animais assim como o contrabando de mogno — um dos focos da nossa coordenação — nasce no interior. Há consórcios de carregamentos com grande lucro final. Ainda existem as “mulas”. A “mula” é normalmente uma pessoa jovem e desempregada, utilizada para o tráfico. Freqüentemente, “mulas” alemãs, britânicas e russas são presas em aeroportos internacionais levando vários quilos de cocaína. Durante os anos 80 e 90, quando entrei para os quadros da Polícia Federal, as “mulas” usadas para o tráfico rumo à Europa eram nigerianas. A Polícia Federal detectou algumas que migraram do tráfico de drogas para o de animais. Qual a razão disso? O lucro é o mesmo, mas a reprimenda penal é infinitamente inferior. O sujeito envolvido com o tráfico internacional de drogas certamente amargará bons anos em uma penitenciária. Não há dúvida: o apenamento é severo e a condenação, certa.
No caso do tráfico de animais, a Lei nº 9.605 brindou-nos com possibilidades de apenamento da pessoa jurídica e outras modernidades. No meu modesto entendimento, houve um erro. Como? Não tenho saudade da situação anterior, a do crime inafiançável. Vejam, um sujeito matava um guarda florestal e ficava solto, mas se matasse uma cutia ficava preso. Não se trata de fazer modificação e elevar a pena de todos. Alguns dos crimes previstos na Lei nº 9.605 mereceriam pequeno upgrade na pena, para poderem sair da esfera da lei de juizados especiais, que prevê a não-lavratura de prisão em flagrante, suspensão do processo, principalmente do de tráfico internacional. Casos mais danosos, como o da figura da biopirataria, mereceriam tratamento especial, embora não estejam previstos em lei.
Rapidamente falarei sobre o trabalho que estamos realizando na coordenação. É fundamental criarmos uma doutrina. A Polícia Federal tem de entender como importante essa nova atividade. Além de policiais federais especializados, como os farejadores do tráfico de drogas, também os delegados, agentes e escrivães devem imbuir-se dessa missão. Eles gostam de realizar trabalho de flagrante ou operação de repressão ao crime ambiental. Da mesma forma como vemos policiais vibrarem quando apreendem 500 quilos, uma tonelada de cocaína, também observamos os policiais vibrarem em operações em que apreendem milhares de toras de mogno ou conseguem coibir o contrabando de quelônios, araras e cobras. Enfim, os policiais devem seguir uma doutrina, criando um perfil para si. Temos um conteúdo programático sendo inserido no currículo da Academia Nacional de Polícia.
Nossa coordenação também cuida de patrimônio histórico, uma vez que o meio ambiente tem perspectiva muito maior do que imaginamos. Não apenas a natureza, mas tudo o que está ao seu redor, inclusive nos centros metropolitanos, pertence ao meio ambiente.
Trata-se apenas de um projeto. Criamos a coordenação em Brasília, mas ainda não abrimos as delegacias, as projeções. Daí a importância desse convite. Sinto-me honrado de estar falando nesta Comissão sobre o assunto. Quero pedir ajuda aos que nos estão escutando e puderem fazer algo para acelerar o processo de instalação de delegacias especializadas em repressão ao crime ambiental, em cada uma das superintendências, assim como já existem nas áreas de contrabando e de entorpecentes. Considero fundamental essa questão.
Os programas estão divididos em: prevenção e repressão. Temos projetos de legislação, conscientização e integração interinstitucional. A legislação, conforme dito anteriormente, necessita de pequenos ajustes que propiciem atuação efetiva da polícia. A criação de um tipo penal para a biopirataria também é muito importante.
O Direito Penal se prende à conduta, ou seja, à adaptação da conduta ao que está previsto na lei penal. Por exemplo, um cidadão sai do Brasil, num vôo com destino a Amsterdã, com vinte sapos embrulhados numa caixa de isopor. Lá chegando, dirige-se a um pet shop, vende cada sapo por cem dólares e obtém um lucro de 2 mil dólares. Esse tipo de situação se amolda ao tipo penal do art. 29 da Lei nº 9.605, ou seja, um mero tráfico de animais selvagens.
Outro exemplo com igual conduta: o mesmo cidadão embrulha vinte sapos em uma caixa de isopor e sai de São Paulo para Amsterdã. Na sua chegada, embarca num trem com destino a Berna. Nas cercanias de Berna, um carro o espera, leva a caixa com os vinte sapos para um laboratório. Esses animais são submetidos a cruzamentos e experimentos, são isoladas e trabalhadas algumas substâncias e, no prazo de um ano — caso seja um projeto bem financiado —, haverá uma droga no mercado. Tudo bem que a droga seja em prol da sociedade mundial, mas ela será patenteada por esse laboratório e comprada por nós. Não posso afirmar que em nosso desfavor, porque ela será usada para a saúde do homem, e nós não podemos ter essa visão, mas a sociedade vai pagar caro. Nós, o povo brasileiro, somos os detentores dessa riqueza. A bem da verdade, é muito difícil conseguirmos impedir a saída de animais, mas temos de fazer algo. Não é pelo fato de ser difícil que vamos ficar de braços cruzados.
O art. 29 prevê a conduta da bioprospecção ilegal, dessa biopirataria. Enquanto o subproduto da vida selvagem — que pode ser vegetal — for utilizado para a patente de produtos, ou seja, para enriquecer uma potência estrangeira, será em desfavor da sociedade.
Há também o Projeto Conscientização, do qual fazemos parte; a integração interinstucional, que busca manter contato com outras instituições; os programas de repressão, que abrangem a fauna, a flora, os transgênicos, a biopirataria, a extração mineral; a poluição, em quatro modalidades; o Projeto Fauna, com vários itens a serem abordados; a flora, em especial a Floresta Amazônica, a Mata Atlântica, na questão das madeireiras.
Como mantemos contato com as polícias do mundo inteiro, recebemos fotos de um rinoceronte morto na África do Sul. Eles retiram o chifre do animal e comercializam no mercado o pó, que tem o mesmo valor que o pó da cocaína.
Podemos ver a foto de um vazamento de óleo na Baía de Guanabara. O inquérito instaurado na Polícia Federal foi muito bem conduzido pelo Delegado Bechara, que me sucederá neste apresentação.
Vemos agora interessante foto que registra a apreensão de micos no aeroporto. Estamos dando os primeiros passos, apesar dos poucos recursos, e temos tido algum sucesso nessas atividades, inclusive em algumas investigações internacionais.
Também temos tido resultados positivos no caso dos fósseis da Bacia do Araripe, que vem sendo atacada por contrabandistas. Assinalamos fósseis de 300 mil dólares em museus no exterior. Em relação aos quelônios, principalmente na Reserva Biológica do Abufari, temos trabalhado em conjunto com a diretoria do Dr. Anchieta, Diretor do IBAMA, que muito tem ajudado a Polícia Federal.
Não podemos esquecer também do Ministério Público Federal do Rio de Janeiro, que canalizou recursos por meio de compensações ambientais, e graças à atenção e ao crédito que esse órgão concedeu às atividades da Polícia Federal, temos hoje em funcionamento no núcleo daquele Estado delegacia-modelo muito bem conduzida.
Vemos agora o registro da recente ação da Polícia Federal, juntamente com o IBAMA, contra o ataque às reservas de mogno. Apreendemos 6 milhões de dólares em toras de mogno, configurando biopirataria.
Vemos alguns projetos internacionais, incluído o que deu início à criação, quando ainda estávamos no Rio de Janeiro, projeto que temos hoje o prazer de capitanear, além dos projetos em curso; banco de dados da delinqüência ambiental, ou o formulário verde; todas as operações em curso: Projeto Gnomo, Operação Cretáceo II, Operação Touché e várias outras relacionadas à camada de ozônio, a agrotóxicos e aos transgênicos no Sul do País.
Enfim, temos em desenvolvimento pela nossa coordenação o Mapa da Delinqüência Ambiental, com o auxílio indispensável do IBAMA, que nos fornece insumos para a realização da tarefa; o Manual de Planejamento Operacional, já em prática, também elaborado por nossa coordenação; o Projeto Home Page, que insere essa atividade na página principal da Polícia Federal; a consolidação da legislação; o Projeto Difusão Obra de Arte; o Projeto Medusa, em parceria com o PNUD na criação de delegacias, e o Projeto Cartilha, em parceria com a RENCTAS.
Eram essas as minhas considerações.
Agradeço a todos a atenção.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Francisco Garcia) – Agradeço ao Delegado Jorge Barbosa Pontes a participação e os esclarecimentos prestados.
Convido a tomar assento à mesa o Delegado Ricardo Bechara, Chefe do Núcleo de Repressão a Crimes Ambientais da Polícia Federal, a quem passo a palavra.
O SR. RICARDO BECHARA – Exmo. Sr. Presidente da Comissão da Amazônia, demais autoridades presentes, o fato de ser o terceiro orador a abordar o tema poderia tornar-me repetitivo. Por isso, resolvi mudar por completo os enfoques, centrando-me nos aspectos práticos da Polícia Federal.
Há quatro anos à frente da Polícia Federal do Rio de Janeiro, tivemos a chance de realizar apreensões de vulto e de prender alguns criminosos em operações de repercussão nacional e mesmo internacional.
Como disse o Delegado Pontes, os traficantes estão cada vez mais astutos e organizados devido à auferição de lucros. Não adianta somente a repressão; a Polícia Federal não existe apenas para reprimir. Pretendo concentrar-me, nestes vinte minutos, na prevenção policial e na conscientização e educação ambiental da mídia.
O tráfico de animais é irreversível, é irretratável, é fatal. Tive ontem a chance de ler artigo da repórter Daisy Joana. Segundo ela, todos somos guardiões da fauna, e não só os autores do livro. A imprensa representa os olhos e os ouvidos dos animais, que, por si sós, não têm como serem representados.
Como disse, o tráfico é famélico. É preciso diferenciar a conduta do traficante que trafica para fins de subsistência do grande traficante que aufere lucros estrondosos ao exportar ilegalmente animais para o exterior. Conforme bem disse o Delegado Pontes, se não nos preocuparmos agora com o meio ambiente, futuramente não haverá mais meio ambiente para nos preocuparmos.
Dessa forma, tentarei prender a atenção dos nobres Deputados e dos presentes com exibição de vídeo que mostra algumas ações práticas realizadas pela Polícia Federal no Núcleo de Meio Ambiente do Rio de Janeiro.
A seguir, comentarei caso a caso.
(Segue-se exibição de imagens.)
O Núcleo de Meio Ambiente do Rio de Janeiro, após a realização de levantamento, teve a sorte de apreender cerca de quarenta animais que seriam ilegalmente destinados ao exterior. Para tanto, de acordo com o que apuramos, certamente contariam com a participação de servidores corruptos do aeroporto, já que dificilmente alguém conseguiria levar tamanha carga de animais para o exterior passando despercebido pelas autoridades competentes.
Vemos agora uma feira de animais na Praça Varnhagen, no Bairro da Tijuca. A feira já não existe, e a praça foi reformada. Na ocasião, conseguimos prender cerca de quatro pessoas. À época, ainda era possível a lavratura de auto de prisão em flagrante, hoje impossível com o advento da Lei nº 10.259, de 2001, já que traficar animais é considerado crime de menor potencial ofensivo.
A ação da Polícia Federal é enérgica e não diferencia o perfil do criminoso ambiental. Estamos aqui para aplicar a lei, independente de ser um mero caboclo ou um grande empresário.
Percebam os senhores que, na imagem, os animais são escondidos em automóveis para dificultar a ação fiscalizadora do Poder Público, por parte do IBAMA, ou a atuação repressiva, por parte da polícia. Os animais foram levados para o zoológico do Rio de Janeiro.
Separei quatro casos para expor aos senhores: um depósito clandestino; uma feira de animais; um traficante mundialmente conhecido, que foi preso e iria para a Áustria; e um colecionador de alto poder aquisitivo, que detinha animais empalhados em seu poder. A apreensão desses animais e a prisão desse cidadão austríaco abriram as portas da Polícia Federal para o mundo inteiro. Essa matéria foi amplamente divulgada e chamou a atenção da mídia nacional e internacional.
Os animais presos em alambrados seriam colocados numa bolsa. Os senhores podem verificar aí filhotes de papagaios chauá implodidos no corpo desse austríaco, que veio de Belém com doze ovos de papagaios em seu corpo, dos quais cinco eclodiram no decorrer do caminho. Ele os alimentava no hotel.
Vejam os senhores que a lei é falha. Atualmente, não dispomos de mecanismos para levar à prisão esse meliante. Para tanto, contamos com a colaboração da ação fiscalizatória do IBAMA, que aplica multas administrativas que variam de 500 a 5 mil reais — 500 reais para cada espécime; 3 mil reais para os casos listados no site 2; e 5 mil reais para os casos listados no site 3. Infelizmente, a maioria das pessoas não paga a penalidade administrativa arbitrária.
O último caso que desejo citar é o de um colecionador que detinha um grande plantel de aves taxidermizadas. Nesse vídeo, os senhores podem notar duas ararinhas spix empalhadas. Só havia uma na natureza, monitorada por chip de computador. Se não me falha a memória — corrijam-me se estiver errado —, existem hoje cerca de onze em cativeiro espalhadas pelo mundo inteiro.
Todos os animais empalhados foram apreendidos e levados para o zoológico do Rio de Janeiro. De acordo com meu entendimento e, creio, o da maioria dos que defendem o meio ambiente, essas aves devem ser apreciadas por toda a população brasileira. Elas estão expostas no museu do zoológico do Rio de Janeiro, não mais em uma coleção particular.
Como ele foi preso em flagrante, o IBAMA aplicou uma penalidade administrativa de 460 mil reais, a qual não foi paga. Segundo a última informação que tive, o nome dessa pessoa está inscrito na dívida ativa da União.
Agora farei uma rápida explanação, utilizando o PowerPoint, sobre alguns assuntos que não foram abordados por meus antecessores.
(Segue-se exibição de imagens.)
Esta é uma frase do Leonardo da Vinci:
“Chegará o dia em que o homem conhecerá o íntimo dos animais. Nesse dia, um crime contra um animal será considerado um crime contra a própria humanidade”.
Não adianta realizarmos uma política repressiva se a população continua adquirindo animais da nossa fauna — um hábito brasileiro — para ter em suas casas. Só existe o tráfico porque pessoas compram animais. Se a população, através de uma campanha de educação ambiental, parar de comprá-los, certamente o tráfico será reduzido.
O art. 29 da Lei de Crimes Ambientais prevê um tipo penal múltiplo ou alternativo para várias condutas delituosas. O que nos chama a atenção é o inciso III do §1º desse artigo, que prevê ser sujeito a pena “quem vende, expõe à venda, exporta ou adquire, guarda, tem em cativeiro ou depósito, utiliza ou transporta ovos, larvas ou espécimes da fauna silvestre, nativa ou em rota migratória, bem como produtos e objetos dela oriundos…” A grande inovação foi incluir-se a expressão “produtos e objetos”.
Na semana passada, fizemos uma apreensão no Largo da Carioca, no Rio de Janeiro, de produtos da fauna que vinham sendo comercializados sem a devida autorização do IBAMA. Isso foi amplamente noticiado pela mídia.
Gostaria de frisar, no que se refere ao dispositivo legal, como disse o Delegado Pontes, que as penas são ínfimas. Como já foi bem explicado no vídeo, temos que diferenciar a conduta do traficante mundial daquele que mantém um animal em cativeiro para fins de mero deleite pessoal.
A pena prevista é detenção de seis meses a um ano e multa. No caso de espécime rara ou ameaçada de extinção — art. 29, § 4º, inciso I — a pena aumenta a metade, podendo chegar a um ano e meio de detenção. Ou seja, o indivíduo não é levado à prisão.
A situação veio a se agravar ainda mais com o advento da Lei nº 10.259/2001, que estabeleceu que crimes para os quais a lei prevê pena máxima não superior a dois anos passam a ser considerados infrações de menor potencial ofensivo. Logo, no caso de tráfico de animais silvestres, a polícia somente apreende os animais — e não existe um local adequado para colocá-los — e lavra-se apenas um termo circunstanciado, o mesmo que um registro de ocorrência da Polícia Civil. Esse termo é levado a juízo, distribuído à vara federal criminal competente e, através do Ministério Público, o juiz e a parte realizam uma transação penal.
Temos tido bons resultados, já que as penas aplicadas são alternativas e, na maioria dos casos, os meliantes têm prestado serviço comunitário ao zoológico ou fornecido cestas básicas à população carente.
Esse é um problema, como já li num artigo da RENCTAS. O policial ou a própria fiscalização do IBAMA, quando prendem animais, ficam com uma batata quente nas mãos porque não existe lugar para destinar animais apreendidos. O zoológico do Rio de janeiro, Estado onde trabalho, encontra-se abarrotado. Temos que implorar para conseguir um local apropriado para esses animais, pois no Rio de Janeiro não existe, até o momento, centros de triagem específicos para o recebimento de animais.
Aplaudo a Dra. Ângela Maria Branco, que criou e coordena o Centro de Triagem de Animais Silvestres de São Paulo, marco dessa mudança no recebimento de animais.
No decorrer desses quatro anos, conseguimos prender em flagrante 31 pessoas, indiciar 34 por meio de inquéritos policiais, lavrar dez termos circunstanciados de ocorrência e apreender 1.597 animais, 89 taxidermizados, empalhados; 8.762 peixes ornamentais e, recentemente, 93 quadros de borboletas, totalizando 132 borboletas.
Como disse, não temos um destino específico para os animais capturados, e sou radicalmente contra a nomeação de fiel depositário daquele que trafica animais. De acordo com o princípio contido no Código de Processo Civil, ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo.
Os tipos de tráfico já foram amplamente abordados. São eles: subsistência, sob encomenda, animais raros, colecionadores. A lavagem também já foi abordada pelo Delegado Pontes.
As aves brasileiras mais procuradas no mercado nacional são o papagaio-verdadeiro e a arara-canindé. O papagaio, pela sua grande inteligência. No mercado externo, os animais mais valorizados são as araras azuis e vermelhas, aratingas, o papagaio da Amazônia brasileira e, mais recentemente, os beija-flores. Os mamíferos brasileiros mais procurados são vários tipos de micos, especialmente o mico-leão-dourado.
É preciso ressaltar que a nossa lei é falha e a apenação é ínfima. Além disso, temos de diferenciar a conduta do traficante famélico, o que vende para sua subsistência, da do traficante que remete a ave para o exterior para fins de biopirataria ou de simples comércio.
Um caso amplamente divulgado foi o de Harry Sissen, condenado pela Corte de New Castle, na Inglaterra, a uma pena de dois anos e meio por tentar comercializar araras-azuis-de-lear por 82 mil dólares cada. Segundo as últimas informações, essas aves ainda se encontram na Inglaterra para fins de repatriação. O IBAMA tem trabalhado para trazê-las de volta ao País.
O Rio de Janeiro, juntamente com São Paulo, é considerado o principal pólo do tráfico. Geralmente, esses animais saem pelo aeroporto e pelos terminais de carga. Os animais também saem pelo Porto de Belém, segundo dados da World Wildlife Foundation de 1995. Existe um grande número de criadores, além das feiras livres, mas, infelizmente, não sou capaz de atuar em todas essas áreas.
Como disse no início da minha exposição, o ideal é a prevenção e não a repressão. No ano passado, os Delegados Pontes e Washington Filho e eu tivemos a oportunidade de proferir aulas de meio ambiente na Academia Nacional de Polícia. No final do curso de formação, a turma para a qual ministrei aulas elaborou um poema referente ao meio ambiente. Vou ler alguns versos:
“A natureza no seu esplendor
é sonho da humanidade,
criação do Nosso Senhor, princípio de liberdade.
Se todos tivessem noção de não poluir o ar,
efeito estufa era invenção,
o sertão não iria virar mar.
A biodiversificação é ponto de equilíbrio global,
a sua degradação concorre ao desastre final.
Pessoas que brigam existem
pela preservação do futuro,
as novas gerações agradecem,
vislumbram um mundo mais puro.
Poluir o ambiente, manter presa uma arara
vai irritar muita gente,
principalmente o Dr. Bechara.
Os federais entrarão em ação
com toda a sua potência,
não esquecendo a punição,
com rigor, mas sem violência.
Mas confesso, Doutor, que é difícil
prender alguém por criar um pequeno passarinho
pelo prazer de ouvi-lo cantar.
Mas também, por outro lado,
é difícil a separação entre o bom cidadão,
educado, e o salafrário, vagabundo e ladrão.
Transgredir por sobrevivência
pode ser uma atenuante,
use o bom senso e a inteligência
e o justo não será um farsante.
Mas decerto não se arvore
de ser o carrasco do rei,
seja firme, não se dobre,
mas atue dentro da lei”.
Esta é a missão da Polícia Federal e, no meu entender, de toda a população brasileira: a prevenção aos crimes pertinentes ao tráfico de animais.
Muito obrigado pela paciência de todos. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Dr. Benedito Dias) – Agradeço ao Delegado Ricardo Bechara os esclarecimentos prestados.
Convido o Sr. José de Anchieta dos Santos, Diretor de Fauna e de Recursos Pesqueiros do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis — IBAMA, para tomar assento à mesa, concedendo-lhe a palavra por vinte minutos.
O SR. JOSÉ DE ANCHIETA DOS SANTOS – Inicialmente, gostaria de agradecer o convite formulado pelo Deputado Luciano Castro e demais membros desta Comissão. Esta é uma boa oportunidade para expormos aquilo que estamos fazendo para combater o tráfico de animais.
Procurarei ser sintético na minha apresentação, até porque os expositores que me antecederam já falaram sobre tecnologia, combate ao tráfico e estatísticas. Acho importante dizer o que o IBAMA está fazendo neste momento em relação ao tráfico de animais.
Há pouco mais de um ano, quando foi publicada a reestruturação do IBAMA, o órgão entendeu que a fauna era prioritária e criou uma diretoria específica para tratar do assunto. Trata-se da Diretoria de Fauna e de Recursos Pesqueiros, atualmente comandada por mim.
Ao analisarmos nossa missão, entendemos estar diante de um desafio muito grande, até porque tínhamos não só de ajudar a Diretoria de Fiscalização no combate ao tráfico de animais como também ordenar a legalidade em relação à fauna. Se o tráfico tem uma origem cultural, que é o desejo do brasileiro de ter um animal em casa, por uma pressão internacional, em função da beleza da nossa fauna, o comércio ilegal se acirrou. Tínhamos, então, de procurar um meio de nos contrapor a esse tráfico, apesar de entendermos que as medidas de fiscalização, por mais rigorosas que sejam, não se têm demonstrado eficientes.
Até por conta do abrandamento da legislação, como ressaltado pelos meus antecessores, temos de procurar impor mais rigor a esse processo. Quando um cidadão que comete esse ilícito penal paga apenas uma fiança de 250 reais, ele se sente estimulado para voltar ao tráfico e burlar a fiscalização, porque os lucros auferidos são bastante altos.
Vou pedir ao Dr. José Lopes, consultor e coordenador de fiscalização na área de fauna do IBAMA, para apresentar algumas estatísticas que temos em relação ao tráfico e, posteriormente, falarei sobre as ações de ordenamento e de proteção que a Diretoria de Fauna está tomando em relação ao que acontece.
O SR. JOSÉ CARLOS LOPES – Srs. Deputados, boa-tarde. Sou representante da Coordenação-Geral de Fiscalização da Diretoria de Proteção Ambiental. Falarei sobre o tráfico de animais silvestres na região amazônica e comentarei alguns aspectos significativos apresentado pelo tráfico naquela área, as conexões que a área tem com o exterior, as praxes que adotamos, os resultados alcançados, além de pedir mais apoio à Câmara dos Deputados para o nosso trabalho.
(Segue-se exibição de imagens.)
Quando se fala em tráfico de animais silvestres, normalmente nos esquecemos que há outros três fatores importantes que contribuem para a dizimação das espécies: o desmatamento ilegal, a queimada criminosa e a chamada ampliação das fronteiras agrícolas. No caso da Diretoria em que trabalho, são dois os aspectos mais importantes que combatemos: a biopirataria, um aspecto muito comum e visível na região à qual esta Comissão se dedica, e o tráfico de animais silvestres.
Quando fazemos um trabalho de fiscalização na Amazônia, temos em mente alguns tipos de pessoas. Normalmente, o agente do tráfico é pacífico. São pessoas desempregadas, subempregadas, motoristas ou tripulantes de navio. Há também o turista incauto, que, embora saiba que não é permitido, compra o animal para outra razão que não o comércio. A nossa maior preocupação na área da Amazônia, entretanto, são exatamente os agentes da bioterapia, que são identificados entre os — entre aspas — “turistas estrangeiros”, os pesquisadores e missionários estrangeiros. São essas as pessoas que atraem nossa atenção.
Identificamos como principais áreas de coleta e captura de animais as cidades de Santarém, Altamira, São Gabriel, Tabatinga, Cruzeiro do Sul e Chupinguaia. Nessas áreas há registro de biopirataria e tráfico internacional.
Este mapa mostra claramente todo o fluxo. Aqui estão as três grandes bacias e os três grandes ramos rodoviários do País. Ali estão os fluxos em que há o tráfico de animais silvestres. Normalmente, ele ocorre das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste para as Regiões Sul e Sudeste. Mais adiante estão os pontos aeroviários e portuários por onde se dá o escoamento desses animais.
Existem diversos tipos de tráfico. Há o tráfico para a rinha, muito comum em Brasília; para a caça, para o consumo de carnes; para colecionadores, que normalmente trabalham com espécies raras; e para a biopirataria, que, como o Dr. Pontes já mencionou, envolve grande recursos financeiros.
O tráfico aeroviário na região amazônica normalmente segue esse padrão. Ali estão Belém, Santarém, Tabatinga e outras cidades identificadas recentemente como os principais escoadores. Temos a rota sul–americana, já destacada pelos meus antecessores, em que ressalto o papel que essas cidades da Bolívia, da Colômbia, do Paraguai e da Argentina desempenham nesse escoamento de animais brasileiros. As capitais de Paramaribo e Caiena desempenham importante papel na rota para os Estados Unidos e a Europa. Temos aqui pontos importantes de exportação: Manaus, Belém, Santarém, Tabatinga, Porto Velho.
Gostaria que V.Exas. prestassem atenção nesse esquema que imaginei e que se parecesse bastante com a realidade. Ali está o comprador, que se liga a um interlocutor. Todos eles são traficantes. E há um segundo homem, porque eles trabalham em redes distintas. Ali no meio há um boneco com uma bandeirinha, que representa o incauto, o turista, a pessoa que, embora saiba que o ato é ilegal, não tem uma visão de tráfico, de ganhar dinheiro. Exploram os ribeirinhos da região amazônica, que capturam os animais, e os vendem a preços aviltados. Os espécimes são conduzidos por essa linha verde e os preços vão subindo velozmente desde a origem até o seu destino: pequeno no início e grande no final. Esse processo se repete continuadamente. Se o animal é raro e caro, ele vai por via aérea.
No momento, há uma preocupação do IBAMA de intensificar a fiscalização e de se instalar, com a ajuda da Polícia Federal, nos portos e aeroportos do País, justamente para evitar essa conexão final, que permite a saída de animais mais raros do Brasil. Este é mais ou menos o fluxo internacional de animais silvestres. V.Exas. podem observar que a área em que estão as estrelinhas verdes é onde ocorre a captura: América, África e Ásia. Ali estão mais ou menos representados os animais mais importantes e o fluxo segue o sentido sul—norte.
O comércio é ilegal. Ressaltamos isto para inquietar as pessoas que nos ouvem. São os valores que imaginamos serem mais ou menos próximos da realidade. Estão aí mais ou menos comparados: armas, drogas, biopirataria, tráfego e pirataria comum de CDs etc.
Consideramos que o tráfico de animais silvestres seja no valor de 12 bilhões de dólares/ano. A Traffic, que é uma organização internacional, no ano de 1999 refere-se a 159 bilhões de dólares.
Esta é a estrutura do IBAMA. Eu represento a Diretoria de Proteção Ambiental (a vermelha) e o Dr. Anchieta é o Chefe da Diretoria de Fauna e Recursos Pesqueiros. Uma diretoria fiscaliza, e a outra trabalha com a parte normativa e avaliação.
Acho importante destacar a presença do IBAMA e também o Dr. Anchieta já o fez. Fizemos um grande esforço e estamos tentando implantar essa estrutura que se pronuncia na área da Amazônia. Dividimos as chefias e temos hoje gerências executivas e vários hospitais regionais.
Esse é o aspecto. Para quem estiver interessado, tenho em mãos toda a denominação das gerências e desse escritório justamente para dar atendimento à região sobre problemas de tráfico e outros crimes ambientais.
Estabelecemos parcerias com o Ministério do Interior do Peru, justamente sabendo que os animais atravessam a fronteira e estamos iniciando trabalhos com o Ministério do Meio Ambiente da Colômbia e da Venezuela. Esperamos alcançar posição semelhante do Ministério do Interior da Guiana, do Ministério da Pesca e da Agricultura do Suriname e da Legião Estrangeira da França. Assim pretendemos barrar a saída dos animais silvestres na Região Norte.
Existem limitações, porém, consideramos oportuno falar com a Câmara dos Deputados. No nosso trabalho de fiscalização sentimos o limitado poder de investimento do Estado relacionado com o pessoal e material. Já foi destacada pelo representante da Polícia Federal a dicotomia conceitual entre diferentes órgãos e níveis de poder.
No ato da fiscalização, sentimos ainda dificuldades tremendas com os Prefeitos e com as polícias locais e precisamos estabelecer um mecanismo para resolver essa dicotomia.
Além dos animais, a grande vítima dessa situação são as comunidades que têm pequena ou nenhuma opção econômica. Elas não têm para onde sair. Esse é um aspecto primordial do tema que estamos discutindo aqui. Ao contrário, conseguimos controlar ou diminuir a tradição cultural através de atividades de educação ambiental. Há baixo nível de escolaridade, crença na recuperação ilimitada dos recursos naturais e o sentimento de posse. São características básicas que a fiscalização encontra ao lidar com as comunidades coletoras.
Nas comunidades que chamamos de compradoras existe a prevalência do possuir — algo importante que temos observado — e a indiferença delas, desses compradores quanto à preservação do patrimônio ambiental. Desejo de novos ganhos está relacionado com quem ganha dinheiro com as rinhas de passarinhos. A crença na impunidade existe e nos preocupa bastante.
No operacional nossos grandes problemas são a complexidade da operação da biopirataria; a elevada capacidade operacional do traficante; mercados consumidores agressivos, inflacionados e infensos às questões e às leis ambientais; e inexistência de um orçamento de fiscalização da fauna.
No IBAMA, a fiscalização da fauna vive do orçamento da própria fiscalização. Este ano temos já um orçamento razoável, mas não temos orçamento tabulado para fazer um planejamento adequado e é baixo o fruto de dados operacionais entre diferentes órgãos.
Na Região Norte, temos um fiscal, um analista para 6.111 quilômetros quadrados, mas com o novo concurso serão incorporados cerca de mil novos analistas.
Adotamos como estratégia o aperfeiçoamento da legislação nacional dos países a que temos acesso, para compatibilizá-la, e a ampliação de termos de cooperação técnica com polícias estaduais. Estamos tentando envolver as universidades, outras ONGs e os Municípios nessa tarefa; ampliar a presença do IBAMA em pontos sensíveis; utilizar técnicas de inteligência — está difícil, mas estamos tentando —; ampliar operações de fiscalização compartilhada com os órgãos ambientais do MERCOSUL; ligar o IBAMA a órgãos estrangeiros; executar programas de capacitação dos novos analistas; e participar de eventos significativos como este.
Desses projetos, alguns são da área de fiscalização, mas a maioria é da área do Dr. Anchieta. Peço a S.Sa. que depois comente o assunto.
Só para termos uma idéia, até setembro deste ano, a equipe encarregada da fauna aplicou 17 milhões e 160 mil reais de multas, cerca de 5% do total.
Quanto às multas na Amazônia, vejam que disparate: se a fauna é a última no Brasil, é a segunda na Amazônia. As multas na Amazônia correspondem a 3 milhões e 400 mil reais, 20% do total. Trata-se de uma excrescência, que nos preocupa bastante. Esse número pode demonstrar a sangria que a região está sofrendo em relação à fauna. Poderia ser a flora, mas não é. A poluição e a pesca são inexpressivas em termos de agressão.
Primeira conclusão: como resultado de diferentes pressões, inclusive as do tráfico, percebe-se o declínio populacional acentuado de diferentes espécies da fauna silvestre brasileira.
Segunda conclusão: não obstante a adoção de ações preventivas e corretivas, mantém-se intenso e agressivo o tráfico de animais silvestres, em razão da presença de um mercado comprador irredutível.
Terceira conclusão: mesmo com as limitações de recursos, as dificuldades legais e estruturais enfrentadas e as estratégias adotadas mostram-se promissoras no combate ao tráfico nacional de animais silvestres.
O SR. JOSÉ DE ANCHIETA DOS SANTOS – Eu vou complementar.
Em face da constatação desses dados que o Lopes nos trouxe, a nossa diretoria se pôs diante de um grande desafio, até porque quando a fiscalização conclui o seu trabalho, começamos o nosso. Cabe-nos avaliar o estado dos animais e definir a política da reintrodução deles, seja na natureza, seja em depósitos — de zoológicos ou de criadores, enfim, cativeiros.
Nós nos deparamos com a seguinte realidade: zoológicos superlotados e criadores que precisam ser regularizados e fortalecidos, até porque, em função da falta de ordenamento e do descontrole, começa-se a afirmar que os criadores estão no tráfico. Certos casos já foram constatados, mas se trata de uma afirmação muito perigosa, porque é uma generalização que começa a comprometer o trabalho dessas pessoas.
Nosso desafio cresceu muito.
Verificamos que existem três pilares que sustentam o problema: o social, o cultural e o ambiental.
A questão cultural é interna e externa, e envolve a pressão imensa do brasileiro que quer ter um animal. Como resolver isso? Existe hoje um mercado clandestino extremamente danoso à Nação, mas isso pode ser resolvido. Começamos a trabalhar junto aos criadores, a fortalecê-los, a regularizar sua situação e a estimulá-los para que haja um mercado de oferta de um produto legalizado.