Seleção Genética na Fibra ou Canto do Canário da Terra

Taddei – consultor técnico e estudioso de seleção genética animal

Luiz Antônio Taddeil

A criação e a seleção genética devem caminhar necessariamente juntos. É importante que desde logo saibamos distinguir um selecionador de um mero multiplicador. A princípio e grosseiramente, a seleção pode parecer ser a simples reserva para a reprodução de um bom exemplar, mas terá esse exemplar a capacidade de transmitir suas qualidades ??? Alguns de nós (raros) possui o famoso “Olho Clínico” que o faz capaz de reconhecer com acerto as qualidades de um filhote, quem não tem esse “dom”, tem que trabalhar a seleção.

TRÊS BREVES HISTÓRIAS ILUSTRATIVAS

Vou começar breves histórias, que balizarão nossa conversa sobre a importância da seleção.

1- Vamos citar inicialmente o Sr. José Oswaldo Junqueira que desenvolveu a raça mangalarga. Tudo foi baseado na sua percepção de que uma determinada égua (que nem sua não era) tinha alguns predicados que considerava importantes para formar um novo padrão naquela raça de cavalos. Idealizava uma linhagem de boa conformação mas que mantivesse o andamento cômodo, famoso dos cavalos Mangalargas. Na época, uma só raça, hoje subdividida em Mangalarga (Paulista) e Mangalarga Marchador. O filho desta égua chamou-se “Turbante JO” [i]e praticamente dividiu a história da raça:[/b] Antes e Depois de Turbante JO.

2 – Vale lembrar também do Dr. José Vieira Pereira, que apesar de advogado, desenvolveu mais do que um plantel. Vacas de excelente aspecto morfológico mas e principalmente excepcionais produtoras de leite. Através da técnica de transplante de embriões, pioneiro na época, formou um plantel de altíssima capacidade leiteira, batendo em expoentes de mais de 90 Kg de leite diários. Mas o principal não era esse indivíduo expoente; era o plantel homogêneo. Tanto em produtividade, como em características fenopticas.

Numa visita, uma comitiva do Japão, fez a avaliação destas vacas. Para tanto, foram colhidas fezes de cada uma delas e este material foi analisado em laboratório visando identificar a existência de proteínas e matérias nobres no bolo fecal. Constatou-se que todas a proteínas ingeridas, eram 100% processadas e transformadas em leite. Mais de uma vez, fez e refez seu plantel que foi vendido a valores históricos para o gado leiteiro brasileiro.

3 – Por anos, dedicava-me à caça de perdizes, e buscava criar cães para esta finalidade. Neste meu envolvimento com a cinofilia, tive a oportunidade de conhecer um criador e selecionador de cães na Alemanha (berço da seleção genética de animais) e deparei-me com a seguinte situação. Numa ninhada de 9 filhotes, baseado nos padrões da raça, com a pura observação acurada, pediu para separar 3 filhotes e o restante determinou que seriam sacrificados. Neste caso em particular, onde os critérios da seleção estavam muito bem estabelecidos, este senhor não via nenhuma justificativa para assegurar a sobrevivência de exemplares que estavam fora do padrão, representando descarte no processo de seleção.

PRINCIPIOS QUE NORTEIAM A SELEÇÃO

Lembrando que criar um pássaro bom e criar um pássaro ruim o manejo será o mesmo, o prejuízo será maior criando-se pássaros ruins, pois, basta computarmos a perda de tempo fazendo algo que não leva a lugar nenhum. Assim não basta criar, devemos buscar criar o melhor.

Infelizmente, no caso de nossos canários, e seja qual for esse canário, sempre teremos um pássaro heterozigoto. Assim, mesmo que já tenha exteriorizado seus excelentes predicados, não podemos ter certeza de qual o percentual de aproveitamento de sua prole. Pássaros heterozigotos, passam tanto suas boas qualidades bem como qualidades ruins.

O Dr. Álvaro Blasina, um lendário selecionador de Serinus Canária, afirmou-me que “o ideal seria que apenas um filhote herdasse todas as qualidades ruins ficando as qualidades boas para os outros filhotes da ninhada”, no entanto bem sabemos que esta possibilidade está diametralmente oposta à realidade dos fatos.

Desta forma, como ponto de partida, devemos utilizar na reprodução, pássaros sem defeitos aparentes e portador dos predicados desejados que buscamos desenvolver nos seus filhos. Como contrapartida a esta afirmação, pássaros que não atendam plenamente aos predicados desejados, devem simplesmente ser descartados de uma possível reprodução, para evitar um grandioso desperdício de tempo. Ilusão não combina com seleção.

Podemos estabelecer como regra número 1 da seleção: “Faça amigos”. Desta forma aumentaremos as chances de termos acesso a pássaros dotados dos predicados que almejamos. Se por qualquer situação adversa, não pudermos adquirir este pássaro, poderemos ao menos empresta-lo para galar fêmeas.

No entanto vale ressaltar que a regra básica para iniciar verdadeiramente o processo de seleção estabelece que “o macho tem que ter relação de parentesco com as fêmeas”.

Desta forma, uma vez eleito o Fundador do programa de seleção a ser desenvolvido (que deve ser o melhor pássaro que pudermos adquirir ou emprestar), o trabalho será pautado em cruzamentos fechados. Desta forma é que conseguiremos o ½ sangue, o ¾, o 7/8, o 15/16, etc ….

Cabe no entanto lembrar que um bom padreador você deve cria-lo, não iludindo-se que irá encontrá-lo por aí, ainda que seja o campeão de um torneio.

O modelo ideal de iniciarmos este processo de reprodução seletiva, é a prática da consangüinidade fechada (inbreeding), cruzando: PAI com a FILHA; com a NETA; com a BISNETA; etc… até conseguirmos um produto que seja portador de 31/32 (ou 96,86%) de sangue do Fundador Inicial quando então teremos o nosso “REPRODUTOR”. Esse Reprodutor será Homozigoto. Ou seja, com certeza passará suas qualidades a sua prole. Ver o quadro de cruzamentos apresentado a seguir.

CANÁRIO INICIAL X FÊMEA INICIAL = FILHO (a) F 1 = ½ sangue

CANÁRIO INICIAL X FÊMEA F 1 = FILHO (a) F 2 = ¾ de sangue

CANÁRIO INICIAL X FÊMEA F 2 = FILHO (a) F 3 = 7/8 de sangue

CANÁRIO INICIAL X FÊMEA F 3 = FILHO (a) F 4 = 15/16 de sangue

CANÁRIO INICIAL X FÊMEA F 4 = FILHO (a) F 5 = 31/32 de sangue

(Esse produto que apresenta 31/32 de sangue do Canário Inicial já pode ser considerado puro – porém já é homozigótico ou seja, sangue fechado no Canário Inicial)

O PREDICADO QUE PROCURAMOS

Um trabalho de Seleção e Aprimoramento Genético pode ser feito objetivando melhores predicados para o Canto ou para a Fibra. Seja para uma ou outra modalidade, devemos ter em mente, que exigirá dedicação e perspicácia e principalmente manter a firmeza dos objetivos traçados.

Ainda não sabemos se a Fibra é transmitida por um gen ou por uma combinação de gens. No entanto vale lembrar que ninguém tem o que não herdou. O piado por exemplo, é herdado geneticamente, já o Dialeto de Canto, é aprendido.

Mas, precisamos desmistificar folclores presentes no dia a dia da transação passarinheira. Afirmações do tipo: “esse pássaro é ruim, mas dá cada filho bom”; é mentira, é pura balela, representando o tipo de afirmação que deve ser necessariamente desconsiderada, por uma pessoa seriamente comprometida com um trabalho de seleção. Perder tempo com um pássaro ruim, na remota esperança que seus filhos herdem, por atavismo qualidades de ascendentes mais remotos é pura perda de tempo. Um risco que nenhum criador sério poderá correr.

A seleção deve ser rígida no limite, e tem que se ter à endogamia. A seleção também pode ser feita com o uso de parentes mais distantes, tipo Tio com Sobrinha, meio Irmãos, Primos com Primas, etc. porém é um caminho mais comprido e deve ser previamente traçado.

Pássaros que não exteriorizaram os predicados não devem ser utilizados na reprodução. O chamado olho clínico, é uma qualidade que deve ser desenvolvida e permanentemente aprimorada pelo selecionador.

Deve-se educar o olho para identificar predicados nos pássaros. Neste aspecto, é primordial, educar os olhos para os seus próprios pássaros, sabendo enxergar os defeitos e eliminar os indesejáveis.

Aqui vale lembrar o selecionador alemão de cães, que sem contemporizar, não se furta dos seus objetivos, quando precisa eleger os melhores da prole que justificam permanecer no plantel.

Vale lembrar que:

1 – Nunca teremos dois irmãos iguais na mesma ninhada;

2 – Não se deve utilizar na reprodução Machos com menos de 3 anos de idade, pois antes desta idade, não foram devidamente avaliados em todos os seus predicados ou defeitos;

3 – Se existir dúvidas das qualidades de um pássaro, não se deve leva-los para a reprodução;

4 – Imediatismo não se aplica nem para a seleção de baratas.

Sabemos que os alemães tem linhagens definidas para distintas raças, porque foram rígidos nos procedimentos de seleção e aprimoramento genético. Desta forma destacaram-se com Cães e Canários (serinus canária).

[i]O pior erro que se pode cometer, é partir dos princípios errados[i]. Para isto devemos ser frios no raciocínio.

Mesmo quando se deparar com um pássaro, que apresenta as qualidades desejadas, observe durante algum tempo, analisando a regularidade com que este pássaro manifesta as suas qualidades.

Concluindo, neste processo de seleção, encontramos três caminhos a serem seguidos, na obtenção do Canário da Terra com os predicados desejados:

Sorte – Tal qual ganhar na Megasena, estatisticamente as chances são pequenas;

Dinheiro – Com quantias adequadas, poderá até encontrar o pássaro com os predicados desejados, e comprá-lo;

Anos de Trabalho – Esta é a forma mais lenta, mas, segura. O investimento em trabalho e esforço será recompensado e chegará um momento que terá conseguido o Canário da Terra que tanto almejou.

Texto extraído do Relatório do Encontro de Sicalienses em Florianópolis.

Autor: Luiz Antonio Taddei

Redação: Ivan de Sousa Neto

Escrito por Luiz Antonio Taddei, em 13/1/2004