Comércio da vida silvestre: o ético e o ilegal

Um discurso isento

COMÉRCIO DA VIDA SILVESTRE: O ÉTICO E O ILEGAL

Data: 04/03/2009 – Jornal do Brasil / JB Online

Dener Giovanini

Ambientalista

A Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas) completa, em 2009, 10 anos de atuação no combate a essa atividade criminosa que tantos danos causa a nossa biodiversidade. Nesse período acumulamos experiência e adotamos várias estratégias no sentido de obtermos êxito em nossos objetivos.

As vitórias foram maiores que as derrotas. Conseguimos lançar luz sobre um tema até então pouco falado e conhecido no Brasil. Mobilizamos a opinião pública com o apoio da imprensa e obtivemos grande sucesso diante da necessidade de construirmos uma política pública eficaz para enfrentar esse problema. FORAM QUASE 4 MIL AGENTES PÚBLICOS TREINADOS EM 17 WORKSHOPS REALIZADOS NO PAÍS, DIVERSAS PUBLICAÇÕES SOBRE O ASSUNTO E INCONTÁVEIS AÇÕES DESTINADAS A CONTRIBUIR COM A FORMAÇÃO DE UMA NOVA CONSCIÊNCIA AMBIENTAL.

Hoje, percebemos que estamos diante da necessidade de uma nova forma de atuação. Não adianta mais nos repetirmos. O que precisava ser feito, o foi, com ousadia, determinação e seriedade. Hoje o Brasil sabe que o tráfico de animais existe e que o mesmo não é apenas uma maneira alternativa e inocente de um cidadão ganhar um dinheirinho extra. As CPIs das quais tivemos oportunidade de participar e contribuir constataram a abrangência dessa atividade ilícita e, principalmente, o nível altamente profissional das quadrilhas que atuam nesse ramo, muitas vezes associadas ao tráfico de armas e de drogas.

A necessidade de uma nova postura e atuação frente a esse crime ambiental origina-se, principalmente, no fato de precisarmos buscar uma alternativa eficiente que impacte diretamente na diminuição da demanda por parte da sociedade. A legislação ambiental precisa ser aprimorada e a repressão mais aparelhada, mas em essência, só isso não basta. A diminuição da demanda passa necessariamente por duas discussões fundamentais: uma forte iniciativa educativa, no sentido de desestimular a compra, pela sociedade, de animais oriundos do comércio ilegal e, a mais polêmica: definir claramente o papel da criação comercial no combate ao tráfico de animais silvestres.

Parte do movimento ambientalista não admite sequer debater a segunda alternativa. Alegam que o comércio legal é antiético por comercializar a vida, que gera lucros exorbitantes para os criadores e que os preços praticados no mercado legal – altíssimos – não afastam o consumidor do mercado ilegal.

Esses argumentos merecem respeito e, principalmente, reflexão. Porém, é necessária uma visão anticartesiana. Uma reflexão com base em fatos e não apenas em paixões. A começar devemos – sempre importante – lembrar que vivemos numa democracia, onde existem leis que nos garantem o respeito às diferenças. E a lei, nesse caso, garante ao cidadão o direito de possuir um animal silvestre de forma legal, oriundo de um criadouro devidamente credenciado pelo Ibama.

Os tais lucros exorbitantes dos criadouros, que agem dentro da lei, não parecem corresponder à realidade, uma vez que o investimento numa criação comercial é uma atividade bastante onerosa, o que explica, em parte, o alto preço de venda desses animais. E o mercado consumidor, apesar de ser imenso, na prática ainda é tímido. A burocracia brasileira ainda emperra o crescimento do setor.

Quanto ao “comércio de vidas” é um argumento baseado em convicções pessoais, para o qual não existe a possibilidade de debate. E em conflitos que envolvem moral e ética invoca-se o respeito à diferença, ou seja, a aplicação da lei. Se a lei existe, certa ou errada, deve ser cumprida e, neste caso especifico, a nossa legislação, como já dito, permite o comércio da fauna silvestre. Assim como permite o comércio de outros tipos de vida, como a madeira, o frango, o boi e o escargot. Cabe a cada um apenas aplicar a sua consciência pessoal no momento de optar pela aquisição ou não de um animal silvestre oriundo de criadouro. Aos que discordam, cabe apelar ao parlamento para que a lei seja mudada.

O Brasil não irá avançar no combate ao tráfico de animais silvestres – e num plano geral, na conservação da biodiversidade – enquanto não adotar uma posição clara e objetiva sobre a criação comercial. É necessário que se tenha coragem política para assumir uma postura definitiva, mesmo que seja uma decisão que desagrade os gregos ou os troianos. A falta de transparência só favorece àqueles que se alimentam da obscuridade.

A Renctas está disposta ao debate público. Mas que seja um debate que se concentre em soluções democráticas para o país, e não apenas em interesses setoriais de ambientalistas ou de criadores. Não se trata de discutir se permite-se ou não a criação comercial – isso a lei já definiu – mas é necessário que o governo estabeleça quais serão as regras a serem seguidas e quais os seus planos para uma fiscalização eficiente do setor, que expurgue desse meio aqueles que só querem uma fachada legal para enriquecer às custas da ilicitude. Hoje, quem se dedica a criação de fauna silvestre no Brasil com o objetivo de realizar um trabalho honesto, correto e dentro da lei, sejam criadouros comerciais, conservacionistas ou científicos, serão os primeiros aliados do governo na implementação de uma ação mais rígida na fiscalização.

E, se de fato, o governo federal quer alçar a criação comercial da fauna silvestre numa alternativa ao comércio ilegal, deverá obrigatoriamente implementar, através do BNDES, uma linha de crédito para financiar o setor e criar as condições necessárias para que os preços praticados no mercado sejam mais acessíveis ao consumidor.

Esse é o desafio para os próximos 10 anos da Renctas: ajudar a construir um país de verdade, onde o faz-de-conta perca espaço para ações corajosas e inovadoras na busca de soluções que a mantenham sempre no caminho da sua missão contribuir para a conservação da nossa rica biodiversidade.

Dener Giovanini é fundador e atual Coordenador Geral da Renctas.

www.renctas.org.br

Escrito por Dener Giovanini, em 4/3/2009

 

Eliminação de gatos invasores

Invasor é o homem

Eliminação de gatos invasores em ilha australiana leva a catástrofe ambiental.

Com seus duros e verdes penhascos e céus repletos de névoa, a Ilha Macquarie – na metade do caminho entre Austrália e Antártida – se parece com a Meca de um amante da natureza. No entanto, a ilha recentemente se tornou uma sóbria ilustração do que pode acontecer quando os esforços para eliminar uma espécie invasora acabam causando danos colaterais imprevistos.

Em 1985, cientistas australianos iniciaram um ambicioso plano: dizimar os gatos não-nativos que viviam nas colinas da ilha desde o início do século XIX. O programa começou por uma aparente necessidade – os gatos estavam caçando pássaros nativos. Vinte e quatro anos depois, uma equipe de cientistas da Divisão Antártica Australiana e a Universidade da Tasmânia relatam que a remoção dos gatos inesperadamente causou uma destruição no ecossistema da ilha.

Sem os gatos, os coelhos da ilha (também não-nativos) começaram a procriar descontroladamente, destruindo plantas nativas e enviando efeitos por todo o ecossistema. As descobertas foram publicadas online na revista científica “Journal of Applied Ecology”, em janeiro. “Nossas descobertas mostram que é importante que os cientistas estudem todo o ecossistema antes de realizar programas de erradicação”, diz Arko Lucieer, perito em sensoriamento remoto da Universidade da Tasmânia e co-autor do estudo. “Não houve muitos programas que levaram todo o sistema em consideração. Você precisa entrar em modo cenário: ‘Se matarmos este animal, que outras consequências poderemos observar?’”

Caçadores de focas introduziram os coelhos na ilha Macquarie em 1878, compondo o problema das espécies invasoras na ilha de 40 km de comprimento. Em 1968, quando as autoridades introduziram um vírus fatal na tentativa de matar os coelhos, a população havia alcançado mais de 100 mil. A estratégia funcionou; na década de 1980, a população de coelhos havia caído para menos de 20 mil. Mas isso significava que os gatos, que dependiam dos coelhos para fonte de alimento, começariam a comer os pássaros marinhos em seu lugar.

Gatos mortos – Para avaliar as consequências da iniciativa de matar os gatos, a equipe de ecólogos comparou imagens de satélite tiradas da ilha em 2000, o ano em que os últimos gatos foram mortos, com uma série tirada em 2007. Quando as vegetações morrem, a aguda queda no conteúdo de clorofila reduz o reflexo da radiação infravermelha, de maneira que pode ser gravada.

“Você pode ver claramente a diferença entre plantas saudáveis e mortas em nossas imagens”, diz Lucieer. “A vegetação viva aparece como vermelho brilhante.” Os cientistas também estudaram detalhadamente lotes de terra para avaliar sua composição de espécies de plantas.

As imagens mais recentes do satélite revelaram uma paisagem completamente diferente. A grande população de coelhos havia destruído os exuberantes espaços gramados nas colinas costeiras, deixando-as nuas. Capins e ervas exóticas começaram a conquistar as colinas, formando uma densa rede de folhas e troncos que, em alguns lugares, evitavam o acesso dos pássaros marinhos nativos a locais adequados para ninhos.

Comum até demais – A ruína da Macquarie não é um incidente isolado; muitos outros programas de remoção de espécies já infligiram danos em ecossistemas próximos. Na Nova Zelândia, conservacionistas decidiram dizimar três espécies introduzidas com um programa – ratos, marsupiais e arminhos – ao envenenar os dois primeiros.

A ideia era que a operação de envenenamento eliminaria as populações de arminhos por associação, pois os ratos eram uma parte crítica da alimentação dos arminhos. Mas quando o plano teve início, no início dos anos 1990, os arminhos não desapareceram. Com a ausência dos ratos, eles começaram a caçar pássaros nativos e ovos de pássaros.

Similarmente, no oeste dos Estados Unidos, a remoção de arbustos exóticos ameaçou uma espécie em extinção de pássaros cantantes, o papa-moscas do sudoeste. Os arbustos, que suplantaram grande parte da vegetação nativa, sugam tanta água que constringem canais de rios e tornam o solo mais salgado, mas também oferecem um importante habitat de ninhos para o papa-moscas.

Em 2005, funcionários do Departamento de Agricultura começaram a soltar besouros desfolhantes para controlar as populações do arbusto. Em dezembro de 2008, o Centro pela Diversidade Biológica revidou, registrando uma nota de intenção para processar o departamento – por falhar em colaborar com o Serviço de Peixes e Vida Selvagem para encontrar uma maneira de proteger o papa-moscas.

Os cientistas que estudaram a Ilha Macquarie acrescentaram suas descobertas àqueles resultados anteriores e esperam que os ecólogos abordem os futuros esforços mais holisticamente, realizando amplos trabalhos de background sobre potenciais consequências da remoção de espécies exóticas muito antes de iniciar programas de matança.

Perdas e ganhos – “Houve centenas de esforços de erradicação de espécies invasoras, e a grande maioria resultou em claros ganhos de conservação”, diz Erika Zavaleta, ecóloga da Universidade da Califórnia em Santa Cruz. “Mas a Ilha Macquarie é um novo e claro exemplo dos inesperados efeitos colaterais que podem ocorrer.”

Para evitar a piora nos problemas ao tentar solucioná-los, diz Zavaleta, os pesquisadores precisam planejar e monitorar como seu mantra. “Os cientistas precisam fazer a si mesmos perguntas vitais, como de que forma todas as espécies na ilha interagem entre elas.”

A Ilha Macquarie oferece uma chance de se fazer exatamente isso. Um novo programa de erradicação em planejamento tem como foco milhares de ratos, camundongos e coelhos. Na teoria, isso deve eliminar terríveis ameaças à fauna e vegetação locais, porque os coelhos acabam com os capins nativos e os ratos e camundongos comem os filhotes de pássaros marinhos. Mas desta vez, os administradores estão preparados para realizar correções de curso se as coisas não caminharem de acordo com o plano.

“Este estudo demonstra claramente que, ao fazer um esforço de remoção, você não sabe exatamente qual será o resultado,” diz Barry Rice, um especialista em espécies invasoras da organização Nature Conservancy. “Você não pode simplesmente entrar e fazer um único golpe cirúrgico. Qualquer tipo de ação que fizer seguramente causará algum dano.” (Fonte: G1)

Escrito por G1, em 27/2/2009