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Ararinha Azul vai casar

Tomara que dê certo

Publicado no Jornal do Estado – Paraná

Ararinha-azul veio da Alemanha, fez quarentena em Foz e agora vai “se casar” em São Paulo

O alemão Ritchie vai se casar com Flô

Divulgação

Ele é 59, ela é 73, do total de apenas 75 ararinhas-azuis existentes no mundo.

O alemão Ritchie, uma ararinha-azul nascida na Suíça, que viveu na Alemanha e é descendente de brasileiros, saiu anteontem do Refúgio Biológico Bela Vista, mantido pela Itaipu Binacional em Foz do Iguaçu, para se encontrar, em São Paulo, com a brasileira Flô, para um relacionamento que deverá ser permanente e prolífico. Para o bem da própria espécie.

A jovem ave (8 anos, para uma espécie que pode chegar aos 30) foi levada para conhecer sua futura parceira, Flô, em local que o Ibama prefere não identificar, já que as ararinhas-azuis não podem ser expostas ao público. Flô é tão nova que, no ano passado, pôs ovos pela primeira vez. Todos inférteis. É onde entra Ritchie: a expectativa é que seja um “garanhão”.

A importância de Ritchie e Flô pode ser medida pelos números que receberam: ele é 59, ela é 73, do total de apenas 75 ararinhas-azuis existentes no mundo, Flô é uma das mais recentes. As aves nasceram em cativeiro, de pais que também nunca souberam o que é a vida lá fora. No Brasil, com Ritchie, agora existem em cativeiro 8 ararinhas-azuis. E é só em cativeiro que as ararinhas-azuis existem. Na natureza, o último exemplar desapareceu em 2002. A espécie vivia na Bahia, numa área restrita da caatinga.

Anteontem, quando a bióloga A bióloga Yara de Melo Barros, da Coordenação de Proteção de Espécies da Fauna do Ibama, chegou ao Refúgio Biológico Bela Vista de Itaipu, Ritchie foi apresentado à imprensa. A ave passou 30 dias num recinto especial. A quarentena foi exigência do Ministério da Agricultura para permitir que a ave entrasse no Brasil, um cuidado necessário devido à gripe aviária (Influenza) e à virose New Castle.

O recinto de Itaipu foi o único no Brasil que reuniu as condições necessárias para a quarentena. Foi aprovado tanto pelo ministério quanto pelo criadouro alemão que cedeu Ritchie ao Brasil.

Pudera: os cuidados incluíram uma geladeira exclusiva para guardar os alimentos da ave, esterilização de tudo o que entrava ou saía do recinto. E mais: toda vez que se aproximavam de Ritchie, o veterinário Wanderlei de Moraes, o biólogo Marcos José de Oliveira e a técnica Rosana Pinto de Almeida eram obrigados a trocar as roupas por macacões, botas e luvas.

Um macho velho que vive com Flô, agora noiva de Ritchie, perdeu o posto. Há tempos ele não atendia mais às necessidades do Programa de Reprodução em Cativeiro do Ibama. Mas o pobre macho não será abandonado. A intenção é fazer com que seja exposto ao público, no zoológico de São Paulo, para que as crianças conheçam uma espécie já extinta na natureza. E aprendam como é importante evitar que isso se repita.

A bióloga do Ibama elogiou Itaipu – e o Refúgio em particular – pelas condições do recinto onde ficou abrigado Ritchie, pelos cuidados da equipe do Refúgio com a ave e pelo nível excelente de toda o pessoal técnico. “Itaipu tem o melhor sítio ambiental para se fazer uma quarentena como essa”, afirmou.

O diretor de Coordenação e Meio Ambiente de Itaipu, Nelton Friedrich, também foi só elogios à equipe do Refúgio. E lembrou que, sem Itaipu para garantir a vinda da ave do exterior e sua ida para um zoológico no Brasil, todo o programa do Ibama estaria prejudicado.

Escrito por Jornal do Estado do Paraná, em 17/3/2007

Aprendendo a Cantar

Aprende depois de nascido

Agência Fapesp

Claudio Mello participa do consórcio que apresentará em março a primeira versão do genoma do mandarim

Especiais

Aprendendo a cantar

Por Fábio de Castro

Agência FAPESP – Um pássaro que o naturalista inglês Charles Darwin (1809–1882) utilizou para estudar a evolução das espécies é, até hoje, um importante modelo experimental para o estudo do aprendizado do canto, que equivale, em humanos, à base do aprendizado da fala e da linguagem.

De acordo com o pesquisador Claudio Mello, do Instituto de Ciências Neurológicas da Universidade de Saúde e Ciências do Oregon, nos Estados Unidos, a partir de março a comunidade científica internacional terá à disposição a primeira versão do seqüenciamento dos genes do Taeniopygia guttata, conhecido como mandarim ou zebra-finch.

Mello, que também é um dos idealizadores do Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra (IINN), coordena em Portland um laboratório que estuda o mecanismo de aprendizagem e memória em suas bases moleculares e genéticas.

“O modelo que utilizamos, e que estamos desenvolvendo há alguns anos, é a aprendizagem do canto pelos pássaros canoros. Por isso, fazemos parte do consórcio que está seqüenciando o genoma do zebra-finch”, disse à Agência FAPESP.

Segundo o pesquisador, o aprendizado vocal é uma propriedade rara no reino animal, compartilhada apenas por humanos, golfinhos, baleias e três grupos de pássaros. “Além dos pássaros canoros, apenas o papagaio e o beija-flor são capazes de aprender a vocalização. Por terem uma característica tão especial de humanos, são um ótimo modelo para estudar o aprendizado da fala”, disse Mello, que é formado em medicina pela Universidade de Brasília e fez doutorado e pós-doutorado na Universidade Rockfeller.

“Uma criança precisa ouvir a fala, memorizar o som e depois tentar imitar. Esses pássaros são os únicos que fazem algo semelhante”, disse. Cita como outros exemplos de pássaros canoros brasileiros o bicudo, o curió, o tico-tico, o sabiá e o canário.

Mello explica que os comportamentos em humanos e mamíferos em geral envolvem áreas extensas do cérebro, cujo envolvimento com cada aprendizado é ainda pouco conhecido. “O grande interesse no nosso modelo, é que, no caso do zebra-finch, sabemos muito sobre a estrutura do cérebro e o circuito responsável está todo mapeado. O mapeamento genético virá complementar os estudos de forma decisiva”, afirmou.

Uma série de comportamentos dos pássaros canoros está associada à vocalização. Eles comunicam a presença do indivíduo e as fêmeas selecionam os machos de acordo com o canto, por exemplo. “Mas o mais impressionante é que eles desenvolvem dialetos. Como o canto é aprendido, cada indivíduo acaba com uma versão um pouco diferente. Essa diferenciação funciona como se fossem nossos sotaques regionais. É uma transmissão cultural”, contou.

As áreas associadas à fala e ao canto correspondem a vários núcleos definidos, interconectados e já mapeados pelo grupo de pesquisadores. Os circuitos são dimorfos, isto é, apresentam diferenças entre machos e fêmeas. Nas décadas de 1960 e 1970, os estudos sobre pássaros resultaram no primeiro exemplo claro de dimorfismo sexual.

Contribuição para a neurociência

O estudo do cérebro das aves deu outra contribuição ainda mais decisiva para a neurociência: ajudou a derrubar o dogma de que não se formam células novas no cérebro adulto. O macho canta durante a primavera, mas durante as migrações de outono não precisa do canto e os circuitos cerebrais correspondentes diminuem de tamanho, voltando ao normal sazonalmente.

“Quando eles voltam a cantar, partes do cérebro tornam a crescer. Quando isso foi observado nos anos 80, constatou-se que as células aumentavam de tamanho, mas que também havia novas células no cérebro, ou seja, gênese neuronal”, disse Mello.

Como a neurogênese ocorre de forma abundante no cérebro de pássaros, o modelo poderá servir para estudar as bases moleculares e a possibilidade de regeneração do cérebro após uma lesão.

Os pesquisadores querem fazer estudos comparativos, aproveitando o mapeamento genético. “Em março, ficará pronta a primeira versão da recomposição do seqüenciamento. Mas a seqüência já está depositada em banco de dados de acesso público e estamos estudando as bases moleculares do processo, ou seja, que genes são ativados no cérebro e como essa maquinaria funciona”, contou Mello.

Convergência biológica

Os três grupos de aves que desenvolveram o aprendizado vocal o fizeram, aparentemente, de forma independente, de acordo com Claudio Mello. “É um caso claro de convergência biológica. Ao compreender a organização dos circuitos saberemos mais sobre o que é necessário para aprender a fala. Isso pode dar pistas muito importantes para entender o mesmo processo em humanos”, explicou.

Segundo o cientista, antes de se conhecer a circuitaria neuronal associada com o aprendizado do canto, acreditava-se que cérebro de pássaro era primitivo, reduzido apenas à estrutura equivalente aos gânglios da base no cérebro humano. Nos humanos, embora reduzida, essa parte é importante por estar envolvida em doenças como Parkinson e Huntington – a degeneração dessa área leva a deficiências. Mas se o cérebro da ave se reduzisse a isso, ele não seria capaz de aprendizado.

“Hoje, sabemos que se trata de uma porção pequena do cérebro, tanto em humanos quanto em aves. Cerca de 80% do cérebro de aves corresponde ao córtex, que é a mesma estrutura dos humanos. Esses circuitos de aprendizado estão relacionados a circuitos do córtex humano, o que abre perspectivas para estudar as correlações com o aprendizado do pássaro”, disse.

Nas conexões entre gânglios da base e o córtex dos pássaros foi descoberto um pequeno núcleo, essencial para o aprendizado vocal. É uma indicação de que provavelmente existe no cérebro humano um núcleo, no gânglio da base, que recebe projeções do córtex e que é importante para o aprendizado vocal.

“Esta hipótese nunca tinha sido testada em humanos. Mas podemos usar o modelo em pássaros para realizar experimentações. Podemos fazer lesões, tornar inativo, fazer manipulação gênica, ligar um gene, desligar e entender circuitos responsáveis pelo aprendizado da fala”, disse Mello.

Fabio de Castro

Agencia Fapesp

Escrito por Fabio de Castro, em 28/2/2007