Manejo de Aves Silvestres
Uma visão sensata
Jorge Eduardo de Almeida * Mania de Bicho
Devemos considerar como aves silvestres todas as espécies de aves que possam ocorrer na natureza em liberdade sem a interferência do homem. Deste modo devemos considerar como silvestres também aquelas que apesar de existirem em estado de domesticação, criadas pelo homem em cativeiro, também possuem populações que vivem livremente no ambiente, inclusive aquelas que se adaptaram aos ambientes antrópicos, como cidades, fazendas, lagos artificiais etc.
Podemos dividir as aves silvestres, para efeito didático, em dois grupos principais: Aves nativas e aves exóticas.
As aves nativas são aquelas que ocorrem em território nacional naturalmente, podendo por sua vez ser subdivididas em dois subgrupos: Aves nativas residentes (aquelas que completam todo o seu ciclo de vida e reprodução no território nacional) e aves nativas migratórias (aquelas que passam parte do seu ciclo de vida em nosso país, normalmente a primavera e o verão, e completam o seu ciclo reprodutivo geralmente em outros países, migrando todos os anos entre as áreas de reprodução e de invernada, conforme as estações do ano).
As aves exóticas são aquelas originárias de outros países, mesmo que tenham se adaptado às condições ambientais dos ecossistemas brasileiros e existam na natureza livremente e sem a interferência do homem, por exemplo: Pardal, Biquinho de Lacre, Pomba Européia etc. As aves exóticas ocorrem em qualquer país, normalmente trazidas pelo homem, seja de propósito ou involuntariamente. Freqüentemente estas aves são trazidas como animais de cativeiro ou mesmo domésticas, para fazer parte de criatórios específicos e muitas vezes escapam para a natureza, nestes casos quando se adaptam ao ambiente passam a fazer parte do mesmo sendo um novo elemento do ecossistema, interagindo com as espécies já existentes. Mais raramente existem os casos em que as aves exóticas foram trazidas de propósito para serem soltas no ambiente natural e não para criatórios específicos, tal foi o caso da introdução do Pardal em nosso país, que foi trazido da Europa e introduzido em algumas cidades com o intuito de dar “ares europeus” ás nossas metrópoles, em particular a antiga capital do Brasil, o Rio de Janeiro.
Por manejo da fauna silvestre devemos entender a atuação do homem sobre os animais silvestres de forma racional para que possam ser aproveitados gerando renda sem devastar os estoques da fauna encontrada na natureza ou ainda a intervenção do homem nas populações de animais silvestres com vistas a controlar as suas populações.
Neste último caso temos diversas situações em que a intervenção humana se faz necessária e por motivos diversos: Controle de Zoonoses (doenças transmitidas por animais silvestres que podem atingir o homem ou outros animais, provocando às vezes epidemias graves). Outras vezes uma determinada espécie pode se tornar uma praga da agricultura, atacando plantações e determinando graves prejuízos econômicos (existem casos registrados de aves que destruíram aproximadamente setenta por cento da produção agrícola do país). Existem ainda os casos em que por se encontrar o ecossistema em desequilíbrio, seja pela ação do homem ou por catástrofes naturais, algumas populações de animais crescem excessivamente além do que seria suportável pelo ecossistema e outras diminuem suas populações abaixo do que seria o normal em um ecossistema equilibrado. Nestes casos também se justifica uma ação do homem tanto no sentido de equilibrar o ecossistema como um todo, como no sentido de equilibrar, em um primeiro momento, as populações afetadas, em particular as que cresceram em excesso, já que podem prejudicar as demais espécies.
Tratando-se particularmente das aves encontramos no Brasil diversos casos em que o manejo de aves silvestres é altamente recomendável e que pode ser realizado de forma satisfatória, sendo viável tanto a sua exploração de forma econômica, para gerar renda, como para controlar as populações em desequilíbrio.
Tratemos primeiro das espécies exóticas introduzidas em nosso país: A principal espécie encontrada em liberdade, sobretudo nos centros urbanos é o Pombo Doméstico. De origem européia, esta ave é descendente de uma espécie selvagem daquele continente conhecida pelo nome de Pombo das Rochas. Sua domesticação pelo homem é muito antiga e portanto as variedades domésticas do Pombo das Rochas estão espalhadas por praticamente todo o planeta, já que se adaptaram muito bem às modificações ambientais promovidas pelo homem, sendo particularmente comuns nos grandes centros urbanos de todos os continentes.
Vivendo em liberdade nas cidades estes pombos se adaptaram as suas condições, que aliás lhes são muito favoráveis, pois os grandes prédios possuem locais próprios para a sua nidificação de modo que a sua reprodução não só fica garantida como facilita uma explosão populacional. Para completar este quadro, os restos de alimento desperdiçados pelo homem como lixo nas ruas das cidades e ainda o hábito de se alimentar os pombos em praça pública com milho facilita a sua busca por alimento, o que também contribui para garantir a sobrevivência dessas aves e para sua explosão populacional.
Como conseqüência em quase todos os centros urbanos de todos continentes temos super populações de pombos domésticos que vivem sem condições sanitárias adequadas para se evitar diversas zoonoses… Assim essas aves se tornam um problema de saúde pública, seja através de suas fezes que emporcalham os logradouros públicos e que podem transmitir diversas doenças ao homem e também a outros animais que convivem no mesmo espaço. Por isso há necessidade de se controlar os excedentes populacionais dos Pombos Domésticos e para isso podem ser utilizados diversos métodos, cada um mais adequado a cada situação específica: Envenenamento puro e simples, captura e abate dos excedentes, uso de anticoncepcionais específicos misturados na ração (embora este método não seja cem por cento eficaz), utilização de falcoaria (aves de rapina especialmente treinadas para capturar ou pelo menos espantar estes pombos) etc.
Além do Pombo Doméstico uma outra ave trazida da Europa tornou-se em algumas cidades e mesmo em algumas regiões rurais uma praga, necessitando por isso medidas de controle sobre os seus excedentes populacionais. Estamos falando do Pardal. Esta ave não chega a causar os problemas semelhantes aqueles ocasionados pelos Pombos Domésticos, podendo na verdade conviver com a fauna nativa sem maiores problemas na maioria dos casos. No entanto em algumas regiões suas populações cresceram tanto que passaram a representar realmente um problema, causando prejuízos tanto para a agricultura, como para diversas espécies nativas de pássaros, diminuindo a biodiversidade ornitológica de determinadas regiões, já que competem com algumas espécies nativas por locais de nidificação, por alimentos e ainda por transmitirem algumas doenças contra as quais certos passarinhos brasileiros não possuem resistência. As espécies nativas mais afetadas pelas superpopulações dos Pardais são as aves conhecidas como Canário-da-Terra, Tico-Tico e algumas espécies de Andorinhas.
As mesmas medidas aplicadas para controlar os excedentes populacionais de Pombas Domésticas podem ser utilizadas para controlar os excedentes populacionais dos Pardais, pois assim como as primeiras estes últimos também estão extremamente adaptados aos ambientes transformados pelo homem há milênios, vivendo perfeitamente bem nos centros urbanos.
Ainda quanto as aves exóticas temos aquelas que embora não vivam em liberdade na natureza são criadas com diversas finalidades, sobretudo como aves ornamentais ou para suprir uma demanda por carnes exóticas em restaurantes especializados.
Podemos incluir nesta categoria diversas espécies estrangeiras: Faisões, Pavão, Galinha d’Angola ou Capote, Perdiz Européia ou Chukar, Codornas Japonesa e Européia, Codorna Norte Americana ou Bobwhite, Codorna da Califórnia, Gansos e Marrecos Europeus, Africanos, Asiáticos e Norte Americanos.
A maior parte dessas espécies pode representar um papel fundamental na conservação das espécies nativas do Brasil, embora até o presente momento nosso país não tenha aproveitado todo o potencial que elas representam na conservação da natureza, pois através de criatórios especializados elas podem suprir a demanda tanto de aves ornamentais como de carnes exóticas, diminuindo substancialmente a pressão sobre a fauna nativa. Em outras palavras elas podem substituir as aves retiradas da natureza por atividades extrativistas evitando assim impacto tanto sobre a fauna como sobre o ecossistema.
O manejo das aves silvestres exóticas pode ser feito de duas maneiras: Através de criações destinadas a suprir o comércio em geral, tanto de aves vivas como de restaurantes e açougues ou butiques de carnes especializadas e ainda o comércio de penas e plumas de aves (neste último caso são mais comuns as criações de Pavões e Faisões e normalmente as aves não são mortas, pois as penas caem normalmente durante a muda podendo ser aproveitadas ou ainda podem ser retiradas da cauda das aves, nascendo novamente, o que evita o abate das mesmas).
Já na produção de aves exóticas para restaurantes e mercados especializados em carnes exóticas as principais espécies são os Faisões, a Perdiz Chukar, a Codorna Européia e ainda, porém em menor proporção, as Pombas Domésticas, a Galinha d’Angola, os Gansos e os Marrecos… Isso sem falar na produção de ovos de codorna, amplamente difundida por todo o Brasil, neste último caso a espécie utilizada é a Codorna Japonesa.
A outra maneira de manejo das aves silvestres exóticas que pode contribuir de forma significativa para a conservação dos ecossistemas brasileiros e da fauna nativa, é a implementação das fazendas de caça regulamentadas. Infelizmente o Brasil aproveita pouco este incrível modo de evitar a pressão cinegética ilegal sobre as espécies nativas e ainda de evitar a devastação de imensas áreas ocupadas por flora nativa, que será substituída por campos de pastagem ou plantações.
Não existem mais do que três fazendas de caça autorizadas pelo IBAMA em funcionamento no nosso país, que na verdade tem potencial para instalar centenas delas, gerando recursos para os proprietários das terras, renda e melhoria da qualidade de vida das populações locais e ainda mantendo conservadas imensas áreas de ecossistemas nativos com sua fauna e flora praticamente intocadas.
Esta situação ocorre não por falta de interesse de diversos proprietários rurais em instalar fazendas de caça legalizadas, mas sim por uma pressão de grupos radicais que supostamente estariam defendendo os direitos dos animais, e que entram com ações na justiça ou pressionam o IBAMA e os políticos de modo a impedir a instalação destas fazendas que seriam a salvação para muitas espécies da flora e da fauna brasileiras. Na verdade o que estes grupos conseguem é provocar mais devastação na natureza, pois sem a possibilidade de obter renda com a implantação das fazendas de caça, os proprietários se vêem obrigados a desmatar e substituir o ecossistema nativo por diversos tipos de plantações ou por pastagens para o gado, diminuindo de maneira drástica a biodiversidade local, provocando localmente a extinção de diversas populações de plantas e animais nativos e contribuindo para a destruição dos ecossistemas naturais do Brasil. Portanto devemos sempre ter em mente que estes grupos radicais que militam pelos direitos dos animais, freqüentemente extrapolando o conceito do senso comum do que sejam maus tratos, não devem de modo algum ser considerados ambientalistas, pois os verdadeiros ambientalistas buscam a conservação da natureza e do meio ambiente como um todo, mas isso sem abrir mão da sua utilização pelo homem, o que seria até mesmo impossível, visto que a humanidade necessita dos recursos naturais para sobreviver e movimentar sua economia.
O verdadeiro ambientalismo trata de conservar os recursos naturais renováveis para usufruto da humanidade, aproveitando-os e utilizando-os de forma racional, em quantidades suportáveis pelos ecossistemas, de modo que possam ser usufruídos permanentemente, de forma sustentável e sem ameaçar as espécies de extinção.
Toda a abordagem sobre o manejo de aves silvestres neste artigo restringiu-se às espécies exóticas, já que o assunto é bastante extenso.
Na sua continuação abordaremos o manejo da fauna silvestre, que implica em questões bem mais delicadas e que necessita de estudos mais aprofundados e constantes por parte de instituições dedicadas à zoologia e a ecologia, que possam dar suporte ao IBAMA para que este autorize as formas de manejo mais adequadas para as espécies nativas, sobretudo aquelas cujas populações já se encontram em desequilíbrio e tornaram-se verdadeiras pragas não só da agricultura, mas também uma ameaça para a própria fauna e flora nativas do Brasil, além de representarem em alguns casos possíveis focos de zoonoses.
* Biólogo. Professor de Ciências Biológicas
Escrito por Jorge Eduardo de Almeida , em 5/5/2008