Técnicas de Manejo na Criação de Canário-da-Terra

PALESTRA proferida em maio de 2003 em Florianópolis

PALESTRA EM FLORIANÓLIS

No encontro dos Sicalienses, promovido pela COBRAP, dia 03 de maio de 2.003, em Florianópolis – SC, o dr. Paulo Rui de Camargo proferiu palestra, na sede da SAC – Sociedade Amigos do Curió, abordando o seguinte tema:

TÉCNICAS DE MANEJO NA CRIAÇÃO DE CANÁRIO-DA-TERRA

Paulo Rui de Camargo

De início, é importante fazer um rápido retrospecto da classificação taxonômica do gênero Sicalis, classificado por BOIE, em 1828, no qual está incluído o pássaro denominado popularmente, no Brasil, como canário-da-terra.

Como base referencial na classificação científica das várias espécies e subespécies desse pássaro, tomei por lastro os livros de ROBERT S. RIDGELY “Birds of South América”, Vol. I, ed. University of Texas, 2001 e de JAMES PETERS “Check List of the Birds of the World”, vol. XIII, editado por Raymond A. Paynter, 1970, Cambridge, Mass., Museum of Comparative Zoology.

No momento, existem classificados para o gênero Sicalis 11 espécies e 31 subespécies. Acredito, no entanto, que falte ainda uma classificação mais apurada para este gênero, já que se observa, em regiões distintas, o mesmo Sicalis flaveola brasiliesis com formas, colorações de penas, de bicos, de tarsos e pés com cores diversas e portes diferentes. Acredito que esta questão taxonômica será melhor estudada, podendo, no futuro, serem descritas cientificamente novas espécies e novas subespécies.

Abaixo relaciono, por ordem alfabética (para maior facilidade de consulta), as espécies e subespécies do canário-da-terra:

1) Sicalis aurivestris

espécie monotípica. Tamanho: 15 cms. Habita regiões andinas do Chile e Argentina.

2) Sicalis citrina

3 subespécies. Tamanho: 12 cms.

Sicalis c. browni

Sicalis c. citrina

Sicalis c. occidentalis

As subespécies browni e citrina habitam o território brasileiro na região Norte, Estado de Roraima.

3) Sicalis columbiana

3 subespécies – Tamanho: 11 cms.

Sicalis c. columbiana

Sicalis c. leopoldinae

Sicalis c. goeldi

As 3 subespécies habitam o território brasileiro, na região Norte e Centro do Brasil, com distribuição pelos Estados do Amazonas, Pará, Roraima, Goiás e Norte de Minas Gerais, ocorrendo, ainda, na Colômbia e Venezuela. A subespécie leopoldinae é conhecida pela denominação popular de canarinho Urucuia e a subespécie goeldi é conhecida por canarinho-do-Amazonas ou canarinho pirulito.

4) Sicalis flaveola

4 subespécies – Tamanho: brasiliensis e flaveola 13,5 cms ; pelzelni 12,5 cms. e valida 14/14,5 a 15 cms.

Sicalis f. brasiliensis

Sicalis f. flaveola

Sicalis f. pelzelni

Sicalis f. valida

A subespécie brasiliensis habita o território brasileiro, nos Estados do nordeste do Brasil, a partir do Estado do Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte até Alagoas, e também na região central, Estados de Goiás, Tocantins e Minas Gerais e região Sudeste, Estados do Rio de Janeiro e São Paulo. A subespécie flaveola também habita o território brasileiro, em partes do Estado do Acre e Amazonas, na região fronteiriça com a Venezuela. Esta subespécie é peculiar na Venezuela e Colômbia. A subespécie pelzelni habita o Brasil, nos Estados do Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e sul e sudoeste do Estado do Mato Grosso do Sul, ocorrendo, também, no Uruguai, Paraguai e Argentina. A subespécie valida habita regiões andinas do Peru, Equador e Bolívia.

5) Sicalis lebruni

espécie monotípica. Tamanho: 14 cms. Habita o extremo sul da Argentina e Chile.

6) Sicalis lutea

espécie monotípica. Tamanho: 13,5 cms. Habita locais montanhosos do Peru, Bolívia e também Argentina.

7) Sicalis luteocephala

espécie monotípica. Tamanho: 14 cms. Habitante da Bolívia.

8) Sicalis luteola

4 subespécies . Tamanho 11,5 a 12 cms.

Sicalis l. bogotensis

Sicalis l. chapmani

Sicalis l. chrysops

Sicalis l. eisenmanni

Sicalis l. flavissima

Sicalis l. luteiventris

Sicalis l. luteola

Sicalis l. mexicana

Habita o Brasil em varias regiões (migrante), desde a região Norte, Oeste, até a região sul e também Argentina, Bolívia e Colômbia. As subespécie Sicalis flavissima, luteola, chapmani e luteiventris são habitantes do território brasileiro.

9) Sicalis olivascens

4 subespécies. Tamanho: 14 cms.

Sicalis o. chloris

Sicalis o. mendozae

Sicalis o. olivascens

Sicalis o. salvini

Habita regiões andinas do Peru, Bolívia, Chile e Argentina.

10) Sicalis raimondii

espécie monotípica. Tamanho11,5 cms. Habitante do Peru.

11) Sicalis taczanowskii

espécie monotípica. Tamanho: 12 cms. Habitante do Equador e Peru.

Da relação taxonômica acima, pode-se verificar que o gênero Sicalis, no Brasil, possui 4 espécies (exemplo: citrina, columbiana, flaveola e luteola) e 12 subespécies (exemplo: citrina 2 subespécies (browni, citrina) ; columbiana 3 subespécies (columbiana, goeldi, e leopoldinae) ; flaveola 3 subespécies (brasiliensis, flaveola e pelzelni) e luteola 3 subespécies (chapmani, luteiventris e luteola)

Passarei, agora, a descrever vários conceitos, associados direta ou indiretamente a manutenção e criação dos canários-da-terra em ambiente doméstico.

I

Um dos itens mais importantes, na mantença e procriação das aves em gaiola, diz respeito aos procedimentos e à maneira certa de implementar um manejo adequado.

Entende-se por manejo adequado a utilização racional e a observância de todos os requisitos básicos, bem como o gerenciamento correto de todas as técnicas que envolvem a proteção e biosegurança dos pássaros. Esses cuidados o ornitófilo deve observar e, logicamente, executar para o bom tratamento de seus animais de estimação.

Nesta palestra irei abordar os seguintes tópicos: 1) alojamento-abrigo – local onde as gaiolas irão ser colocadas; 2) limpeza e higienização; 3) dietas – alimentação; 4) profilaxia – cura de doenças; 5) biosegurança ; 6) companheiros de reprodução ; estratégias de criação; 7) possibilidades de as aves criarem a prole ; 8) procedimentos de lida, limpeza e trato.

II

Geralmente quem inicia a criação de pássaros em gaiola pensa sempre, em primeiro lugar, na aquisição dos reprodutores. E deixa, para segundo plano, outros itens muito importantes, que precisam ser verificados antes da compra das matrizes.

Em primeiro lugar, deve-se pensar no local de abrigo dos reprodutores, ou seja, onde deverão ser alojados. Não me refiro, aqui, as gaiolas, mas ao aposento onde elas serão colocadas.

POSIÇÕES DO SOL: Sobre o local onde as gaiolas irão ser posicionadas, é bom lembrar que este lugar deve respeitar as posições do sol durante o dia. O cômodo onde as aves irão ficar alojadas deve ter um telhado de preferência com telhas de barro (que isolam melhor calor) para proteção contra a intensidade dos raios solares, do sereno e da chuva, mantendo um controle térmico saudável. Deve, ainda, possuir amplas janelas e portas teladas, para evitar fuga de pássaros e impedir a entrada de aves silvestres (especialmente pombas, pardais, rolinhas), que podem introduzir doenças e piolhos ou, ainda, moscas, pernilongos, ratos, baratas, lagartixas, aranhas e outros animais nocivos.

LUMINOSIDADE: O ciclo de iluminação é essencial durante a criação, pois tanto o excesso como a falta de luminosidade têm reflexos diretos no ciclo reprodutivo e nos rituais de acasalamento, especialmente nas fêmeas, para início da postura. É sempre benéfica a entrada de raios de sol, na parte da manhã, no aposento de criação. Sabe-se que o sol funciona como germicida natural. A luminosidade é essencial ao bem estar dos pássaros, seja durante a criação, seja no período de repouso (muda de penas). As aves seguem seu biorítmo normal, em função dos períodos de luz. A luz, natural ou artificial, captada pela retina dos olhos dos animais, promovem estímulos nervosos, captados pelo hipotálamo, estimulando os machos a produzirem suas vocalizações sonoras e, nas fêmeas, induzindo-as a iniciar o ciclo reprodutivo anual. Um ambiente iluminado propiciará melhores condições de saúde para os pássaros, o que nos faz lembrar o tradicional ditado “casa que entra sol, não entra médico nem remédio”.

AREJAMENTO: De outro lado, o local precisa ser arejado, com temperatura mais ou menos estável (entre 21/28graus centígrados), com bastante claridade (sem insolação direta por muito tempo). Este local necessita, outrossim, ser seco (sem excesso de umidade) e isento de correntes diretas de vento encanado. O ar quente e viciado, sem uma eficiente ventilação, além de demasiada umidade, constituem fatores desfavoráveis à mantença e a criação das aves em domesticidade. Outro ponto problemático são odores e cheiros desagradáveis, os quais precisam ser eliminados, com adequada e constante renovação de ar puro. Por fim, o piso e as paredes devem ser constituídos de materiais que facilitem a limpeza e a lavagem.

Umidade do ambiente: ambientes úmidos, facilitam a prliferação de fungos e bactérias, com conseqüências drásticas para a saúde dos pássaros.

Ainda no que tange a este primeiro item, deve ser observado onde a ave irá ser alojada. Se for apenas um pássaro (que irá ser mantido isolado, por exemplo, só para cantar), ele pode ser instalado numa gaiola, compatível com o seu tamanho. Exemplificando, se for um brejal ou um coleirinho, uma gaiola pequena. Se for um corrupião ou um sabiá, uma gaiola maior e, assim por diante.

CRIAÇÃO MONOGÂMICA E POLIGÂMICA : Se o objetivo for a criação monogâmica (um casal por gaiola), este casal deverá ficar confinado em uma gaiola-criadeira com espaço suficiente para estes moradores. Se a criação for poligâmica (um macho para várias fêmeas) cada fêmea deverá ocupar sua própria gaiola-criadeira e, o macho, a sua. Os reprodutores serão unidos quando o macho estiver fogoso e cantando e, a fêmea, pedindo gala. Depois da gala o macho volta para sua gaiola. Esta operação geralmente é feita durante um ou dois dias (alguns criadores usam três/quatro dias) para que todos os ovos sejam fertilizados. Toda gaiola deve ter as acomodações necessárias de molde a atender as necessidades espaciais das espécies nelas mantidas. As melhores gaiolas criadeiras são aquelas que têm grade acima do piso ou da bandeja de fundo, evitando que as aves tenham contato direto com os excrementos.

GAIOLAS – SUPORTES – PRATELEIRAS – ESTRUTURAS : Em criações domésticas, as gaiolas podem ser colocadas em estruturas metálicas (tipo armação-carrinho), em prateleiras, ou penduradas, em suportes, nas paredes de um cômodo, ou de um quarto especialmente destinado a esta finalidade. Jamais pendurar as gaiolas em paredes emboloradas, mofadas e úmidas, ou em corredores, onde haja ventos frios, constantes e encanados. Estes fatores negativos prejudicam a saúde das aves. As gaiolas devem ser posicionadas uma ao lado da outra, de maneira que os reprodutores não se visualizem. Nos lados das gaiolas coloca-se um anteparo, um tabique de madeira, chapas de metal, ou divisórias de plástico ou acrílico para impedir a visão.

ACESSO VISUAL: Durante o período reprodutivo os casais não podem ter acesso visual a outras gaiolas. Se os reprodutores enxergarem-se uns aos outros a criação fica inviabilizada (devido ao instinto territorialista, belicoso neste período), pois os reprodutores passam a maior parte do tempo hostilizando-se mutuamente. Os machos brigam com suas próprias fêmeas, estas podem não fabricar o ninho ou mesmo destruí-lo depois de pronto, além da morte de filhotes pelos pais (por falta de alimentação, ou porque são rejeitados ou porque acabam sendo expulsos e jogados fora dos ninhos).

III

O segundo item limpeza – higienização – desinfecção é fundamental na manutenção de qualquer animal cativo. Tudo o que se relacionar à mantença dos pássaros e aos utensílios/equipamentos usados precisam ser escrupulosamente limpos, assim também o local de criação, as gaiolas, os bebedouros, a água servida, os alimentos (sementes, farinhadas, frutas, legumes, verduras, grit (mistura de areia/casca de ovo triturada/farinha de ostra e sais minerais), os comedouros, vasilhas, poleiros, os ninhos, as caixas-ninho, os materiais de sua confecção. Sem uma higienização bem feita, nenhuma ave poderá manter-se em condições de plena saúde e, obviamente, o sucesso na criação ficará na dependência da eventualidade.

LIMPEZA DAS GAIOLAS deve começar pela bandeja do fundo. Retiram-se os papéis que revestem o piso (se eles forem utilizados) ou limpam-se as fezes e outras resíduos com uma espátula e uma esponja, tudo para evitar que os dejetos ou mesmo a poeira acumulados venham a contaminar os alimentos e a água de beber. Depois da limpeza do piso, pode-se trocar as sementes, a ração e as farinhadas e, por último, a água. Os comedouros, bebedouros, grades e pisos devem ser limpos e desinfetados (exemplo: cloro diluído em água) pelo menos de três em três dias. Isto é fundamental.

BANHOS : Os pássaros devem tomar banhos frequentes, de preferência uns quatro por semana, no mínimo. Durante a época de muda de penas, o banho deve ser diário, desde que, obviamente, o tempo estiver bom. Se a ave não quiser tomar banho, o criador-ornitófilo poderá borrifar água nas penas, por meio de um borrifador/aspergidor. Não esquecer dos banhos de sol, nas primeiras horas da manhã. Isto é extremamente salutar à saúde dos animais. De vez em quando um passeio com o pássaro ou a mudança da gaiola de lugar também influencia na melhoria da atividade e no comportamento. Estes passeios ou mudanças despertam a agilidade, ajudam a “esquentar” um pássaro que estava inativo, indolente ou “frio”, sem fogosidade ou tenha parado de cantar.

IV

O tópico dieta – alimentação também constitui outro ponto primordial, que jamais poderá ser desprezado, pois dele irá depender a higidez do plantel. Não esquecer que o passarinho que vive em gaiola não tem as mesmas oportunidades de escolha de alimentos do que dispõe um pássaro livre. Assim, deve-se compensar este aspecto, assegurando as pássaros engaiolados um dieta saudável, rica, variada de opções, para que os animais façam a escolha de acordo com sus necessidades. A comida a ser servida deverá ser a melhor, a mais saudável, a mais fresca e limpa possível. Observar os prazos de validade dos produtos e suas respectivas procedências. Nunca esquecer as especializações de dietas, como, por exemplo, entre os pássaros frugívoros e insetívoros.

SEMENTES : Procuro fornecer o maior número variado de sementes, isentas de poeira e sujidades, em uma proporção de 60% de alpiste, entremeado e misturado com outras sementes da estação, como os painços (branco, amarelo, português, vermelho, verde e preto), niger, perila, nabão, colza, gergelim, senha e milheto. Na mistura de sementes acrescento (para quilo de sementes) 2 colheres de sopa de Emulsão de Scott (óleo de fígado de bacalhau). Incorporo o óleo de fígado de bacalhau às sementes, revolvendo as sementes e mexendo com as mãos até que a emulsão desapareça, sendo absorvido pelas sementes. Forneço, também, em recipientes separados uma mistura de arroz sem casca, quebrado, do tipo mitu (japonês) ou arroz integral, sem casca, quebrado, misturado com quirerinha fina de milho e trigo quebrado usado para quibe.

ALIMENTOS VEGETAIS : Em meu aviário, as verduras, legumes e frutas são outras fontes alimentícias importantes e necessárias, fornecidas diariamente, dando variabilidade de opções na dieta dos pássaros. Elas são fornecidas variando-se os tipos de verdura, legumes e frutas. Todos são higienizados antes de serem disponibilizadas para as aves. Utilizamos o microcloro que, diluído na água, atua como bactericida. Os vegetais são deixados imersos durante 15 minutos no agente bactericida. Depois lavados e servidos aos pássaros.

VERDURAS: entre as hortaliças destaco o almeirão e a escarola, mas dou, também, intercaladamente, couve (inclusive os talos), catalonia, radiche, folhas de beterraba, acelga, espinafre, repolho, folhas de caruru, agrião e rúcula.

LEGUMES: o pepino forneço em pedacinhos, tipo cubos pequenos ( 3 cms X 3 cms), todos os dias, o ano todo. Outros legumes como jiló (dois tipos), maxixe, berinjela, abobrinha italiana e abobrinha de pescoço, rabanete e pimentas, dedo-de-moça e cambuci .

FRUTAS : Entre as frutas a número 1 é a banana (tanto a nanica, prata e ouro), maçã, pêra, carambola, laranja, melão (a parte branca perto da casca), goiaba, araçá, podendo ser usadas outras frutas regionais, dependendo da região onde os pássaros estão alojados.

GRIT: A mistura de areia, casca de ostras/mariscos/de ovos de galinha, misturado com sais minerais e carvão vegetais em micro partículas, é imprescindível estar permanentemente, disponível em todas as gaiolas, para todos os pássaros, durante o ano todo. Normalmente utilizo areia de praia (do tipo tombo – repleta de partículas de conchas, de casca de ostras e mariscos.

V

Sobre profilaxia e doenças, é necessário alertar para alguns detalhes importantes e indispensáveis. Toda ave que entrar no aviário deve passar por uma quarentena. Nesta etapa, há que se proceder a uma observação criteriosa da ave para verificar se, eventualmente, apresenta alguma anomalia na saúde. O criador de aves precisa manter o sistema imunológico de seus pássaros sobre controle. Neste período, o criador fará um controle diuturno, observando atentamente o comportamento do animal recém introduzido. Além disso, deverá aspergir um anti-ácaro/piolho, bem assim um vermífugo para matar qualquer endo-ecto-parasita que esteja incrustado nas penas e eliminação de vermes do intestino. De outra parte, neste período, o orniticultor deve colocar diariamente um recipiente para banho. Logo apos o pássaro haver feito a limpeza das penas, a banheirinha pode ser removida em seguida, evitando-se que o líquido remanescente, quase sempre impuro, possa ser ingerido.

EXERCÍCIOS APÓS A MUDA: É adequado que o pássaro seja estimulado ao exercício após a muda, pois, embora o repouso e a tranqüilidade seja um aspecto importante durante a fase de renovação de penas, precisamos restaurar sua disposição, após este período de ociosidade física. Para as fêmeas e machos a tonicidade muscular é um fator de extrema importância. Nos machos, para reabilitarem a sua disposição para o canto, bem como, para assegurar vigor durante o sobrevôo das galas, e, nas fêmeas, para evitarmos a dificuldade para expelir ovos, devido a falta de um tônus adequado, nos músculos do oviduto.

Sintomas anômalos no comportamento, na postura e mesmo a inatividade ou atividade diferente do pássaro devem ser prontamente investigados e as causas combatidas imediatamente, com medicação específica. Em caso de dúvida sobre qual o procedimento correto ou remédio apropriado, o melhor é consultar um veterinário, de preferência especializado em aves, inclusive com a realização de exames, inclusive das fezes, não só para detecção de enfermidades, como para posterior tratamento, com medicamentos condizentes.

Aqui cabe um outro aviso. Trata-se dos poleiros. O melhor, no meu entendimento, é substituir os poleiros industrializados, todos do mesmo diâmetro, por outros (no especial ramos e pequenos galhos de árvore), escolhendo três diâmetros distintos: um poleiro mais grosso, um médio e outro mais fino. Isto evita deformações nos tarsos, dedos e unhas, inclusive futuros problemas nas articulações, nervos e músculos, já que poleiros, todos iguais, do mesmo diâmetro, acabam causando lesões articulares e crescimento exagerado das unhas.

VI

A respeito do quinto item, pode-se definir biosegurança como o conjunto de medidas e práticas de manejo para minimizar ou evitar no plantel a presença de bactérias, fungos, vírus, parasitas, microorganismos indesejáveis, insetos ou roedores, que possam vir a contaminar ou alterar a salubridade, a boa saúde dos habitantes do aviário. O objetivo da biosegurança é manter a saúde dos pássaros sob rígido controle, para que possam viver, crescer, mudar as penas, acasalar, botar e chocar seus ovos e que estes possam eclodir sem problemas, os filhotes possam se desenvolver e atingir a idade adulta. A biosegurança deve servir para um perfeito controle sanitário, evitando-se fatores de risco, o contágio de animais doentes e a proliferação de doenças.

FRESTAS E BURACOS : Neste item é fundamental lembrar que todas as trincas, frestas, buracos e aberturas estejam devidamente fechadas, não permitindo a entrada de piolhos, mosquitos, pernilongos, vespas, formigas, aranhas, baratas, gongos, camondongos, ratos e ratazanas e outros animais indesejáveis, que podem dissiminar agentes transmissores de moléstias contagiosas.

DESINFECÇÃO : Outros pontos a serem observados com rigor dizem respeito a desinfecção periódica do aviário, fornecimento de água pura, limpeza diária do chão, sementes, verduras, legumes e outros alimentos. Todos os alimentos devem ser bem lavados e de preferência desinfetados.

VII

Companheiros de reprodução–Estratégias de criação. Bem antes do início dos períodos procriatórios (entre março-abril a setembro-outubro), ou seja nos meses de maio/junho/julho/agosto os reprodutores precisam descansar, repor suas forças e energias, ser bem alimentados e vermifugados para terem boa saúde durante a época de cria.

USO DE PÁSSAROS AMAS. Este recurso pode se tornar um grande facilitador da criação doméstica. Para facilitar a criação de

Canários da Terra, podemos recorrer a utilização de “amas”, que atuarão como pais adotivos.

Distintos motivos podem justificar a adoção deste recurso: a) fêmeas que bicam seus próprios ovos; b) outras que botam seus ovos fora do ninho; c) outras que botam, mas não chocam; d) outras que lançam seus filhotes fora do ninho; e) outras que não alimentam adequadamente seus filhos; f) outras que bicam e acabam matando os seus filhotes; g) para aumentar a produtividade, deixando para as fêmeas de Canário da Terra apenas a função da postura.

Assim, para suprir necessidades que se apresentem em situações adversas, ou mesmo para aumentar a produção de filhotes, a utilização de pássaros “amas” tem-se mostrado uma excelente alternativa. Uma fêmea de Canário da Terra, que fique apenas com o mister de botar, permitirá que tenhamos até 8 posturas na temporada, pois a incunbência da choca e alimentação dos filhotes, ficarão para as “amas”.

Após anos de experiência, percebi que a melhor “ama”, são os Canários (Serinus canarius) da conhecida Raça Espanhola. São canários de menor porte.Mostram um excelente instinto maternal, e, tanto as fêmeas como os machos, apresentam um comportamento bastante satisfatório.

Ressalte-se por fim, que para evitarmos contaminação cruzada, sempre devemos tratar primeiro as gaiolas que tem filhotes, em seguida os pássaros novos, antes de manejar as gaiolas onde encontam-se somente pássaros adultos. Este roteiro está associado com a lógica imunológica, onde, os pássaros adultos, apresentam um sistema imunológico mais maduro.

MELHORES AVES : O passarinheiro deverá escolher, para servir de reprodutores, os seus melhores pássaros do plantel. A escolha deve recair nos exemplares que apresentarem os melhores dotes, seja no porte, postura, alimentação dos filhotes, aspecto das penas, agilidade, fogosidade, fibra, valentia e, principalmente, a qualidade do canto dos machos. Evitar sempre aves doentes, de qualidades inferiores, medrosas, com penas sem viço e impróprias para a reprodução.

LINHAGEM E SELEÇÀO GENÉTICA : Na criação doméstica a linhagem e a seleção genética são requisitos importantes. A perfeição haverá de ser exigência fundamental, a mola mestre na escolha dos reprodutores. Em certas espécies de pássaros (por exemplo, bicudos e curiós), um fator básico e indispensável a ser considerado é a qualidade do canto, bem como a sua repetição. Não esquecer, ademais, que as vocalizações dos machos têm papel preponderante na criação. O canto dos machos exerce um poderoso efeito excitante no sistema nervoso das fêmeas, mudando o estado fisiológico dos seus cérebros, aumentando os níveis de hormônio que, por sua vez, acabam influenciando no comportamento sexual-reprodutivo. Por isso, elas precisam ouvir os machos cantar. Os repertórios vocais, com variedades de sons, ritmos e intensidades, acabam acelerando e desencadeando, na época própria da procriação, os processos reprodutivos.

VIII

A possibilidade de os pássaros criarem a prole é outro tema basilar.

INFORMAÇÕES E ESTUDOS : De nada adianta ter bons reprodutores, local adequado, gaiolas e recintos apropriados, se não forem conhecidas as regras básicas e os procedimentos capitais de criação de pássaros em cativeiro. Nada deve ser feito de orelhada, sem planejamento e sem conhecimentos especializados. Muita gente tenta criar, mas desconhece por completo os rudimentos mínimos das práticas de manejo procriatório. Por isso, a criação doméstica muitas vezes fracassa ou fica por conta do acaso. Assim, o criador consciente tem obrigação de procurar informações. Necessita ler, estudar, pesquisar, visitar aviários de outros criadores, a fim de observar e obter os subsídios necessários sobre a espécie que pretenda criar. Cada gênero e cada espécie de pássaro tem suas peculiaridades próprias na criação. Desta forma, não adianta arriscar, gastar tempo e dinheiro à toa, uma vez que sem base e sem o sólido apoio de conhecimentos, o futuro é incerto e, quase sempre, desastroso. Aí o desânimo toma conta do criador despreparado.

IX

O oitavo e último item, isto é os procedimentos de lida, trato e limpeza são também itens que podem ser melhor executados, minimizando o trabalho do ornitófilo. A lida é o modo, a maneira como os nossos animaizinhos de estima são diariamente examinados, zelados, manejados, nutridos, eventualmente manipulados, curados e medicados. A lida deve ser racional, um passatempo gratificante. Jamais encarada como encargo obrigacional entediante, uma incumbência ou um fardo maçante. O prazer deve substituir a chatice. A lida, o trato e a limpeza devem ser realizadas com calma, sem atropelos, sem barulhos desnecessários e gestos bruscos. Ela pode ser cumprida de forma a economizar energia e tempo do passarinheiro. Por exemplo: encher e trocar a água dos bebedouros Esta troca não deve ser feita gaiola por gaiola. O melhor procedimento é possuir um número dobrado de bebedouros. Se o passarinheiro tiver dez gaiolas deve possuir mais dez bebedouros de reserva. Ele irá encher, de uma única vez, os dez bebedouros de reserva e os colocar em cada gaiola. Esta será apenas uma operação. As mãos ficarão molhadas uma vez só. Os outros bebedouros usados serão imersos em uma vasilha ou balde de plástico, com água clorada. O próprio cloro higieniza os bebedouros, os quais, no dia seguinte, estarão limpos para serem usados novamente. Estes procedimentos ergonômicos agilizam o processo de lida, economizando, como dito acima, energia e tempo do criador, facilitando o serviço. Este é apenas um exemplo de como a lida, limpeza e trato podem se transformar em tarefas mais racionalizadas e menos cansativas, especialmente para empregados domésticos, que adoram executar o mínimo trabalho, utilizando a lei do menor esforço como paradigma de suas atividades.

Ruídos e barulhos: um ambiente ruidoso, pode gerar incomodas situações de stress para os pássaros, quebrando sua imunidade, deixando-os suceptiveis a instauração de doenças.

Correntes de Ventos: o local deve estar abrigado de correntes de vento, fator que poderá ocasionar problemas respiratórios para os pássaros, devido às variações bruscas de temperaturas, bem como, ao ar carregado de pó.

LIMPEZA DAS GAIOLAS: A limpeza nas gaiolas deve começar pelo bandeja do fundo. Retiram-se os papéis que revestem o fundo do piso (se forem utilizados) ou remove-se as fezes e outros detritos, evitando-se assim, que a poeira levantada neste momento, contamine a nova comida e água de bebida que será fornecida aos pássaros. Após limpada a bandeja, é que iremos trocar as sementes, a ração, farinhada e por último a água de beber.

X

O tema deste desta explanação é repleto de procedimentos que poderiam ser melhor esclarecidos para propiciar mais informações complementativas ao criador iniciante. Mas o limite de tempo desta palestra inibe a inclusão de outras especificidades e maiores explicações técnicas. Este conferencista, todavia, está a disposição para, se for o caso, prestar esclarecimentos ou solucionar de quaisquer dúvidas.

Maio de 2.003

O palestrante é 1º Diretor Técnico de Criação de Canário da Terra da COBRAP

Escrito por Paulo Rui de Camargo, em 12/1/2004

 

Mutações em Canário-da-Terra

Mutações em Canário-da-Terra

Palestra proferida na Faculdade UNESP-BOTUCATU

PALESTRA EM BOTUCATU

Paulo Rui de Camargo

Junho de 2003

Mutações em canário-da-terra (Sicalis flaveola) é assunto ainda em evolução. Como estas mutações não foram ainda padronizadas muitas incertezas e desinformação ainda existem entre os passarinheiros. É tema que sugere aprofundados estudos em busca de uniformização das variadas mutações que, a cada dia, vêm surgindo.

Realmente, sem paradigmas que possam defini-las, sem regras explícitas e sem um padrão oficial para disciplinar as diversas classificações das que já foram fixadas, sem conhecimento de suas respectivas denominações e sem as descrições dos pássaros mutantes, muitas dúvidas e celeumas ainda irão persistir no meio ornitológico.

Esta minha exposição serve, portanto, de marco inicial para que, no futuro, se possa uniformizar e regulamentar as mutações já conhecidas e definir as já fixadas. Inicialmente, há que se esclarecer que as aves, em estado nativo, são obrigadas a confrontos e, muitas vezes, a entrar em disputas para melhor sobreviver as adversidades. Se necessário, elas pelejam até com outros pássaros para conseguir alimento, para conseguir refúgios, locais de nidificação e para fixação de territórios de procriação. Os exemplares mais valentes, aguerridos, mais aptos, fortes e portadores de fibra, vão ganhando espaço para participar dos atos reprodutivos. Com isso, podem alcançar o privilégio à reprodução e de perpetuarem a espécie, transmitindo seus genes aos descendentes.

Os pássaros também evoluem para melhor se adaptarem ao meio ambiente. E durante esta escala evolutiva, podem ocorrer mudanças e alterações no DNA. Assim, pode-se definir mutação como qualquer alteração ou modificação permanente do DNA. A nós, ornitófilos, o que interessa são as mutações que transformam, alteram ou mudam a coloração e as marcações das penas dos pássaros silvestres, já que, ocorrendo a mutação, as tonalidades, as marcas e estrias passam a apresentar diferenciações de seus ancestrais nativos.

Quero pedir licença aos nobres companheiros para esclarecer que nÃo sou bióogo, nem geneticista, mas apenas um criador de passeriformes, empenhado em fazer com que o nosso canário-da-terra (esta fascinante espécie de ave canora), seja valorizada e que suas mutações sejam conhecidas, compreendidas e padronizadas. Estou, apenas há alguns anos, me especializando na criação destas mutações.

Minhas vivências pessoais, com as mutações deste pássaro, tiveram iní­cio há mais de 35 anos atrás, quando, na década de l966/67, pela primeira vez, pude ver e admirar alguns canário-da-terra mutantes, na coleção do meu grande amigo NELSON MACHADO KAWALL. Ele possuía vários canários-da-terra mutação canela e um fêmea lutina (amarela de olhos vermelhos). No Rio de Janeiro, um outro meu amigo, MARIO VENTURA, tio de nosso ilustre e operoso Presidente da COBRAP, ALOISIO PACINI TOSTES, também possuí­a um macho lutino.

Segundo me informou o Nelson (grande conhecedor do assunto), a primeira mutação a surgir em canário-da-terra foi a canela. Depois, por volta de 1975, Nelson Kawall vendeu sua bela e rara coleção de pássaros mutantes a um outro meu amigo, ENNIO DE ARAÚJO FLECHA, o qual, durante muitos anos, criou dezenas de mutações de vários pássaros nativos brasileiros. Posteriormente, também vi, no aviário do Dr. TRAMUJAS, médico em Curitiba, outros exemplares mutantes.

Naquela ocasião, se não me falha a memória, as mutações existentes eram de pássaros canelas, os dois lutinos já referidos, alguns amarelos de olho preto (ainda apresentando marcações melânicas nas costas, asas e rabadilhas) e canários-da-terra manchados, com variados tons de amarelo e negro, os chamados arlequins. Muitos não eram verdadeiras mutações, mas pássaros que apresentavam manchas e pintas de cores diversas, resultantes de deficiências ou mudanças de hábitos alimentares.

Posteriormente, apareceram uns canários amarelos, de uma cor chamada de “flor-de-milho”, com poucas penas negras, originários do Ceará, que eram muito disputados por colecionadores. Mas a mutação (se é que era mutação), não foi fixada. Existiam também, na época, canários-da-terra do Sul (Sicalis flaveola pelzelni), com coloração diversificada. Esses canários vinham do Mato Grosso do Sul e eram denominados popularmente cinza cor-de-palha, cuja coloração era um cinzento claro amarelado. A plumagem de fundo era amarela bem suave. Essa novidade também, segundo me consta, não foi fixada.

Daí­ para frente, me interessei por esses tipos de pássaros de cores diferentes das normais. Ao depois, mais recentemente, surgiram as mutações ágata e após as opalinas e isabelinas.

Quanto às pseudo ou verdadeiras mutações arlequins (canários manchados), ainda pairam dúvidas se elas são, de fato, mutações autênticas, ou não, isto é, se podem ser transmitidas e fixadas. De minhas experiências, ainda não tenho uma opinião formada. Não se sabe se essa mutação (ou não) seria dominante ou recessiva e se poderia haver a denominada codominância, como acontece com os periquitos australianos. Em rolinhas caldo-de-feijão (Columbina talpacoti), esse tipo de variação cromática jamais se fixou.

As mutações não constituem fatos incomuns. Aparecem em quase todas as espécies de animais. Elas acontecem quando ocorrem alterações nas moléculas do DNA (ácido desoxirribonucleico). Assim, quando incide uma modificação alterativa nessas moléculas, são produzidas igualmente alterações nos genes, dando origem às mutações.

Em genética, mutação é obra do acaso. Algumas mutações são raras e só ocorrem 1/1.000.000 vezes, isto é, quando aparece um indiví­duo mutante já nasceram um milhão de indiví­duos considerados “normais”. Este fenômeno foi constatado em peixes.

A mutação, portanto, é modificação natural de um gene, que acontece num determinado momento da evolução. Este gene, em vez de continuar transmitindo o mesmo patrimônio hereditário, passa a produzir outras caracterí­sticas, totalmente diferentes das que vinham se manifestando em sua descendência, em caráter hereditário.

Como o canário-da-terra só agora, a partir da década de 1975, vem sendo criado, em regime de domesticidade (a criação doméstica começou a ser incrementada com regularidade somente após a década de 1990), existem raros e esparsos relatos de mutações nesta espécie de pássaro. Este assunto está ainda embrionário na ornitofilia brasileira. Muita gente nem sabe que existem mutações em canário-da-terra. Até hoje, minguadas confirmações técnicas e fontes seguras das reais mutações que já apareceram podem ter confirmação de sua existência e fixação genética. A razão é simples: poucos criadores abnegados puderam concentrar seus esforços neste capí­tulo apaixonante da história deste nosso pássaro, um dos mais estimados pelo povo brasileiro, especialmente da zona rural.

Aliás, sobre o assunto, o ornitófilo sicaliense da cidade de Campinas, o ilustre IVAN DE SOUZA NETO (1º Diretor de Canto de Canário-da-Terra da COBRAP), também enfatiza esta carência de informes técnicos, quando afirma que ainda estamos na fase de estudos e entendimentos das ocorrências das mutações. Pouquíssimas informações têm sido adequadamente registradas e temos, para o momento, muito mais de resultados acidentais, sem nenhum estudo acumulativo de informações e observações (vide e-mail do dia 03/06/03 remetido à lista dos grupos de CT).

Acreditamos, entretanto, que as mutações já existentes serão fixadas e o número de exemplares mutantes aumentá e diversos criadores irão partir velozmente para criar canários-da-terra mutantes, visando obter novas cores, como aconteceu com o canário-de-cor ou canário-do-reino.

Esta carência de informações, todavia, não acontece com o Serinus canarius. Segundo consta dos manuais de canaricultura, o referido pássaro, originário do arquipélago das Ilhas Canárias, o popularmente conhecido canário doméstico, canário-do-reino, canário-belga, roller ou de cor, vem sendo criado pelo homem há mais de 500 anos.

Durante este longo perí­odo, centenas de mutações de cores surgiram, foram fixadas e transmitidas ao longo dos anos. Hoje, o número de cores novas (diferentes do tipo normal silvestre) já ultrapassa quatrocentos e cinquenta. Este detalhe é relevante, na medida em que induz os criadores a buscarem o aperfeiçoamento, melhorarem o que existe e chamarem a atenção do grande público para a canaricultura de cor. O canário selvagem, primitivo, em face da contínua seleção e aprimoramento genético realizado pelos criadores, foi, aos poucos, sendo alterado, inclusive em seu tamanho, porte e cores originais.

Toda esta diversidade de formas e mutações de cores, com certeza, também ocorrerá com o nosso canário-da-terra, o nosso guirá nheengatu, como era conhecido dos índios tupí­-guaraní­s. Pensamos que, em futuro não muito longí­nquo, iremos ter um canário-da-terra totalmente vermelho, um totalmente branco, um mutante pastel, um topázio e assim por diante, como acorre com o canário doméstico.

O canário-da-terra se enquadra no tipo denominado negro-marrom, ou marrom oxidado, pois tem agrupado, em sua genética, três pigmentações: o amarelo (carotenóide), um pigmento melânico preto e um outro negro, que diluí­do se torna marrom. Assim, ele carrega tanto o lipocromo, como a melanina. As alterações, as nuances de colorido, podem ocorrer, quer nos carotenóides (lipocromo), quer nas melaninas, exteriorizando-se no manto exterior. A coloração da sub-plumagem, a cor de fundo, parece que não é alterada pela mutação. Entretanto, esta particularidade precisa ser melhor examinada. Esta pigmentação da sub-plumagem geralmente ou é amarela ou cinza-esbranquiçada. Nos pássaros jovens, imaturos, estas cores de fundo são, no começo, cinza/branco. Porém, vão variando e modificando-se posteriormente para uma padronagem de cor parda-amarelada, particularmente na subspécie brasiliensis, o canário-da-terra chamado vulgarmente de canário verdadeiro, chapinha ou canário-do-Nordeste.

Como dito, o canário-da-terra possui três cores básicas, a amarela (com o alarajado-carmim no píleo), a negra e a marrom. No que tange às melaninas ele porta: a eumelanina negra, daí a cor preta e a feomelanina marrom, daí­ a cor marrom. E possui também o lipocromo, daí resultando a cor amarela.

Quando qualquer um dos fatores acima descritos se altera, a plumagem apresenta modificações cromáticas, aparecendo um novo fenótipo. O fenótipo corresponde ao conjunto de fatores hereditários que se modificam e que podem ser vistos, isto é, se exteriorizam visualmente.

Cumpre observar um pormenor importante que ocorre nas mutações de canário-da-terra.

Quando os jovens canarinhos mutantes nascem pode-se observar, alguns dias depois do nascimento, que suas penugens estão pigmentadas de uma determinada cor. Quando, porém, os jovens canarinhos abandonam a caixa-ninho (por volta dos 14/16 dias após o nascimento) e daí­ para a frente, a coloração de suas penas vão se modificando para tons geralmente mais esmaecidos. Por volta de 4/5 meses de idade, as cores (e quando existem estrias e marcas melânicos no dorso) novamente tendem, às vezes, a se atenuar ou ganhar tons mais intensos. E quando o canário mutante atinge a idade adulta (por volta dos 10/12 meses de idade), novamente as cores podem variar de tonalidades, quando, então, as cores e as marcações se definem.

Assim, o criador sicaliense sente dificuldade em especificar, com exatidão, qual a legí­tima mutação de um pássaro imaturo. Por isso, às vezes, é complicado determinar qual a mutação certa, até que o canário atinja a idade adulta, para que o ornitólogo possa definir, com precisão, qual a verdadeira mutação que o pássaro exibe.

Nestes últimos trinta e cinco anos, as mutações que podem ser citadas e que já ocorreram no canário-da-terra são: canela, lutina, arlequim, amarela, ágata, opalina e isabel.

As mutações canela, lutina, ágata e isabel são sexo-ligadas. O experiente criador de pássaros, o já citado ENNIO DE ARAUJO FLECHA, que foi, por muitos anos, Presidente da SOCIEDADE ORNITOLÓGICA BRASILEIRA (SOB), da qual faço parte e que, talvez, junto com seu filho PAULO FERNANDO FLECHA, sejam os mais conhecidos criadores de mutações em pássaros de nossa ornitofauna, informou, em artigo publicado em 1985, a existência de outras mutações em canário-da-terra, a saber: cinza, isabelina, pastel, ágata e opalina.

A mutação canela seria aquela que imprime à plumagem externa do canário-da-terra a tonalidade canela (marrom ou bruna, também chamada de melaço), com alteração das estrias ou marcações dos pigmentos negros, para a cor castanha-marrom, ou seja, a despigmentação da eumelanina, exteriorizando a cor bege-bruna. Num pássaro mutante canela, a íris dos olhos ganha um tom ameixa-pardo-amarronzado, que aos poucos vai escurecendo. Bico e pés creme-castanhos, puxando para uma tonalidade de carne.

A variedade que mais se vê é a castanha-amarelada, com estrias ou marcações pouco visíveis no dorso e com a cor de fundo amarelo pálido. Os exemplares mais vistosos são aqueles que possuem tonalidade parecida a chocolate misturado com leite, com matizes cor de chocolate sobre o dorso e com estrias um pouco mais escuras. O peito e o ventre têm cores mais claras esbranquiçadas com infiltrações de amarelo. É voz unânime entre os criadores de Sicalis que os melhores indiví­duos mutantes canelas são os pássaros que ostentam cores mais achocolatadas e estrias marrom no manto exterior.

Na mutação isabelina (cor canela clara diluí­da) ocorre ausência ou diluição acentuada da melanina preta e também enfraquecimento do pigmento marrom. Com redução pronunciada da melanina preta e diluição do pigmento marrom, este tipo de pássaro fica assemelhado a um pássaro lipocrômico. Bico de cor creme. Pés, unhas e tarsos claros. É uma mutação muito bonita e original, especialmente nos exemplares originários dos Estados nordestinos, como os do Ceará, parte leste do Piauí­ e alguns do Rio Grande do Norte.

Segundo os tratados de canaricultura de cor a mutação do canário isabelino seria fruto de um acasalamento da mutação ágata X canela. Existem canários isabelinos amarelos, com um tom bruno claro bem suave, sobre fundo amarelo pálido. As marcas dorsais são extremamente diluí­das. Os melhores exemplares são aqueles cujas estrias ou marcações são sutis, praticamente invisíveis. A diluição é bem acentuada nas extremidades das penas, rêmiges e retrizes. Eu ainda não vi, mas acho que irá surgir o isabel-prateado, que poderá ter uma cor de chocolate muito diluí­da sobre fundo branco, quase ausentes as marcas dorsais.

Um passarinho dito arlequim não tem uniformidade de coloração. Em alguns indivíduos as penas apresentam, em certas partes do corpo, cores normais, mas, em outras partes, exibem mudanças das marcações ou desenhos melânicos e, diferentemente do normal, outras partes tingidas do pigmento lipocrômico, alguns com cores amarelas de tons bem claros. Outros indivíduos podem mostrar pigmentos melânicos reduzidos, mesclados, diluí­dos ou ausentes, em determinadas porções do dorso, e, em outros casos, estes pigmentos não se distribuem de forma uniforme, na coloração da plumagem. Por isso que, às vezes, na parte superior do pescoço, nas costas, na região uropigiana, nas rêmiges e retrizes e mesmo na rabadilha, o colorido tradicional fica alterado por um fator que imprime estas manchas ou colorações atípicas, enquanto que, em outras, podem continuar com tons amarelados ou mesclados.

Os pássaros arlequins são fruto do cruzamentos de pássaros da linha clara com a linha escura. Por isso ostentam manchas, pintas ou zonas de pigmentação diferentes do normal e isoladas, em determinadas regiões do corpo do animal. Estas “marcas registradas” nascem com o pássaro, não se alteram ou não se modificam com o correr dos anos, bem como com as mudanças anuais de penas. Em alguns exemplares aparecem zonas pintalgadas e, em outros indivíduos, porções do manto plumário exterior ficam manchadas. É muito difícil existirem dois pássaros arlequins iguais nas suas pigmentações cromáticas.

Eu já tive belos exemplares de canários-da-terra arlequim, porém a mais atraente, em meu entender, foi uma fêmea, com a cabeça, pescoço, garganta e nuca inteiramente amarela (um amarelo-claro marfim brilhante), enquanto o restante do corpo estava salpicado de um matiz cinza esmaecido, com desenhos melânicos bem marcados, de uma raridade sem jaça, que se assemelhavam a um canário ágata.

Todavia, já em outros pássaros, os pigmentos melânicos estão completamente ausentes, em certas partes, continuando, porém, outras porções do corpo (normalmente a garganta e a barriga) tingidas de amarelo. Muitas vezes os pigmentos melânicos não se distribuem de forma uniforme, na coloração do dorso e asas, aparecendo, nestas últimas, cores lipocrômicas diferentes, por exemplo, com vários tons de amarelo ou branco, ora muito brilhantes e conspícuos, ora de um tom creme-esbranquiçado, ora impregnados de um tom dourado vivo bem marcante.

Nos pássaros arlequim as colorações, desenhos, pintas, marcações (caracterí­sticas fenotípicas) dos pássaros não se alteram após a muda das penas, sendo, como já referido, imutáveis. Ainda não se sabe realmente se este tipo de pássaro seja realmente uma verdadeira mutação. Entretanto, há que ser lembrado um detalhe importante. Pessoas inexperientes podem adquirir certos pássaros “diferentes” da cor original, pensando que sejam mutações. Há, contudo, necessidade de prudência e confirmação de algum criador que conheça aves mutantes, pois, em certos casos, estes pássaros “diferentes” ou “aberrações” (no linguajar popular), nada mais são do que pássaros normais, que, por qualquer motivo (geralmente problemas de alimentação), tiveram alteradas suas cores normais. Tiveram, isto sim, alteradas as cores por circunstâncias anômalas, como alimentação, doenças, administração de rações colorantes ou despigmentárias, pintura química das penas e outras práticas condenáveis, utilizadas por pessoas desonestas, com o fito de enganar incautos. Mas estas mudanças temporárias de cores não são fixas, imutáveis. O pássaro pode vir a reverter à sua coloração normal na muda de penas.

Esta a razão pela qual muitos pássaros (chamados erroneamente de mutações) não podem ser considerados mutantes, pois não transmitem, aos seus filhos, as características da mutação verdadeira. Hoje, até já se contesta ser a variedade arlequim uma verdadeira mutação, até porque algumas manchas, certas colorações que ocorrem em algumas penas do dorso, cabeça e especialmente asas, algumas cores estranhas nas coberteiras ou na rabadilha, podem ser resultado de desfigurações pigmentárias passageiras, não sendo transmitidas aos descendentes.

Sobre este prisma, é ilustrativo trazer à balha um exemplo típico. Há cerca de uns vinte anos atrás, alguns canários-da-terra (originários do Estado do Maranhão) eram muito disputados pelos passarinheiros, porque tinham uma cor cinza pálida. Eram conhecidos por “canário-palha”. Trazidos para São Paulo e outras localidades, após certo tempo, com alimentação adequada (sementes variadas, verduras, legumes, farinhadas, etc), as cores originais, do canário-da-terra normal, retornavam. Descobriu-se depois que, na região onde eram capturados e comercializados estes pássaros, a alimentação era constituída exclusivamente de arroz, fato este que talvez originava a dita cor cinza-palha. Portanto, estes espécimes não eram verdadeiras mutações. Este é apenas um exemplo demonstrativo que algumas pseudo-mutações podem confundir aqueles que não conhecem pássaros mutantes.

Sobre a mudança na cor das penas de papagaios e araras, em virtude de administração de certos alimentos, é bem conhecido o fato dos indígenas ministrarem, a estas aves, a carne de um peixe de couro, um grande bagre de água doce, habitante da região centro-norte do Brasil, conhecido por pirarara (Phractocephalus sp), da família dos Pimelodideos, possuidora de nadadeiras vermelhas e carne amarelada. Este é um peixe esportivo, muito procurado pelos pescadores, em razão do peso e tamanho que atingem, além da dificuldade de captura, ante a grande resistência que oferecem, depois de fisgados. Depois de um certo período, ingerindo esta carne, as araras, papagaios e jandaias (Psittacideos) têm as tonalidades de suas penas alteradas, consoante anotou IHERING (1968). Eu mesmo já pude constatar este fato pessoalmente, na Ilha do Bananal, tanto nas aldeias dos índios javaés, como na dos carajás.

Este é apenas um outro exemplo que demonstra que, algumas pseudo-mutações, podem confundir os mais incautos.

Na mutação amarela (canário todo amarelo com olhos pretos), as penas carecem dos pigmentos melânicos, predominando a coloração lipocrômica. Os bicos e pés puxam por uma coloração creme mais suave que nos pássaros normais. Os machos adultos ostentam, no píleo, tons alaranjados. Dependendo da cor amarela (se esta tende para uma coloração marrom-beje bem diluída), este tipo de canário não se enquadra nesta mutação amarela – e sim na mutação isabel, ou seja, aquela que apresenta a cor canela bem clara, diluída.

A cor das penas dos lutinos é toda amarela e os olhos vermelhos, devido à presença de vasos sanguíneos e carência completa de melanina. Nestes pássaros, a melanina está completamente ausente. Esta mutação “apaga” e faz desaparecer todas as marcações e desenhos da plumagem exterior. O bico, o tarso e os dedos dos pés são de cor clara, lembrando o tom da manteiga, com um leve matiz avermelhado.

Ainda não se tem notícia de pássaros totalmente brancos e albinos em Sicalis. Mas podem aparecer a qualquer tempo. Talvez a partir do aprimoramento de criações dirigidas da mutação amarela e da lutina se possa, em futuro breve, obter canários-da-terra brancos e, ainda, os brancos de olhos vermelhos (albinos). Aliás, há muitos anos atrás vi, cidade de São Luís, capital do Maranhão, um exemplar cuja coloração da plumagem externa tinha nuances de cor bege-creme/areia.

A mutação lutina, em meu modo de ver, é talvez a mais bela nos canários-da-terra. Já tive dois machos maravilhosos desta mutação. E também um outro, portador, da coleção dos Flecha, que causavam admiração nas pessoas que visitavam o meu aviário.

À guisa de informação complementar. esclareço que, na denominada “mutação cinza”, esta cor puxaria para o tom cinza/bege. Mas, esta mutação não está ainda confirmada.

A chamada mutação ágata caracteriza-se pela presença conjunta dos dois pigmentos melânicos diluídos. A cor das penas sofrem uma redução da melanina escura. O corpo do pássaro ganha uma tonalidade cinza, com diluição máxima da cor marrom e concentração da cor preta, ostentando, ainda, estrias simétricas no dorso e nos flancos. Em outras palavras, a cor marrom fica diluída, acentuando os desenhos e marcas de cor negra, exteriorizados em estrias bem finas e paralelas uma às outras. Nas laterais das rêmiges e retrizes, bem como nas bordas dos flancos, prevalece a cor cinza pérola. Em alguns exemplares a atenuação das melaninas e a cor de fundo amarela palha, dá um toque especial a este tipo de pássaro. Os bicos e pés têm cor escura. Esta mutação é extremamente bela, porém rara.

A mutação opalina, em canários-do-reino, é recessiva e não ligada ao sexo. Essa mutação do Serinus foi exposta em 1942, no Campeonato Mundial de Bruxelas. Em uma ninhada de canários verdes, um filhote era diferente dos seus irmãos. Ao invés de exteriorizar as marcações melânicas bem oxidadas, seus pigmentos melânicos estavam diluídos, de tal forma que o negro-marrom tinha uma tonalidade cinza-azulada clara e a cor marrom não era mais perceptível nas penas. Essa cor assemelhava a cor da pedra semi-preciosa do mesmo nome. E esta cor das penas ficou sendo conhecida como ágata.

O fator responsável por esta mutação inibe a manifestação da feomelanina e acentua o pigmento negro. O gene responsável por esta mutação não apresenta comportamento hereditário ligado ao sexo. Esta mutação não diluí a melanina, ou seja a cor escura do bico, tarsos, pés e unhas.

Para finalizar, lembre-se que nos Serinus a primeira modificação na cor original do pássaro silvestre, segundo os compêndios de canaricultura de cor, aconteceu em cativeiro. Ficou provado o desaparecimento gradual dos pigmentos melânicos, daí surgindo o canário amarelo, fruto do aprimoramento dos canaricultores europeus. Há uma forte tendência a acreditar que essa mudança da cor ancestral do canário-do-reino se deu em virtude de duas circunstâncias: de um lado mudança do regime alimentar dos pássaros e, de outro lado, da própria alteração do habitat natural. Essa mutação, todavia, não aconteceu repentinamente, pois, apesar da plumagem haver perdido as marcações melânicas, no canário amarelo, os olhos continuaram pretos, indicando que a melanina não desapareceu por completo. Isto seria um lutinismo incompleto, porquanto não conseguiu clarear a cor dos olhos, que continuaram na sua cor originária. Posteriormente, há mais de trezentos e cinqüenta anos atrás, verificou-se que alguns Serinus tiveram outra alteração na cor no manto exterior, já que o pigmento negro-marrom ficou restrito apenas a cor marrom. O desaparecimento do pigmento negro e a permanência do marrom sobre a cor de fundo amarela, originou o canário canela, que tem somente duas cores: o lipocromo amarelo e a feomelanina marrom.

Em face de todo o exposto, estou a notar que as mutações surgidas no canário-da-terra em muito estão se assemelhando ao que já aconteceu no canário-do-reino. Desta forma, nós criadores de pássaros nativos, poderemos continuar trabalhando para que outras mutações surjam no canário-da-terra e que o número de mutações aumente. Esse é o nosso grande desafio no futuro.

O conferencista é 1º Diretor de Criação de Canário-da-Terra da COBRAP

Copyright Paulo Rui de Camargo

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Escrito por Paulo Rui de Camargo, em 12/1/2004