Passados Cinquenta Anos

Da predação a preservação

Publicado no Atualidades Ornitológicas 132 de Set/Out-2006 – www.ao.com.br

PASSADOS CINQUENTA ANOS

Aloísio Pacini Tostes – RIBEIRÃO PRETO SP

Lá pelos idos de 1955, portanto há cinqüenta anos atrás, se iniciaram, de forma organizada, os torneios de canto de pássaros nativos no Brasil. Mais precisamente nas cidades de Barretos SP, Franca SP, Ribeirão Preto SP e Uberaba MG. Cidades próximas uma das outras com possibilidade para viajar por razoáveis estradas de terra ou de ferrovia, carregávamos os pássaros no colo por causa dos solavancos e dos buracos nas pistas. Nessas localidades havia inúmeros mantenedores de aves silvestres, notadamente bicudos e com curiós em segundo plano. Outros pássaros nem eram considerados e a ênfase e os torneios se restringiam apenas às espécies citadas. Fácil de saber, nos bicudos, através dos dialetos que emitiam de onde vinham, os “cocotil” de Barretos, os “tulim-tulim” de Franca, os “suim-suim” de Uberaba e os “ti-ka-ti” de Ribeirão. Num grande esforço conseguimos recuperar esses modelos e entregamos aos respectivos prefeitos para arquivo no museu histórico das cidades para que ficassem preservados para sempre as cantorias dos bicudos. Os curiós, embora menos cultivados, também tinham a marca e a vocalização de sua origem. Cada cidade cultivava o seu canto e as trocas ou vendas, para fora, eram mínimas, até um certo bairrismo predominava o que ajudava diminuir as transações. O interessante é que não se admitia pássaros com outro tipo de dialeto, não se tinha o menor interesse. Todos os indivíduos eram conhecidos e ficava difícil aparecer outros diferentes daqueles que se apresentavam nos concursos. Normalmente os participantes dos eventos não passavam de cinqüenta nos bicudos e de 20 nos curiós, ao final dos eventos promoviam-se festas com muito chopes e salgadinhos, tudo de graça. Quase todos os expositores da época já faleceram, restam alguns poucos para nos contar suas estórias interessantes e às vezes hilariantes.

Como dissemos, tudo era muito bem organizado e daí houve a necessidade de se fundarem entidades de passarinheiros como a hoje denominada Associação dos Criadores de Pássaros de Ribeirão Preto, que serviu de modelo para as iniciativas que vieram a seguir na montagem de novos Clubes para depois haver a disseminação pelo Brasil.

As aves, naquele período, em sua grande maioria eram capturadas na própria região, onde existiam em abundância, não havia nenhum espécime reproduzido doméstico e nem se queria, era tudo silvestre. Impossível criar e aqueles que sobrevivessem seriam doentes, fracos e medrosos, não prestavam para canto e tão pouco serviam para participação em torneios. Esse era o entendimento corrente e pretensamente verdadeiro, ninguém duvidava desse dogma. Ademais, o ambiente natural favorecia a existência de habitat não degradado. A caça predatória se mostrava um hábito corriqueiro e nem um pouco combatido ou contestado, embora esse ato não fosse praticado pelo grande maioria dos passarinheiros e sim por pessoas inescrupulosas que se aproveitavam daquela situação para ganhar dinheiro com uma atividade de predação. Supunha-se, no entanto, que as fontes seriam inesgotáveis. Eram milhares de pássaros que eram sistematicamente remetidos para as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro onde ficavam expostos ao público e vendidos nas casas de comércio. Tudo feito às claras e abertamente sem nenhum incômodo ou contestação da sociedade ou das autoridades.

Preocupação com o meio ambiente, nenhuma à época. A agricultura diversificada e a pecuária ainda não haviam atingido o estado de devastação da natureza que hoje impera na região das cidades citadas, os desertos verdes dos enormes pastos de gado branco, das lavouras de cana-de-açúcar e de soja, milhares e milhares de hectares degradados ao lado de barragens, queimadas e poluição das águas, uma lástima ecológica. Somos obrigados a conviver nessa conjuntura e ainda aplaudir iniciativas do gênero em nome do progresso e do desenvolvimento avassalador e ganancioso, é preciso gerar emprego e rendas. Dez anos mais tarde, em 1967 publicou-se, finalmente a Lei de Proteção à Fauna, por incrível que pareça, publicada pela ditadura militar e que vale até os dias de hoje. Ficamos até espantados com a ousadia do texto, mas que já não era sem tempo, até que enfim havia algo para regular e dar um direcionamento nas questões que envolviam os animais silvestres brasileiros. Se não era perfeita foi um marco importante para a proteção, preservação e conservação de nossa avifauna. Daí para frente as coisas mudaram, os envolvidos tinham agora um freio: os termos da Lei. Com a criação simultânea do IBDF, surgiu então o órgão regulamentador com poder discricionário, nos limites da Lei, para cuidar do meio ambiente no Brasil. Nessa época, levamos um choque, iniciou o despertar para as questões ligadas à natureza, veio o esclarecimento e o entendimento do que eram recursos naturais renováveis e que tinham dimensões e que poderiam acabar ou se extinguir. Fundou-se, também em Ribeirão Preto a primeira Federação de âmbito nacional diante da nova ordem e da necessidade que de negociar com as autoridades a respeito da realização de torneios e da continuidade das atividades ligadas à ornitofilia. Aí veio em 1977, a disponibilização das anilhas abertas para cadastrar os bicudos que iriam participar de torneios. Elas foram distribuídas aos participantes dos torneios sem nenhuma regra ou controle. Como se daria a renovação??? Captura-se-iam novos indivíduos??? Como se daria a continuidade dos torneios, ou mesmo a manutenção dos passeriformes canoros???? Na verdade, a situação estava confusa e com falta de perspectivas a se examinar a conjuntura que se apresentava. Além do mais, os pássaros silvestres já não eram tão abundantes, já não se podia capturá-los com a facilidade, e ainda por cima a caça agora estava proibida por Lei. Essa crise gerou novos pensamentos e mudanças de atitudes os bicudeiros pelos motivos expostos e os curiozeiros porque pretendiam iniciar o manejo, uma verdadeira legião de aficionados que agora se apresenta, ou seja: ensinar aos filhotes o dialeto Praia Grande só aconselhável aos espécimes nascidos domésticos, pássaros filhos de linhagem de repetidores e com aptidão para aprender o rebuscado canto. Como, então, regularizar os pássaros nativos nascidos em domesticidade e separá-los dos silvestres dentro da legalidade e de atendimento à Lei???. Daí em diante, já nos anos 80, houve uma melhor aproximação, através da Federação, com o IBDF que culminou, em 1988, com a publicação da Portaria 131 e reconhecimento da criação amadorista dos passeriformes canoros e a instituição de anilhas invioláveis como prova do respectivo nascimento em ambientes domésticos. Na realidade não havia nenhuma preocupação com a obtenção de lucros com a venda de pássaros e nem se tinha idéia da proporção que a criação doméstica atingiria dentro de pouco tempo, por isso, à época, não houve o enquadramento como uma criação de cunho comercial, até porque não havia motivos para tal. O tempo foi passando e a questão sendo mudada, novos passeriformes foram agregados à prática de torneios, em especial os Canários da Terra, os Coleiros e os Trinca Ferros e os Azulões e Cardeais no sul do Brasil, com procriação doméstica incipiente vieram para aumentar o número de aficionados e o nível de complexidade do segmento ornitofílico atingiu proporções gigantescas. Muitos equívocos foram cometidos tanto por parte de alguns dirigentes de entidades como por parte das autoridades que não fiscalizaram e não controlaram as atividades inerentes à classe. Hoje a disseminação de Clubes pelo Brasil é enorme, vejam por exemplo as sedes da SAC em Florianópolis SC, a da ACCPP em Pirassununga SP e da ACPB em Brasília que são modelos a serem seguidos pelos demais. Podemos afirmar também que a quantidade de grandes criadouros de pássaros está cada vez mais aumentado e isso nos traz a certeza que a atividade deu certo e que para o sucesso da empreita. Hoje dominamos as técnicas de reprodução, e a troca de experiência está trazendo a democratização da informação. No meio acadêmico notamos um interesse crescente dos alunos a respeito de formação na área da ornitocultura, entretanto, não haja ainda mostras de que há uma preocupação da docência, por exemplo: ainda não encontramos nenhum registro a respeito de modelos de projetos de criadouros e há uma certa incompreensão pela falta de diálogo com o segmento ornitofílico. No entanto, a evolução se mostra grandiosa, a busca da alta qualidade genética é uma força que está estimulando muito a criação, estamos em muitos casos até na décima geração de filhotes domésticos na cruza, entre si, de campeões. Chega-se à conclusão que o trabalho é positivo e que estamos no caminho certo. Sim, alguns ajustes precisariam ser feitos, a era da informação está aí, instrumentos como o controle, via eletrônica, Rede Mundial de Computadores/Internet se apresenta como uma forma muito eficaz de conseguirmos a transparência necessária que se exige para o trato com as questões ligados ao meio ambiente. A par disso tudo, surgem os torneios organizados pela COBRAP desde o ano de 2003, realizados nos grandes centros e que tem atraído expositores de várias regiões do Brasil num congraçamento mensal de grande efeito para a união da classe. São realizados nos meses de agosto até dezembro. Vemos que o modelo inicial, lá dos anos 50, persiste e que conseguimos encontrar a saída para haver a sobrevivência da prática de torneios, assegurada pela reprodução doméstica em larga escala, gerando emprego, rendas, vidas e sobretudo a preservação de nossos queridos pássaros nativos brasileiros, passado meio século.

Aloisio Pacini Tostes

Criação de Animais Silvestres em Cativeiro

Precisamos agir

Profª.drª. Miriam Luz Giannoni

Rua João Marilhano, 464, Residencial Damha II

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Fones (17) 32245151 e cel (17) 81128162

E-mail: giannoni@terra.com.br e miriamgiannoni@hotmail.com

INTRODUÇÃO

O interesse mundial pela exploração de novas espécies avolumou-se nas últimas duas décadas, chegando ao Brasil mais recentemente, encontrando a legislação e a pesquisa despreparada para atender a esta nova demanda. Pretendemos apresentar nesta oportunidade, de forma muito resumida, os principais objetivos, vantagens e desvantagens e as dificuldades para a exploração de animais silvestres em cativeiro.

 

CONSERVAÇÃO DE ESPÉCIES

 

É notória a importância da proteção de áreas que venham a abranger os diversos tipos de ecossistemas para a conservação ou preservação da grande biodiversidade do Brasil. No passado, a preocupação centralizava-se na preservação de espécies em parques e reservas, sem levar em conta a sobrevivência da espécie humana. Não se pode ignorar a presença do homem nestas áreas, quer seja o índio ou o colono. Hoje, sabe-se que isto é impraticável e se preconiza o uso racional ecológico da fauna e flora. Passou-se, então a se falar em desenvolvimento sustentado. Este termo tem sido largamente empregado e na maioria das vezes sem o conhecimento de seu exato significado ou como promove-lo.

 

A exuberância da flora e da fauna brasileira levou a idéia errônea de que eram inesgotáveis. Não houve a preocupação em sua conservação ou mesmo seu conhecimento, centenas delas desapareceram sem ao menos serem conhecidas. Um exemplo disto é resultante das pesquisas do Professor Augusto Ruschi com a fauna ornitológica espírito-santense: levantamento realizado em 1967-68 indicou 760 espécies e subespécies em seus 55.597 km², e após 10 anos, 1978, havia apenas 555, ou seja, desapareceram nada menos que 205 espécies (RUSCHI, 1979). E nas demais regiões do País? Neste sentido São Paulo dá importante contribuição com o lançamento do projeto “Biota-FAPESP”, com o objetivo de mapear e analisar a biodiversidade dos seus quase 250 mil quilômetros quadrados.

 

Lei de Proteção à Fauna

 

Pela Lei n.5.197, de 3 de janeiro de 1967, de Proteção à Fauna, todas as espécies da nossa fauna silvestre são de propriedade do Estado, ficando proibida a caça profissional e a amadorística só seria permitida em áreas específicas. A introdução de espécies exóticas dependeria de parecer técnico. Esta Lei reduziu a caça predatória, mas provavelmente devido a falta de campanhas maciças de educação das populações e de preparo de equipes (base física, equipamentos e treinamento) em número adequado quer seja para a fiscalização, orientação e/ou substituições alternativas da caça de subsistência, levaram a resultados bem inferiores aos desejados. Como conseqüência de interpretações dúbias por parte dos órgãos fiscalizadores, resultou, também na redução ou quase extinção das criações e pesquisas da fauna autóctone em cativeiro.

 

Caça e domesticação

 

Desde o início da colonização, sobressaindo-se no tempo do Império, ficaram famosas iguarias preparadas com exemplares de nossa fauna, quase todos provenientes de caça, pois não existe relato de domesticação, quer seja por parte dos nossos índios ou pelos colonizadores. Acreditava-se que os animais do Brasil não tinham o potencial genético para a domesticação (DOMINGUES, 1968). Segundo KERR (1996) “não havia a necessidade de domesticar, pois havia muita fartura de caça”, os índios mantinham em suas tribos apenas os animais de estimação, denominados de xerimbabos. No ano de publicação da Lei n.5.197, foram exportados 100.000 peles de capivara oriundas de caça. RUSCHI, (1979) conta que, na liquidação de uma firma, em Vitória (ES) foram encontrados cerca de 100.000 peles de beija-flores e muitas toneladas de plumas de emas. Mesmo após a promulgação da Lei de Proteção da Fauna, devido a grande dificuldade de fiscalização, principalmente nas mais longínquas regiões do Brasil, toneladas de peles e milhares de animais são contrabandeadas do país. Uma da formas de diminuir o extrativismo, seria promover e incentivar a criação de animais silvestres em cativeiro. Quando se captura e mata, por exemplo, ema na natureza, causa-se um desequilíbrio no ambiente onde a ema desempenhava um papel importante, como componente com função biológica definida no ecossistema. O mesmo não ocorre quando ela é explorada economicamente em cativeiro, com proteção, reprodução e seleção genética para melhorar sua produtividade, passando a categoria de animal doméstico. Aliás, é interessante destacar que esta espécie sul-americana, a ema (Rhea americana) é o exemplo de ave com potencial para exploração comercial de dois famosos ornitólogos, Augusto Ruschi e Helmout Sick, porém, somente após o sucesso na América do Norte e Europa, é que está despertando o interesse de uns poucos pecuaristas brasileiros. Já em 1985 o Prof. Sick afirmava: “Apesar de tão grandes potencialidades, em um mundo onde tudo se traduz imediatamente em lucro, a ema é uma espécie que marcha a passos largos para a extinção se não for criada sistematicamente (SICK, 1985)”. Além da ema, outras espécies de aves brasileiras têm potencial para a domesticação, quer seja para exploração de carne e plumas, ou como ave ornamental e algumas como animal de estimação, os xerimbabos dos nossos índios. Segundo RISCHI, (1979), as principais seriam espécies de pelo menos 20 Famílias: Tinamidae, Cracidae, Anatidae, Phasianidae, Psophidae, Columbidae, Psittacidae, Trochilidae, Trogonidae, Ramphastidae, Cotingidae, Rupicolidae, Pipridae, Corvidae, Turdidae, Parulidae, Tersinidae, Thraupidae, Fringilidae e Eurypygudae. Além das aves, muitos mamíferos, répteis e peixes podem vir a ser criados em cativeiro, e explorados como pecuária alternativa.

 

CRIAÇÃO EM CATIVEIRO

 

Os colonizadores trouxerem para o novo continente os animais e plantas que conheciam, fundamentando praticamente toda a exploração agropecuária nestas poucas espécies. Não se detiveram em estudar, selecionar e domesticar espécies da fauna e flora, com raras exceções para alguns exemplares da flora. Ainda hoje, poucos pesquisadores da área de ciências agrárias, estudam espécies autóctones. Quem conseguiu dominar a reprodução do maravilhoso pintado em cativeiro, não foi um técnico, e sim um produtor rural que conta com uma equipe norte-americana de pesquisadores, e mesmo assim há apenas 3 anos. Em Londres, as mascotes preferidas são as araras canindé (Ara ararauna) e vermelha (Ara macao), o papagaio-verdadeiro (Amazona aestiva) e o tucano (Ramphasto toco) e é mais fácil e mais barato comprar uma destas aves na Europa e EUA, que nas escassas lojas autorizadas no Brasil, provenientes de uns três criadouros comerciais, fortalecendo o comércio ilegal.

 

Produção de alimento

 

São muitas as espécies da fauna brasileira com potencial para serem explorados na produção de alimentos. Seguindo com o exemplo da ema (Rhea americana), esta espécie sul-americana vem sendo estudada principalmente em Universidades da América do Norte, e explorada como produtora de carne vermelha e de gordura (GIANNONI, 1996). O óleo tem sido comercializado com vários propósitos e a sua utilização como medicamento de uso humano e animal foram patenteados este ano nos EUA (FEZLER, 1999). Embora os nossos índios já utilizassem a gordura com esta finalidade, lamentavelmente, nenhuma universidade brasileira pesquisou ou pelo menos descreveu sua composição, como o fez a fazendeira norte-americana (FEZLER, 1995).

É inadmissível que na Amazônia, nos dias atuais, áreas sejam desmatadas para a criação de gado vacum, quando já ficou demonstrado que esta espécie não é a mais adaptada ao ambiente para a produção de carne. Em livro publicado pela FAO, SMITH (1998) comparando a produção de carne em floresta do Panamá, mostrou que um grupo de pacas tem capacidade de produzir a mesma quantidade de carne por unidade de área e tempo, que o bovino, com a grande vantagem de não ser necessário derrubar a floresta. Esta publicação divulga alguns animais que podem ser utilizadas na alimentação humana, sem agredirem tanto os ecossistemas como os animais da zootecnia tradicional. Será o bovino a melhor espécie para produzir alimento no semi-árido nordestino? Nas secas, bovinos morrem sobrevivendo as emas, os tatus, os mocos e outros animais ameaçados de extinção, caçados pelos nordestinos famintos, mesmo com risco de prisão.

 

DIFICULDADES PARA A EXPLORAÇÃO COMERCIAL DE ANIMAIS SILVESTRES

 

As principais dificuldades são:

 

• A Legislação e a burocracia;

• Escassez de pesquisas, de técnicos e bibliografia acessível.

• Mercado e falta de espírito cooperativista.

– Legislação – nos últimos dois anos, uma série de resoluções, instruções normativas e portarias do CONAMA, Ministério da Agricultura e do Abastecimento (MAA) e IBAMA, vêm sendo publicadas regulamentando a criação e o comércio de animais silvestres exóticos e nacionais. As portarias IBAMA 117 e 118, de outubro de 1997 regulamentam, respectivamente o comércio e a criação em cativeiro de animais silvestres nacionais e exóticos, revogando a Portaria 132, de 1988. Estas portarias, entretanto, permitem interpretações dúbias. O número de funcionários para analisar os projetos de criadouros, exigidos pelas referidas portarias, é muitíssimo reduzido, agravado com a falta de recursos para promoverem a vistoria das instalações, resultando em atraso de mais de ano para obtenção de registro de criadouro comercial. Esta morosidade e burocracia, levaram a muitos produtores rurais a optarem pela criação de animais exóticos, como as perdizes europeas e americana, o javali, o avestruz, faisões, codorna japonesa, e muitos passeriformes, o que motivou novas portarias para sua regulamentação, destacando-se as Instruções Normativas n. 4 de 31/12/98 do MAA e a n.01, de 15/04/1999 do IBAMA.

 

– Pesquisas, livros técnicos – Os mesmos problemas se aplicam aos animais para pesquisa, levando a um círculo vicioso: sem animais, não há pesquisa, sem pesquisa não há conhecimento da biologia da espécie necessária para o desenvolvimento de técnicas para a criação em cativeiro, não há publicação de trabalhos e livros.

 

– Técnicos – sem estudos, não surgem oportunidades para a formação de pessoal qualificado, nos diversos níveis.

 

– Cooperativista – para recuperar o tempo perdido e ter mais força de barganha para mudar a situação atual, haveria a necessidade dos diferentes grupos se organizarem e trabalharem em equipes, abrangendo todos os segmentos da exploração, podendo:

 

a) sugerir alterações da legislação para que a criação de animais silvestres da fauna autóctone em cativeiro fosse estimulada.

b) propor pesquisas e financiamento nas áreas de reprodução, comportamento, instalações, nutrição, melhoramento genético, embasadas nos estudos da biologia da espécie. Numa primeira etapa, ênfase maior seria dada as pesquisas sobre aspectos da anatomia e fisiologia que venham a auxiliar no manejo reprodutivo e nutricional dos animais em cativeiro. A alimentação é, ainda, o grande entrave. As rações comerciais são caras e na maioria das vezes com falhas na sua formulação, levando a produtividade deficiente e encarecendo o produto final, reduzindo o mercado consumidor. Os pesquisadores têm que definitivamente entender que se trata de uma zootecnia alternativa, cujos princípios, geralmente esquecidos, se fundamentam em “produzir com qualidade, a baixos custos e em menor tempo” .

A inclusão da disciplina de Animais Silvestres nos cursos de Ciências Agrárias constituiu um progresso, porem tem havido muitas distorções, por exemplo, a nutrição e a patologia teriam grande progresso se fossem considerados simplesmente como animais em cativeiro e objeto de atenção de pesquisadores experientes nestas áreas para a formulação de ração e diagnósticos, com a colaboração do profissional das demais áreas envolvidas, principalmente a etologia. Os programas da referida disciplina são diversos em cada unidade de ensino e precisam ser mais avaliados e estabelecidos objetivos que possam atender aos profissionais que irão trabalhar com animais silvestres em cativeiro tanto com propósitos conservacionistas, como para exploração zootécnica. Este último propósito inclui a criação de animais de companhia (os pets), ornamentais e os produtores de utilidade (geralmente alimento e/ou couro), ou serviço (como controladores de pragas, por exemplo, a coruja Tyto alba é usada no controle de pequenos roedores nas plantações de arroz na Malásia). São duas abordagens bastante distintas, principalmente quanto ao manejo e alimentação.

 

c) promover a centralização das informações sobre determinada espécie, de sorte a facilitar uma revisão bibliográfica e tornar acessíveis endereços de fornecedores e consumidores de animais e serviços.

 

d) exigir linhas financiamento para implantação do criatório bem como de todo os segmentos envolvidos direto ou indiretamente com as atividades (fábricas de ração, de equipamentos, produtos farmacêuticos e outros)

 

e) formação e organização de mercado, programas de market, divulgação em todos os níveis e forma de mídia e ampla distribuição dos produtos e subprodutos.

 

CRIAÇÃO EM CATIVEIRO E PRESERVAÇÃO DE ESPÉCIES

 

A contribuição da criação em cativeiro para a preservação é mais indireta, contribuindo para redução do extrativismo, da caça predatória e gerando conhecimentos sobre as espécies que auxiliarão no seu manejo na natureza. Sua grande limitação é o pequeno número de espécies a serem contempladas, geralmente as mais carismáticas. Ações mais diretas de preservação de espécies devem ser realizadas, por exemplo: o controle do tamanho populacional de espécies cinegéticas, para orientação da caça em níveis sustentáveis em reservas de vida selvagem, áreas públicas e outras (o Estado do Rio Grande do Sul vem desenvolvendo um bom trabalho); Identificação de espécies em extinção e proteção dos habitats críticos e preservação de parcelas de áreas nativas para a preservação de populações equilibradas de espécies em seus habitats naturais.

Várias medidas são necessárias para um Brasil mais justo, o que impõe mudanças de conceitos. É preciso um modelo centralizado na qualidade de vida, com respeito ao meio ambiente, e que fosse social e economicamente viável. A criação de parques nacionais e áreas de reservas naturais foi uma evolução, mas há necessidade de seriam conduzidos planos para o manejo de populações: quotas de extrativismo; gerenciamento de habitats para a introdução de espécies; reintrodução de espécies em habitats apropriados; melhoramento dos programas de manejo e proteção das espécies nativas; eliminação de espécies exóticas das áreas de preservação É lamentável que nossos índios continuem recebendo bois, porcos e galinhas, que além da possibilidade de introdução de enfermidades, são estranhos aos seus costumes e de difícil adaptação às condições de criação disponível.

PECUÁRIA ALTERNATIVA – converter praga em benefício?

No momento, considerado emergencial, pode-se iniciar a exploração de animais silvestres com espécies que, devido a alteração de seu habitat e a ausência da caça ou de predadores para controle populacional, tenham se tornado pragas, reduzindo o lucro das culturas ou mesmo pondo em risco a segurança humana. Como exemplos, temos a nútria, nas plantações de arroz do Rio Grande do Sul e a capivara, que alem de provocar baixas consideráveis nas culturas de grãos, invade as rodovias provocando acidentes. Estas espécies são altamente produtivas em carne de elevado valor nutritivo, com baixos teores de gordura e colesterol. A apanha dos excedentes na natureza para a formação dos planteis matrizes dos criadouros comerciais, além de reduzir os prejuízos, proveria os produtores rurais de mais esta fonte de renda ou de alimento. Entretanto, algumas pessoas e mesmo alguns técnicos do IBAMA não entendem este papel regulador de populações e continuam dificultando a utilização destes excedentes. Exemplificando com a nútria: mesmo sabendo do grande prejuízo que vêm provocando aos produtores de arroz, é dificil conseguir a autorização para a sua criação em cativeiro e a permissão é para a exploração das mutações obtidas no exterior e não as nútrias das plantações gaúchas. A não ser que haja uma justificativa técnica por parte do IBAMA do Rio Grande do Sul, este procedimento incorre em dois possíveis problemas: 1º- os mutantes podem escapar e se espalhar nas populações selvagens, introduzindo novos genes cujos efeitos em condições naturais são desconhecidos e 2º – sendo oriundos do exterior, podem introduzir doenças não existentes, tendo em vista as precárias condições de vigilância sanitária animal no pais. O mesmo se aplica às emas importadas, principalmente da Holanda, sem serem submetidas à quarentena.

Na fase atual dos conhecimentos e de mercado, são indicadas para exploração imediata como fonte de alimento:

 

Capivara (Hydrochoerus hydrochaeris), nútria (Myocastor coypus) cateto (Tayassu tajacu), quixada (Tayassu pecari albirontris), cutia (Dasyprocta sps) paca (Agouti paca) emas (Rhea americana) e perdiz (Rhynchotus rufescens).

Outras espécies, inclusive quelônios e répteis, poderão aumentar esta lista,. tão logo pesquisas resultem em tecnologia de manejo que as tornem uma exploração zootécnica acessível aos produtores rurais.

Além da alimentação, o gargalo das criações destes animais no Brasil é o abate, processamento e comercialização dos produtos. Existe apenas um abatedouro registrado de animais silvestres, com domínio sobre os preços e tipos de corte. As tartarugas vêm de avião do Norte para serem abatidas em São Paulo. Capivaras são transportadas por mais 2 mil km para serem abatidas, e as carcaças são comercializadas para os restaurantes sem a retirada da pele, pois ainda não há comércio para ela no país, resultando em elevação do custo da carne e consequentemente do prato, tornando-o inacessível para a maioria da população brasileira. Um casaco de couro de capivara na Argentina custa aproximadamente 600 dólares, mas o volume de abate de capivaras no Brasil é muito pequeno para que possa interessar a um curtume.

A exploração de animais silvestre no Brasil encontra-se na fase denominada pelos americanos de “Breeding fase”, passando para a de Produção. Urge uma movimentação dos diversos segmentos para organizar o processamento e comércio dos produtos, para absorver os poucos e esparsos exemplares dos criadouros. O sucesso da exploração dependerá da organização, por região, de cooperativas ou associações para um trabalho conjunto. Os criadores de emas e capivaras no rio Grande do Sul estão se organizando neste sentido, produção e consumo na região, e projetando ações para o estabelecimento de quotas a serem atingidas de acordo com as disponibilidades de produtor rural para um volume mensal de produção que permita atender o mínimo necessário a exportação, ou seja 12 toneladas. Compradores no exterior já têm, falta volume de produção.

 

Por que importar javalis, avestruzes, codornas, perdizes e faisões, se têm animais similares já adaptados ao ambiente e sem riscos de introdução de doenças? A primeira atitude para reverter esta situação compete ao Ministério do Meio Ambiente, facilitando e incentivando a exploração da fauna autóctone, com o apoio de todos os segmentos envolvidos.

 

Finalizando: “SABENDO CRIAR, NÃO VAI FALTAR” – frase em cartaz do IBAMA, complementaria com E SERÁ LUCRATIVO.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

DOMINGUES. O Introdução à Zootecnia. Rio de Janeiro, SAI –MAA, 1968 392p.

 

FEZLER, D. Rhea Oil In: DRENOWATZ, C. Ed. The Ratite Encyclopedia – Ostrich, Emu, Rhea; San Antonio,TX, Ratite Record. Inc. 1995, p. 245-249

 

FEZLER, D. 1999 E-mail: gcr@rhealiving.com

 

GIANNONI, M.L. Emas & Avestruzes, uma alternativa para o produtor rural. Jaboticabal, FUNEP,1996, 49p

 

RUSCHI, A Aves do Brasil. São Paulo: Ed.Rios, 1979237p.

 

SICK, H. Ornitologia Brasileira, uma introdução. Brasília: Universidade de Brasília, 1985;s v;1;482p.

 

SMYTHE, N. Rodentia In: National Research Council, Microlivestock: Little-know small animals with a promising economic future. Washington, National Academy Press.1991 p193-198.

 

Escrito por Miriam Luz Giannoni, em 11/9/2006