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Mutações em Canário-da-Terra

Mutações em Canário-da-Terra

Palestra proferida na Faculdade UNESP-BOTUCATU

PALESTRA EM BOTUCATU

Paulo Rui de Camargo

Junho de 2003

Mutações em canário-da-terra (Sicalis flaveola) é assunto ainda em evolução. Como estas mutações não foram ainda padronizadas muitas incertezas e desinformação ainda existem entre os passarinheiros. É tema que sugere aprofundados estudos em busca de uniformização das variadas mutações que, a cada dia, vêm surgindo.

Realmente, sem paradigmas que possam defini-las, sem regras explícitas e sem um padrão oficial para disciplinar as diversas classificações das que já foram fixadas, sem conhecimento de suas respectivas denominações e sem as descrições dos pássaros mutantes, muitas dúvidas e celeumas ainda irão persistir no meio ornitológico.

Esta minha exposição serve, portanto, de marco inicial para que, no futuro, se possa uniformizar e regulamentar as mutações já conhecidas e definir as já fixadas. Inicialmente, há que se esclarecer que as aves, em estado nativo, são obrigadas a confrontos e, muitas vezes, a entrar em disputas para melhor sobreviver as adversidades. Se necessário, elas pelejam até com outros pássaros para conseguir alimento, para conseguir refúgios, locais de nidificação e para fixação de territórios de procriação. Os exemplares mais valentes, aguerridos, mais aptos, fortes e portadores de fibra, vão ganhando espaço para participar dos atos reprodutivos. Com isso, podem alcançar o privilégio à reprodução e de perpetuarem a espécie, transmitindo seus genes aos descendentes.

Os pássaros também evoluem para melhor se adaptarem ao meio ambiente. E durante esta escala evolutiva, podem ocorrer mudanças e alterações no DNA. Assim, pode-se definir mutação como qualquer alteração ou modificação permanente do DNA. A nós, ornitófilos, o que interessa são as mutações que transformam, alteram ou mudam a coloração e as marcações das penas dos pássaros silvestres, já que, ocorrendo a mutação, as tonalidades, as marcas e estrias passam a apresentar diferenciações de seus ancestrais nativos.

Quero pedir licença aos nobres companheiros para esclarecer que nÃo sou bióogo, nem geneticista, mas apenas um criador de passeriformes, empenhado em fazer com que o nosso canário-da-terra (esta fascinante espécie de ave canora), seja valorizada e que suas mutações sejam conhecidas, compreendidas e padronizadas. Estou, apenas há alguns anos, me especializando na criação destas mutações.

Minhas vivências pessoais, com as mutações deste pássaro, tiveram iní­cio há mais de 35 anos atrás, quando, na década de l966/67, pela primeira vez, pude ver e admirar alguns canário-da-terra mutantes, na coleção do meu grande amigo NELSON MACHADO KAWALL. Ele possuía vários canários-da-terra mutação canela e um fêmea lutina (amarela de olhos vermelhos). No Rio de Janeiro, um outro meu amigo, MARIO VENTURA, tio de nosso ilustre e operoso Presidente da COBRAP, ALOISIO PACINI TOSTES, também possuí­a um macho lutino.

Segundo me informou o Nelson (grande conhecedor do assunto), a primeira mutação a surgir em canário-da-terra foi a canela. Depois, por volta de 1975, Nelson Kawall vendeu sua bela e rara coleção de pássaros mutantes a um outro meu amigo, ENNIO DE ARAÚJO FLECHA, o qual, durante muitos anos, criou dezenas de mutações de vários pássaros nativos brasileiros. Posteriormente, também vi, no aviário do Dr. TRAMUJAS, médico em Curitiba, outros exemplares mutantes.

Naquela ocasião, se não me falha a memória, as mutações existentes eram de pássaros canelas, os dois lutinos já referidos, alguns amarelos de olho preto (ainda apresentando marcações melânicas nas costas, asas e rabadilhas) e canários-da-terra manchados, com variados tons de amarelo e negro, os chamados arlequins. Muitos não eram verdadeiras mutações, mas pássaros que apresentavam manchas e pintas de cores diversas, resultantes de deficiências ou mudanças de hábitos alimentares.

Posteriormente, apareceram uns canários amarelos, de uma cor chamada de “flor-de-milho”, com poucas penas negras, originários do Ceará, que eram muito disputados por colecionadores. Mas a mutação (se é que era mutação), não foi fixada. Existiam também, na época, canários-da-terra do Sul (Sicalis flaveola pelzelni), com coloração diversificada. Esses canários vinham do Mato Grosso do Sul e eram denominados popularmente cinza cor-de-palha, cuja coloração era um cinzento claro amarelado. A plumagem de fundo era amarela bem suave. Essa novidade também, segundo me consta, não foi fixada.

Daí­ para frente, me interessei por esses tipos de pássaros de cores diferentes das normais. Ao depois, mais recentemente, surgiram as mutações ágata e após as opalinas e isabelinas.

Quanto às pseudo ou verdadeiras mutações arlequins (canários manchados), ainda pairam dúvidas se elas são, de fato, mutações autênticas, ou não, isto é, se podem ser transmitidas e fixadas. De minhas experiências, ainda não tenho uma opinião formada. Não se sabe se essa mutação (ou não) seria dominante ou recessiva e se poderia haver a denominada codominância, como acontece com os periquitos australianos. Em rolinhas caldo-de-feijão (Columbina talpacoti), esse tipo de variação cromática jamais se fixou.

As mutações não constituem fatos incomuns. Aparecem em quase todas as espécies de animais. Elas acontecem quando ocorrem alterações nas moléculas do DNA (ácido desoxirribonucleico). Assim, quando incide uma modificação alterativa nessas moléculas, são produzidas igualmente alterações nos genes, dando origem às mutações.

Em genética, mutação é obra do acaso. Algumas mutações são raras e só ocorrem 1/1.000.000 vezes, isto é, quando aparece um indiví­duo mutante já nasceram um milhão de indiví­duos considerados “normais”. Este fenômeno foi constatado em peixes.

A mutação, portanto, é modificação natural de um gene, que acontece num determinado momento da evolução. Este gene, em vez de continuar transmitindo o mesmo patrimônio hereditário, passa a produzir outras caracterí­sticas, totalmente diferentes das que vinham se manifestando em sua descendência, em caráter hereditário.

Como o canário-da-terra só agora, a partir da década de 1975, vem sendo criado, em regime de domesticidade (a criação doméstica começou a ser incrementada com regularidade somente após a década de 1990), existem raros e esparsos relatos de mutações nesta espécie de pássaro. Este assunto está ainda embrionário na ornitofilia brasileira. Muita gente nem sabe que existem mutações em canário-da-terra. Até hoje, minguadas confirmações técnicas e fontes seguras das reais mutações que já apareceram podem ter confirmação de sua existência e fixação genética. A razão é simples: poucos criadores abnegados puderam concentrar seus esforços neste capí­tulo apaixonante da história deste nosso pássaro, um dos mais estimados pelo povo brasileiro, especialmente da zona rural.

Aliás, sobre o assunto, o ornitófilo sicaliense da cidade de Campinas, o ilustre IVAN DE SOUZA NETO (1º Diretor de Canto de Canário-da-Terra da COBRAP), também enfatiza esta carência de informes técnicos, quando afirma que ainda estamos na fase de estudos e entendimentos das ocorrências das mutações. Pouquíssimas informações têm sido adequadamente registradas e temos, para o momento, muito mais de resultados acidentais, sem nenhum estudo acumulativo de informações e observações (vide e-mail do dia 03/06/03 remetido à lista dos grupos de CT).

Acreditamos, entretanto, que as mutações já existentes serão fixadas e o número de exemplares mutantes aumentá e diversos criadores irão partir velozmente para criar canários-da-terra mutantes, visando obter novas cores, como aconteceu com o canário-de-cor ou canário-do-reino.

Esta carência de informações, todavia, não acontece com o Serinus canarius. Segundo consta dos manuais de canaricultura, o referido pássaro, originário do arquipélago das Ilhas Canárias, o popularmente conhecido canário doméstico, canário-do-reino, canário-belga, roller ou de cor, vem sendo criado pelo homem há mais de 500 anos.

Durante este longo perí­odo, centenas de mutações de cores surgiram, foram fixadas e transmitidas ao longo dos anos. Hoje, o número de cores novas (diferentes do tipo normal silvestre) já ultrapassa quatrocentos e cinquenta. Este detalhe é relevante, na medida em que induz os criadores a buscarem o aperfeiçoamento, melhorarem o que existe e chamarem a atenção do grande público para a canaricultura de cor. O canário selvagem, primitivo, em face da contínua seleção e aprimoramento genético realizado pelos criadores, foi, aos poucos, sendo alterado, inclusive em seu tamanho, porte e cores originais.

Toda esta diversidade de formas e mutações de cores, com certeza, também ocorrerá com o nosso canário-da-terra, o nosso guirá nheengatu, como era conhecido dos índios tupí­-guaraní­s. Pensamos que, em futuro não muito longí­nquo, iremos ter um canário-da-terra totalmente vermelho, um totalmente branco, um mutante pastel, um topázio e assim por diante, como acorre com o canário doméstico.

O canário-da-terra se enquadra no tipo denominado negro-marrom, ou marrom oxidado, pois tem agrupado, em sua genética, três pigmentações: o amarelo (carotenóide), um pigmento melânico preto e um outro negro, que diluí­do se torna marrom. Assim, ele carrega tanto o lipocromo, como a melanina. As alterações, as nuances de colorido, podem ocorrer, quer nos carotenóides (lipocromo), quer nas melaninas, exteriorizando-se no manto exterior. A coloração da sub-plumagem, a cor de fundo, parece que não é alterada pela mutação. Entretanto, esta particularidade precisa ser melhor examinada. Esta pigmentação da sub-plumagem geralmente ou é amarela ou cinza-esbranquiçada. Nos pássaros jovens, imaturos, estas cores de fundo são, no começo, cinza/branco. Porém, vão variando e modificando-se posteriormente para uma padronagem de cor parda-amarelada, particularmente na subspécie brasiliensis, o canário-da-terra chamado vulgarmente de canário verdadeiro, chapinha ou canário-do-Nordeste.

Como dito, o canário-da-terra possui três cores básicas, a amarela (com o alarajado-carmim no píleo), a negra e a marrom. No que tange às melaninas ele porta: a eumelanina negra, daí a cor preta e a feomelanina marrom, daí­ a cor marrom. E possui também o lipocromo, daí resultando a cor amarela.

Quando qualquer um dos fatores acima descritos se altera, a plumagem apresenta modificações cromáticas, aparecendo um novo fenótipo. O fenótipo corresponde ao conjunto de fatores hereditários que se modificam e que podem ser vistos, isto é, se exteriorizam visualmente.

Cumpre observar um pormenor importante que ocorre nas mutações de canário-da-terra.

Quando os jovens canarinhos mutantes nascem pode-se observar, alguns dias depois do nascimento, que suas penugens estão pigmentadas de uma determinada cor. Quando, porém, os jovens canarinhos abandonam a caixa-ninho (por volta dos 14/16 dias após o nascimento) e daí­ para a frente, a coloração de suas penas vão se modificando para tons geralmente mais esmaecidos. Por volta de 4/5 meses de idade, as cores (e quando existem estrias e marcas melânicos no dorso) novamente tendem, às vezes, a se atenuar ou ganhar tons mais intensos. E quando o canário mutante atinge a idade adulta (por volta dos 10/12 meses de idade), novamente as cores podem variar de tonalidades, quando, então, as cores e as marcações se definem.

Assim, o criador sicaliense sente dificuldade em especificar, com exatidão, qual a legí­tima mutação de um pássaro imaturo. Por isso, às vezes, é complicado determinar qual a mutação certa, até que o canário atinja a idade adulta, para que o ornitólogo possa definir, com precisão, qual a verdadeira mutação que o pássaro exibe.

Nestes últimos trinta e cinco anos, as mutações que podem ser citadas e que já ocorreram no canário-da-terra são: canela, lutina, arlequim, amarela, ágata, opalina e isabel.

As mutações canela, lutina, ágata e isabel são sexo-ligadas. O experiente criador de pássaros, o já citado ENNIO DE ARAUJO FLECHA, que foi, por muitos anos, Presidente da SOCIEDADE ORNITOLÓGICA BRASILEIRA (SOB), da qual faço parte e que, talvez, junto com seu filho PAULO FERNANDO FLECHA, sejam os mais conhecidos criadores de mutações em pássaros de nossa ornitofauna, informou, em artigo publicado em 1985, a existência de outras mutações em canário-da-terra, a saber: cinza, isabelina, pastel, ágata e opalina.

A mutação canela seria aquela que imprime à plumagem externa do canário-da-terra a tonalidade canela (marrom ou bruna, também chamada de melaço), com alteração das estrias ou marcações dos pigmentos negros, para a cor castanha-marrom, ou seja, a despigmentação da eumelanina, exteriorizando a cor bege-bruna. Num pássaro mutante canela, a íris dos olhos ganha um tom ameixa-pardo-amarronzado, que aos poucos vai escurecendo. Bico e pés creme-castanhos, puxando para uma tonalidade de carne.

A variedade que mais se vê é a castanha-amarelada, com estrias ou marcações pouco visíveis no dorso e com a cor de fundo amarelo pálido. Os exemplares mais vistosos são aqueles que possuem tonalidade parecida a chocolate misturado com leite, com matizes cor de chocolate sobre o dorso e com estrias um pouco mais escuras. O peito e o ventre têm cores mais claras esbranquiçadas com infiltrações de amarelo. É voz unânime entre os criadores de Sicalis que os melhores indiví­duos mutantes canelas são os pássaros que ostentam cores mais achocolatadas e estrias marrom no manto exterior.

Na mutação isabelina (cor canela clara diluí­da) ocorre ausência ou diluição acentuada da melanina preta e também enfraquecimento do pigmento marrom. Com redução pronunciada da melanina preta e diluição do pigmento marrom, este tipo de pássaro fica assemelhado a um pássaro lipocrômico. Bico de cor creme. Pés, unhas e tarsos claros. É uma mutação muito bonita e original, especialmente nos exemplares originários dos Estados nordestinos, como os do Ceará, parte leste do Piauí­ e alguns do Rio Grande do Norte.

Segundo os tratados de canaricultura de cor a mutação do canário isabelino seria fruto de um acasalamento da mutação ágata X canela. Existem canários isabelinos amarelos, com um tom bruno claro bem suave, sobre fundo amarelo pálido. As marcas dorsais são extremamente diluí­das. Os melhores exemplares são aqueles cujas estrias ou marcações são sutis, praticamente invisíveis. A diluição é bem acentuada nas extremidades das penas, rêmiges e retrizes. Eu ainda não vi, mas acho que irá surgir o isabel-prateado, que poderá ter uma cor de chocolate muito diluí­da sobre fundo branco, quase ausentes as marcas dorsais.

Um passarinho dito arlequim não tem uniformidade de coloração. Em alguns indivíduos as penas apresentam, em certas partes do corpo, cores normais, mas, em outras partes, exibem mudanças das marcações ou desenhos melânicos e, diferentemente do normal, outras partes tingidas do pigmento lipocrômico, alguns com cores amarelas de tons bem claros. Outros indivíduos podem mostrar pigmentos melânicos reduzidos, mesclados, diluí­dos ou ausentes, em determinadas porções do dorso, e, em outros casos, estes pigmentos não se distribuem de forma uniforme, na coloração da plumagem. Por isso que, às vezes, na parte superior do pescoço, nas costas, na região uropigiana, nas rêmiges e retrizes e mesmo na rabadilha, o colorido tradicional fica alterado por um fator que imprime estas manchas ou colorações atípicas, enquanto que, em outras, podem continuar com tons amarelados ou mesclados.

Os pássaros arlequins são fruto do cruzamentos de pássaros da linha clara com a linha escura. Por isso ostentam manchas, pintas ou zonas de pigmentação diferentes do normal e isoladas, em determinadas regiões do corpo do animal. Estas “marcas registradas” nascem com o pássaro, não se alteram ou não se modificam com o correr dos anos, bem como com as mudanças anuais de penas. Em alguns exemplares aparecem zonas pintalgadas e, em outros indivíduos, porções do manto plumário exterior ficam manchadas. É muito difícil existirem dois pássaros arlequins iguais nas suas pigmentações cromáticas.

Eu já tive belos exemplares de canários-da-terra arlequim, porém a mais atraente, em meu entender, foi uma fêmea, com a cabeça, pescoço, garganta e nuca inteiramente amarela (um amarelo-claro marfim brilhante), enquanto o restante do corpo estava salpicado de um matiz cinza esmaecido, com desenhos melânicos bem marcados, de uma raridade sem jaça, que se assemelhavam a um canário ágata.

Todavia, já em outros pássaros, os pigmentos melânicos estão completamente ausentes, em certas partes, continuando, porém, outras porções do corpo (normalmente a garganta e a barriga) tingidas de amarelo. Muitas vezes os pigmentos melânicos não se distribuem de forma uniforme, na coloração do dorso e asas, aparecendo, nestas últimas, cores lipocrômicas diferentes, por exemplo, com vários tons de amarelo ou branco, ora muito brilhantes e conspícuos, ora de um tom creme-esbranquiçado, ora impregnados de um tom dourado vivo bem marcante.

Nos pássaros arlequim as colorações, desenhos, pintas, marcações (caracterí­sticas fenotípicas) dos pássaros não se alteram após a muda das penas, sendo, como já referido, imutáveis. Ainda não se sabe realmente se este tipo de pássaro seja realmente uma verdadeira mutação. Entretanto, há que ser lembrado um detalhe importante. Pessoas inexperientes podem adquirir certos pássaros “diferentes” da cor original, pensando que sejam mutações. Há, contudo, necessidade de prudência e confirmação de algum criador que conheça aves mutantes, pois, em certos casos, estes pássaros “diferentes” ou “aberrações” (no linguajar popular), nada mais são do que pássaros normais, que, por qualquer motivo (geralmente problemas de alimentação), tiveram alteradas suas cores normais. Tiveram, isto sim, alteradas as cores por circunstâncias anômalas, como alimentação, doenças, administração de rações colorantes ou despigmentárias, pintura química das penas e outras práticas condenáveis, utilizadas por pessoas desonestas, com o fito de enganar incautos. Mas estas mudanças temporárias de cores não são fixas, imutáveis. O pássaro pode vir a reverter à sua coloração normal na muda de penas.

Esta a razão pela qual muitos pássaros (chamados erroneamente de mutações) não podem ser considerados mutantes, pois não transmitem, aos seus filhos, as características da mutação verdadeira. Hoje, até já se contesta ser a variedade arlequim uma verdadeira mutação, até porque algumas manchas, certas colorações que ocorrem em algumas penas do dorso, cabeça e especialmente asas, algumas cores estranhas nas coberteiras ou na rabadilha, podem ser resultado de desfigurações pigmentárias passageiras, não sendo transmitidas aos descendentes.

Sobre este prisma, é ilustrativo trazer à balha um exemplo típico. Há cerca de uns vinte anos atrás, alguns canários-da-terra (originários do Estado do Maranhão) eram muito disputados pelos passarinheiros, porque tinham uma cor cinza pálida. Eram conhecidos por “canário-palha”. Trazidos para São Paulo e outras localidades, após certo tempo, com alimentação adequada (sementes variadas, verduras, legumes, farinhadas, etc), as cores originais, do canário-da-terra normal, retornavam. Descobriu-se depois que, na região onde eram capturados e comercializados estes pássaros, a alimentação era constituída exclusivamente de arroz, fato este que talvez originava a dita cor cinza-palha. Portanto, estes espécimes não eram verdadeiras mutações. Este é apenas um exemplo demonstrativo que algumas pseudo-mutações podem confundir aqueles que não conhecem pássaros mutantes.

Sobre a mudança na cor das penas de papagaios e araras, em virtude de administração de certos alimentos, é bem conhecido o fato dos indígenas ministrarem, a estas aves, a carne de um peixe de couro, um grande bagre de água doce, habitante da região centro-norte do Brasil, conhecido por pirarara (Phractocephalus sp), da família dos Pimelodideos, possuidora de nadadeiras vermelhas e carne amarelada. Este é um peixe esportivo, muito procurado pelos pescadores, em razão do peso e tamanho que atingem, além da dificuldade de captura, ante a grande resistência que oferecem, depois de fisgados. Depois de um certo período, ingerindo esta carne, as araras, papagaios e jandaias (Psittacideos) têm as tonalidades de suas penas alteradas, consoante anotou IHERING (1968). Eu mesmo já pude constatar este fato pessoalmente, na Ilha do Bananal, tanto nas aldeias dos índios javaés, como na dos carajás.

Este é apenas um outro exemplo que demonstra que, algumas pseudo-mutações, podem confundir os mais incautos.

Na mutação amarela (canário todo amarelo com olhos pretos), as penas carecem dos pigmentos melânicos, predominando a coloração lipocrômica. Os bicos e pés puxam por uma coloração creme mais suave que nos pássaros normais. Os machos adultos ostentam, no píleo, tons alaranjados. Dependendo da cor amarela (se esta tende para uma coloração marrom-beje bem diluída), este tipo de canário não se enquadra nesta mutação amarela – e sim na mutação isabel, ou seja, aquela que apresenta a cor canela bem clara, diluída.

A cor das penas dos lutinos é toda amarela e os olhos vermelhos, devido à presença de vasos sanguíneos e carência completa de melanina. Nestes pássaros, a melanina está completamente ausente. Esta mutação “apaga” e faz desaparecer todas as marcações e desenhos da plumagem exterior. O bico, o tarso e os dedos dos pés são de cor clara, lembrando o tom da manteiga, com um leve matiz avermelhado.

Ainda não se tem notícia de pássaros totalmente brancos e albinos em Sicalis. Mas podem aparecer a qualquer tempo. Talvez a partir do aprimoramento de criações dirigidas da mutação amarela e da lutina se possa, em futuro breve, obter canários-da-terra brancos e, ainda, os brancos de olhos vermelhos (albinos). Aliás, há muitos anos atrás vi, cidade de São Luís, capital do Maranhão, um exemplar cuja coloração da plumagem externa tinha nuances de cor bege-creme/areia.

A mutação lutina, em meu modo de ver, é talvez a mais bela nos canários-da-terra. Já tive dois machos maravilhosos desta mutação. E também um outro, portador, da coleção dos Flecha, que causavam admiração nas pessoas que visitavam o meu aviário.

À guisa de informação complementar. esclareço que, na denominada “mutação cinza”, esta cor puxaria para o tom cinza/bege. Mas, esta mutação não está ainda confirmada.

A chamada mutação ágata caracteriza-se pela presença conjunta dos dois pigmentos melânicos diluídos. A cor das penas sofrem uma redução da melanina escura. O corpo do pássaro ganha uma tonalidade cinza, com diluição máxima da cor marrom e concentração da cor preta, ostentando, ainda, estrias simétricas no dorso e nos flancos. Em outras palavras, a cor marrom fica diluída, acentuando os desenhos e marcas de cor negra, exteriorizados em estrias bem finas e paralelas uma às outras. Nas laterais das rêmiges e retrizes, bem como nas bordas dos flancos, prevalece a cor cinza pérola. Em alguns exemplares a atenuação das melaninas e a cor de fundo amarela palha, dá um toque especial a este tipo de pássaro. Os bicos e pés têm cor escura. Esta mutação é extremamente bela, porém rara.

A mutação opalina, em canários-do-reino, é recessiva e não ligada ao sexo. Essa mutação do Serinus foi exposta em 1942, no Campeonato Mundial de Bruxelas. Em uma ninhada de canários verdes, um filhote era diferente dos seus irmãos. Ao invés de exteriorizar as marcações melânicas bem oxidadas, seus pigmentos melânicos estavam diluídos, de tal forma que o negro-marrom tinha uma tonalidade cinza-azulada clara e a cor marrom não era mais perceptível nas penas. Essa cor assemelhava a cor da pedra semi-preciosa do mesmo nome. E esta cor das penas ficou sendo conhecida como ágata.

O fator responsável por esta mutação inibe a manifestação da feomelanina e acentua o pigmento negro. O gene responsável por esta mutação não apresenta comportamento hereditário ligado ao sexo. Esta mutação não diluí a melanina, ou seja a cor escura do bico, tarsos, pés e unhas.

Para finalizar, lembre-se que nos Serinus a primeira modificação na cor original do pássaro silvestre, segundo os compêndios de canaricultura de cor, aconteceu em cativeiro. Ficou provado o desaparecimento gradual dos pigmentos melânicos, daí surgindo o canário amarelo, fruto do aprimoramento dos canaricultores europeus. Há uma forte tendência a acreditar que essa mudança da cor ancestral do canário-do-reino se deu em virtude de duas circunstâncias: de um lado mudança do regime alimentar dos pássaros e, de outro lado, da própria alteração do habitat natural. Essa mutação, todavia, não aconteceu repentinamente, pois, apesar da plumagem haver perdido as marcações melânicas, no canário amarelo, os olhos continuaram pretos, indicando que a melanina não desapareceu por completo. Isto seria um lutinismo incompleto, porquanto não conseguiu clarear a cor dos olhos, que continuaram na sua cor originária. Posteriormente, há mais de trezentos e cinqüenta anos atrás, verificou-se que alguns Serinus tiveram outra alteração na cor no manto exterior, já que o pigmento negro-marrom ficou restrito apenas a cor marrom. O desaparecimento do pigmento negro e a permanência do marrom sobre a cor de fundo amarela, originou o canário canela, que tem somente duas cores: o lipocromo amarelo e a feomelanina marrom.

Em face de todo o exposto, estou a notar que as mutações surgidas no canário-da-terra em muito estão se assemelhando ao que já aconteceu no canário-do-reino. Desta forma, nós criadores de pássaros nativos, poderemos continuar trabalhando para que outras mutações surjam no canário-da-terra e que o número de mutações aumente. Esse é o nosso grande desafio no futuro.

O conferencista é 1º Diretor de Criação de Canário-da-Terra da COBRAP

Copyright Paulo Rui de Camargo

A reprodução total ou parcial do presente trabalho só poderá ser feita mediante citação expressa do nome do autor, com indicação da fonte e do contexto de onde foi extraída. Lei nº 9.610 de 19/02/1998 (Lei sobre Direitos Autorais)

Escrito por Paulo Rui de Camargo, em 12/1/2004

Criadores

Diretor de Criação de Canário-da-Terra da COBRAP resposta indagação de consulente.

Caro Presidente Aloí­sio

Atendendo sua solicitação, estou respondendo, em linhas abaixo, a pergunta formulada por  JOSE LUIZ MATHIAS :

Prezado JOSE LUIZ MATHIAS

A degradação ambiental, aliada as alterações inadequadas do uso do solo, a introdução exagerada e sem critério de pesticidas e agrotóxicos, a caça predatória, as queimadas, as mudanças climáticas (temperatura, pluviosidade, umidade, etc), as alterações da fisionomia da região, com impacto de fatores fí­sicos e suas variações, a interferência de outros componentes bióticos que se situam no mesmo nível trófico, o aumento do número de predadores, as doenças, a competição, com outras espécies de pássaros, por alimento, abrigo e locais de nidificação, entre outros fatores, acabaram por diminuir sensivelmente a população desse pássaro, ou seja, o número de exemplares de canários-da-terra (Sicalis flaveola brasiliensis) na região de Ituverava e seu entorno, como Guará, Cristais Paulista, Igarapava, Ipuã.

Todavia, segundo consta, o canário-da-terra não está extinto nesta parte do Estado de São Paulo, já que, em certos nichos ecológicos, ainda restam alguns indiví­duos da outrora abundante população desse passarinho na região.

Sds

Paulo Rui de Camargo

1º Diretor de Criação de Canário-da-Terra da COBRAP

—– Original Message —–

From: Aloísio Pacini Tostes

To: Paulo Rui

Sent: Monday, January 05, 2004 10:05 PM

Subject: Fw: extinção do canário da terra na região de Ituverava-S

Meu Grande Diretor,

obséquio responder à pergunta feita no nosso site……….abraços

Aloísio

—– Original Message —–

From: Diolina Honorio Silva Mathias

To: lagopas@terra.com.br

Cc: José luiz mathias

Sent: domingo, 4 de janeiro de 2004 12:31

Subject: extinção do canário da terra na região de Ituverava-SP

Queria saber a razão da extinção do canário da terra em minha região (Ituverava-SP), região nordeste do Estado de São Paulo, pois há alguns anos atrás, havia muitos deles por aqui.

Queria saber as causas dessa extinção, pois se fala em agrotóxicos, mudanças nas características da região (tais como no incremento e diversificação nas lavouras), etc..

Agradeço se puderem me ajudar.

Obrigado.

José Luiz Mathias

Escrito por Paulo Rui de Camargo – criar para não extinguir, em 10/1/2004