Reprodução de Animais em Cativeiro

Temos que agir

Gostaria também de me manifestar quanto a esta discussão sobre a criação de animais em cativeiro. Em primeiro lugar acho que devo me apresentar. Sou biólogo, da área da ornitologia e com interesse maior para estudos nas famílias Psittacidae e Cracídae. Sou presidente de uma ONG (Centro de Reprodução e Estudos dos Animais Silvestres em Perigo de Extinção – CREASPE) que realiza pesquisas e trabalha em prol da conservação das espécies destas famílias que necessitam de alguma atenção especial para que possam se perpetuar de forma tranqüila. Para que tal objetivo seja alcançado, trabalhamos tanto com as espécies em campo como em cativeiro. A parte de cativeiro se dá através de um criadouro conservacionista para a reprodução destas espécies de alguma forma ameaçadas, formando uma população “ex-situ” geneticamente viável, para que se necessário for algum dia, como uma das ultimas alternativas para conservação da espécie (esperamos sempre que não seja necessário) possam ser reintroduzidos no seu habitat natural.

Por outro lado, também sou proprietário de um criadouro comercial tanto de espécies nativas como de espécies exóticas, que por sinal sustenta em parte os projetos de conservação realizados pela ONG e fico profundamente chateado quando me deparo com citações sobre este assunto do tipo: “A criação comercial é apenas uma maneira de esquentar e legalizar animais oriundos do trafico.”

Como em todo ramo de atividade profissional existem os bons profissionais e existem os maus profissionais, porém os bons profissionais também não podem pagar todo o preço pelo erro que os maus profissionais cometem. Concordo que o trafico é um dos grandes problemas na conservação das espécies, e sou incisivo em dizer que este tem de ser combatido da forma mais rígida possível, inclusive nessas questões de “legalização” de animais por criadouros comerciais, mas proponho então, ao IBAMA principalmente que regulamenta tal forma de criação, que estabeleça alguma taxa a ser paga pelos criadouros comerciais que “utilizam” de certa forma os recursos naturais para auferir lucro. Esta taxa poderia ser investida em projetos de conservação e/ou em medidas de fiscalização, diminuindo assim os problemas ambientais.

Também sou da opinião de que os animais não deveriam ser usados como PET, mas é impossível acabar com uma cultura milenar como esta, com certeza muitos dos que se manifestaram contra a manutenção e comercialização de animais silvestres como PET, possuem em suas casas pelo menos um cachorro, gato, periquito ou peixe e lembremos que estes animais hoje considerados domésticos tiveram sua origem em alguma espécie selvagem de algum lugar deste planeta.

Então penso que já que é praticamente impossível de se acabar com esta cultura de se ter animais de estimação e que diariamente milhares de espécies nativas são apreendidas do trafico e não tem como serem devolvidos ao seu habitat, ficam sem destino certo, por que não serem encaminhados a criadores legalizados para que futuramente seus descendentes sejam comercializados no lugar de seus semelhantes que ainda vivem em ambiente natural. É um pouco cruel pensar assim, pois a nível de individuo isto é uma tragédia, mas acho que na atual situação devemos pensar primariamente na conservação da espécie, e pensar que o mercado pode ser abastecido por animais que nasceram no cativeiro e não precisaram ser retirados do seu habitat, desta forma sem prejudicar a população selvagem, já é uma grande maravilha. E isto é viável, pois já acontece com algumas espécies exóticas como o periquito australiano e a calopsita, que tem hoje populações cativas independentes das selvagens, por que então isso não pode acontecer então com nossas espécies nativas.

Concordo também que através de erros do passado, como a retirada de animais do seu habitat para formação dos planteis, muitas das espécies estão hoje em perigo, só que isto é um erro impossível de ser reparado, e já que estes animais foram retirados e estão hoje em cativeiro, pelo menos podemos tentar usa-los para tentar recuperar estas populações selvagens, seja através de medidas diretas para a conservação, como as feitas por instituições cientificas e conservacionista, ou seja por medidas indiretas, como as feitas por criadores comerciais, que tem hoje sua criação praticamente independente das populações selvagens, não interferindo mais nestas, possibilitando que estas se recuperem.

Agradeço a todos pela atenção e peço desculpas se minhas opiniões não agradarem a todos.

 

Cordialmente,

Eduardo Koehler

Biólogo e Presidente do Centro de Reprodução e Estudos dos Animais Silvestres em Perigo de Extinção – CREASPE

Proprietário do Criadouro Comercial Lauro Koehler – Reg. IBAMA/SC nº 591174

 

Europa supera o Brasil

Verdadeiro absurdo

Qual é o habitat de jibóias, papagaios e sagüis? As selvas de clima tropical das Américas do Sul e Central seria a resposta mais correta. Esses bichos, no entanto, estão se tornando habitantes da Europa, sendo cada vez mais comum encontrá-los na Inglaterra, na Holanda e na Alemanha. Nas últimas décadas, os países do Hemisfério Norte transformaram-se em grandes criadores legais de animais de espécies originárias de locais como a Amazônia e o Pantanal. A lista inclui também as araras, os iguanas e os periquitos. O que impressiona é que a reprodução em cativeiro dessas espécies naqueles países já é maior do que no Brasil. A Inglaterra, com temperatura média de 5 graus nos meses de inverno, produz e exporta legalmente quase dez vezes mais sagüis do que o Brasil. A Holanda tornou-se a terra dos papagaios, e de lá saem legalmente vinte vezes mais desses bichos do que do Brasil. Os animais da fauna brasileira engordam o mercado mundial de pets, que movimenta 56 bilhões de dólares por ano – mas quem lucra com isso são os criadores europeus e americanos.

O que está por trás do desenvolvimento dessas criações é um avanço tecnológico notável. Foi possível produzir animais exóticos em larga escala no Hemisfério Norte após anos de estudos sobre como esses bichos se alimentam, se reproduzem e quais a temperatura e o tamanho ideal de viveiro para cada espécie. No caso de araras e papagaios, uma das principais revoluções foi a produção em laboratório de um tipo de secreção normalmente expelida pelas aves adultas, que serve de alimento aos filhotes nos primeiros quatro dias de vida. Com isso, além de se fazer a incubação artificial, tornou-se possível alimentar os filhotes artificialmente. Os cativeiros hoje são gerenciados por computador e têm aparelhos como raio X e ultra-som para acompanhar a gestação. Isso tudo permitiu um ganho de escala que ajudou a reduzir os preços.

Nos últimos dez anos, os criadores profissionais começaram a oferecer espécies legalizadas a preços competitivos, mais saudáveis e mais dóceis do que as que são encontradas livres na natureza. Hoje, enquanto no Brasil uma jibóia custa 900 reais no mercado legal, lá fora o mesmo bicho é vendido pelo equivalente a 60 reais. Um iguana legalizado custa 1 200 reais no Brasil, enquanto nos Estados Unidos o preço é de aproximadamente 80 reais. O mercado de aves de companhia cresceu muito na Europa, hoje um grande produtor. Os grandes criatórios estão na Holanda, na Alemanha e na Áustria. “É mais fácil arrumar um papagaio ou uma arara aqui na Europa do que mandá-los vir do Brasil”, disse a VEJA Pedro Oliveira, criador de aves tropicais na cidade do Porto, em Portugal.

Não são apenas os produtores que lucram com esse mercado. Há uma indústria de acessórios que permite a qualquer morador da Suécia, por exemplo, criar uma arara ou um papagaio como se estivesse em plena Amazônia. No caso das aves, existem gaiolas climatizadas e uma série de vitaminas, substratos e rações compatíveis com o padrão alimentar de cada espécie. Para os répteis, é possível comprar ambientes artificiais com pedras aquecidas e plataformas vibratórias para dar a impressão de que a comida está andando. Lojas especializadas vendem camundongos para alimentar cobras, além de grilos, baratas e larvas de besouro para as aves. A firma Crickets Farm, nos Estados Unidos, comercializa em média 20 milhões de grilos vivos por mês e faz entregas até pelo correio. As lojas de animais de estimação americanas, além de uma enorme variedade de répteis, mamíferos e aves do mundo inteiro, oferecem espécies trabalhadas geneticamente para sofrer mutações que as tornam mais atraentes. Um exemplo é o peixe-neon, originário do Brasil. Lá fora, ele é produzido em cores diferentes das encontradas na natureza ou com as nadadeiras bem maiores. Essas variedades abastecem um mercado fabuloso. Nos EUA, 71 milhões de lares possuem animais de estimação.

No Brasil, a legislação permite a criação de animais silvestres em cativeiro. Faltam criadores bem preparados. “A cadeia de produção nacional não tem logística nem produção em série para abastecer o mercado. Faltam qualidade e quantidade”, diz Francisco Tavares, da diretoria de fauna do Ibama. Não existe por aqui nada parecido com o que há lá fora. Oitocentos e cinqüenta produtores comerciais estão cadastrados no Ibama. E muitos usam a criação como fachada para “esquentar” os animais. Ou seja, retiram os bichos da fauna silvestre e os registram como se tivessem nascido em cativeiro. Com isso, eles podem ser comercializados legalmente. Também não existe tecnologia nacional para esse tipo de produção. “Mesmo para criarmos espécies nacionais, temos de importar tecnologia da Europa”, diz Paulo Machado, diretor da Aves Vale Verde, que tem 800 pássaros para reprodução. O Brasil ainda está engatinhando na criação de animais silvestres para comercialização.

Animais capturados nas matas brasileiras são levados para o Hemisfério Norte desde a época do descobrimento. A prática só virou crime em 1967, com a criação da Lei de Proteção à Fauna. Mesmo assim, traficantes de animais continuam enviando ilegalmente à Europa e aos Estados Unidos milhares de araras, jibóias, papagaios e sagüis. Hoje, o tráfico de animais silvestres movimenta 20 bilhões de dólares por ano no mundo todo. Por isso mesmo, a produção em cativeiro é uma fonte alternativa, que ajuda a atender à demanda. Desde 1975, a Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas da Fauna e Flora Silvestres (Cites, da sigla em inglês) controla a exportação de animais em 172 países. Segundo a instituição, cerca de 270.000 bichos vivos são comercializados legalmente todos os anos. O dado não inclui o que é vendido internamente em cada país. Nem as exportações entre os países da União Européia. A produção pode ser, portanto, muito maior. A continuar assim, não está distante o dia em que a maior parte dos papagaios do planeta vai falar mais inglês do que português.

Escrito por Marcelo Bortoloti, em 11/9/2007