Toxoplasmose
Dificil cura
BOLETIM DO CRIADOURO CAVIÚNAS
Nº 19 JANEIRO DE 2006
REDATOR: Dr. JOSÉ CARLOS PEREIRA
RUA JOAQUIM DO PRADO, 49, CRUZEIRO SP. TELEFAX 012 31443590
drjosecarlos2000@uol.com.br
TOXOPLASMOSE
Os protozoários são parasitas, isso é, pertencentes ao reino animal capazes de provocar infecções, assim como os helmintos e os artrópodes. São organismos unicelulares, multiplicam-se no interior dos hospedeiros, em contraste com os vermes ou helmintos que são multicelulares e usualmente não se multiplicam dentro dos hospedeiros. Em geral pouco móveis, a não ser nos estágios de microgametas e de esporozoitos e sem aparelhos preensores e locomotores diferenciados, a não ser em alguns casos da forma de microgametas que podem ter flagelos.
Os parasitas mantêm uma relação estreita e direta com o hospedeiro, vivendo ás custas dele e, separado dele, morre por falta de nutrição. Sensu lato, dando uma chance à minha veia de advogado, o parasitismo pode ser efetuado por animais (protozoários, helmintos e artrópodes) e por vegetais (bactérias e cogumelos), constituindo os vírus um agrupamento particular. E alguns parasitas dos animais podem ser contagiosos para o homem, caracterizando a zoonose do genial Virchow. Há pessoas que não têm o reconhecimento que merecem, nem um diplominha (coloquem esses neologismos na minha conta) de câmara do interior.
Classicamente o filo Protozoário é subdividido em dois subfilos, Plasmodroma, com três classes (Sarcodina, onde estão as amebas, Mastigophora, onde estão o tripanosoma, a giárdia e o trichomona e Sporozoa, onde estão os coccídeos) e Ciliophora, com duas classes (Ciliata e Acineta ou Suctoria).
O toxoplasma foi descoberto em 1908 por Nicole e Manceaux. Em 1909 foi descrito como uma nova espécie de protozoário, curvo em forma de arco, primeiramente encontrado em células do baço do roedor Ctenodactylos gondii, habitante do Norte da África. Foi dado ao protozoário o nome de Toxoplasma gondii, pois, Toxon quer dizer curvo (arco ou lua crescente) em grego. Em 1939, ficou provado ser o toxoplasma causador de doença também no homem. Em 1948, os pesquisadores Sabin e Feldman mostraram que a afinidade do toxoplasma por certos corantes poderia ser usada para mostrar a presença ou não de anticorpos neutralizadores (teste de Sabin-Feldman). E, em 1957, Einchenwald descreveu a tríade clássica da toxoplasmose congênita: coriorretinite (inflamação da coróide e da retina do olho), as calcificações cerebrais e a hidrocefalia.
Como as infecções pelo Toxoplasma estão entre as mais comuns infecções latentes dos humanos, é de se esperar que a incidência entre os pássaros não seja desprezível. Portanto, mais um coccídeo para encher o saco dos criadores de pássaros.
O toxoplasma, um cecídeo, vive obrigatoriamente dentro das células de todos os órgãos dos mamíferos, dos répteis e das aves, inclusive pássaros, provocando, em todos eles, doenças muito parecidas. As espécies e aves mais sujeitas são columbiforme, falconiforme e passeriforme, sendo os filhotes mais sensíveis.
O toxoplasma apresenta na evolução: 1- Fase intestinal, encontrada nos gatos (selvagens e domésticos), que produz oocistos. Os felinos, como o gato, recentemente infectados são os únicos animais capazes de eliminar nas fezes os ovos (oocistos, contendo, cada um, dois esporocistos, cada qual contendo quatro esporozoitos) com capacidade de ser transmitidos aos outros animais, inclusive o homem. Quando o gato se infecta pelos bradizoitos, ingerindo ratos, pássaros, carnes cruas ou alimentos contaminados por baratas, moscas, etc, ou pelos oocistos eliminados por outros gatos contaminados, os parasitas penetram nas células da mucosa do intestino delgado e rapidamente passam por reprodução assexuada. Alguns dias após as formas assexuadas produzem formas sexuadas (gametas), as quais, fundindo-se, dão origem aos zigotos que, após serem envolvidos por uma parede rígida, são eliminados nas fezes como oocistos não esporulados. Esses oocistos são eliminados pelas fezes dos gatos e, após, dois ou três dias (para outros autores de um a dois dias), tornam-se infectantes sob a forma de oocistos esporulados (oito esporozoitos). Esses oocistos esporulados poderão ser ingeridos por hospedeiros intermediários, como humanos ao limpar uma caixa de dejetos dos gatos, porcos ao chafurdar locais onde os gatos defecaram e ratos; nesses hospedeiros intermediários o parasita completa o seu ciclo de vida. Interessante que, após uns 14 dias, as formas assexuadas desaparecem da mucosa intestinal e, assim, cessa a produção dos oocistos e a possibilidade da contaminação do ambiente. Na realidade a reprodução se dá por ciclos esquizogônicos e gametogônicos no epitélio do íleo distal do intestino do gato. Os oocistos são eliminados pelos gatos contendo dois esporocistos e, encontrando ambiente ideal de umidade e temperatura, cada um esperocisto matura em quatro esporocistos; 2-Fase extra-intestinal, que ocorre em todos os outros animais (e também nos gatos) e aves produzindo taquizoitos, caracteristicamente intracelulares, com forma em crescente com 10 milimicra de comprimento, e, eventualmente, bradizoitos ou zoitocistos cheios de bradizoitos, estágio do ciclo visto durante o período crônico da infecção e encontrado em praticamente qualquer órgão do corpo. Durante a fase extra-intestinal o estágio do ciclo de vida é chamado taquizoito, que infecta células (os taquizoitos são capazes de parasitar e se multiplicar em todas as células do organismo, exceto os glóbulos vermelhos) e reproduzem assexuadamente dentro delas; essas células são destruídas e os taquizoitos ficam livres para infectarem outras células de qualquer órgão do corpo. Os taquizoitos, após ligarem-se à célula, o parasita penetra e forma um vacúolo, o parasitophorous, dentro do qual se dividem. Após 14 a 21 dias do início da infecção, os toxoplasmas passam a dividir-se mais lentamente e cistos intracelulares são formados em volta dos parasitas; esses cistos são chamados zoitocistos e os parasitas dentro deles são os bradizoitos. Os zoitocistos parecem permanecer nos hospedeiros pela vida toda. Com o desenvolvimento desse estágio crônico completa-se o chamado ciclo de vida não felino do parasita.
Como os gatos também são suscetíveis às formas extra-intestinais de evolução do parasita, não é raro encontrar-se alguns deles infectados, mas incapazes de eliminar oocistos. A fase extra-intestinal do parasita, que ocorre em todo animal e ave infectados, no gato ocorre simultaneamente com a fase intestinal. A fase intestinal no gato é autolimitada, enquanto a fase extra-intestinal, como em outros animais, permanece por toda a vida.
De três dias até trinta dias após a infecção o gato pode eliminar de um milhão até cem milhões de oocistos por dia; em condições adequadas, esses oocistos podem permanecer no ambiente por mais de um ano; são encontrados no solo e na areia freqüentados pelos gatos, podendo sobreviver por vários meses em condições ideais e já foram mostrados surtos provocados pela água contaminada. São mortos pela fervura, pelo ressecamento e por muitos produtos químicos pesados, mas não pelos alvejantes. Do solo os parasitos podem ser ingeridos por outros animais e pelo homem ou levados até os alimentos por insetos como as baratas e moscas. Os gatos se infectam ingerindo alimentos, ratos e outros pequenos animais contaminados. Para alguns autores, um gato contaminado desenvolve imunidade e deixa de eliminar oocistos até por seis anos.
O humano se contamina comendo carne crua, mal passada ou mal cozida contendo cistos ou oocistos eliminados pelo gato e que se encontre contaminando o solo ou alimentos. Na quase totalidade dos casos de toxoplasmose congênita que vi no consultório, as mães não tiveram qualquer contato com ambientes freqüentados por gatos e, provavelmente, foram contaminadas pela ingestão de carne mal passada ou crua, inclusive lingüiça e salsicha, ou de outros alimentos. Portanto, ao assar aquela carninha nos finais de semana, pense nisso.
A criança pode também se contaminar quando leva à boca material contaminado por fezes recentes de gatos. Outras fontes de contaminação humana os acidentes em laboratórios que manipulam os parasitas (taquizoitos, oocisto e cistos), transfusão de sangue ou de leucócitos (traquizoitos) e o transplante de órgãos (taquizoito e cistos).
Os pássaros podem se contaminar ao revirar o solo em busca de alimentos ou consumindo alimentos contendo carne contaminada e mal processada. Ou mesmo consumindo alimentos contaminados por ratos, baratas ou moscas.
Nos humanos, se a mulher adquire a infecção durante a gestação, o organismo poderá se disseminar, por via hematogênica, para a placenta e ser transmitido para o feto (via transplacentária) ou durante o parto vaginal. Se a mãe adquire a doença no primeiro trimestre da gravidez e não for tratada, 17% dos fetos serão atingidos, muitas vezes severamente. Se a gestante ficar doente no terceiro trimestre da gestação e não for tratada, em torno de 65% dos fetos serão afetados. Perto de 80% dos bebês que nascem com sinais clínicos da doença e não são tratados terão deficiência mental grave já vista no primeiro ano de vida. De 70 a 90% dos bebês com infecções congênitas não apresentam sintomas no nascimento, mas os distúrbios visuais e o retardo mental poderão tornar-se aparentes meses ou anos depois. Três fatores determinam a incidência de infecção dos fetos: 1-Fluxo sangüíneo placentário; 2- A virulência do parasita e 3- A capacidade do sistema de defesa da mãe de restringir a parasitemia (passagem sangüínea dos parasitas).
É lógico que nos pássaros os parasitas podem chegar também aos ovários e, muitas vezes, infectar o óvulo/ovo..
Após a ingestão dos parasitas (cistos contendo bradizoitos ou oocistos contendo esporozoitos), os bradizoitos são liberados dos cistos e os esporozoitos dos oocistos, por processo digestivo. Os bradizoitos, resistentes à pepsina, penetram nas células da parede intestinal, multiplicam-se, transformam-se na forma invasiva de taquizoitos, rompem as células contaminando as vizinhas e, pelos linfáticos, ganham os vasos sangüíneos disseminando-se por todo o organismo, principalmente para as células do tecido linfático, músculo esquelético, miocárdio, retina, placenta e, mais freqüentemente, sistema nervoso central. Os taquizoitos provocam reação de imunidade secretória evidenciada pelo aumento da imunoglobulina A (IgA) específica e a sua proliferação determina focos necróticos (tecido morto) circundados por reação celular monocítica. No indivíduo com imunidade normal, há uma resposta de defesa, tanto humoral como mediada por células (anticorpos parasiticidas, ativação dos macrófagos, produção de interferon gama –IFNgama- e estimulação dos linfócitos T citotóxicos do fenótipo CD8+. Esses linfócitos específicos são capazes de matar tanto as células infectadas como os parasitas. Complicadinho, né, mas de grande importância) e os taquizoitos desaparecem dos tecidos. Mas, mesmo nos indivíduos com imunidade normal os cistos contendo bradizoitos podem permanecer produzindo infecção subclínica; ainda que estando os bradizoitos num estágio metabólico baixo, os cistos podem degenerar e romper dentro do sistema nervoso central, persistindo os títulos de anticorpos. Nos indivíduos com imunidade comprometida (baixa resistência), e em alguns aparentemente normais, a infecção aguda prossegue e pode provocar quadros potencialmente letais envolvendo os pulmões, o miocárdio e encefálicos.
Os cistos presentes nos tecidos aparecem uma semana após a infecção e permanecem por toda a vida do animal. Eles não produzem ou produzem pouca resposta inflamatória, mas, em indivíduos com baixa imunidade, podem provocar doença recrudescente. Enfim, o segredo é descobrir a infecção o mais cedo possível, permitindo dar um pau no toxoplasma e evitar danos maiores. Depois de encistados a briga torna-se para cachorros grandes.
Não tenho dados sobre o que acontece com pássaros, mas, levando-se em conta o afirmado de que a doença manifesta-se de maneira semelhante em todas as espécies animais, inclusive aves, é provável que ocorra o mesmo tipo de patogenicidade. Portanto, devem os criadores cuidarem para que as aves não se contaminem e tragam um problema crônico para o criadouro e que se manifestará, algumas vezes, quando houver queda de imunidade de determinados pássaros portadores de cistos nos seus tecidos.
A toxoplasmose é mais comum nos climas quentes e úmidos, havendo regiões nas quais os títulos de anticorpos são altos em 50 a 80% das pessoas. Há lugares no mundo onde de 5 a 35% da carne de porco, 9 a 60% da carne de carneiro e 9% da carne bovina podem estar contaminadas. No Brasil, trabalhos mostram que a soroprevalência para toxoplasmose é alta, chegando a 90% das pessoas na faixa de 40 anos de idade.
As manifestações clínicas da toxoplasmose, muito polimorfas, podem ser divididas em: 1- Toxoplasmose congênita. Pode estar presente já nos primeiros dias de vida ou, sob a forma de recaída ou seqüela de infecção anterior não diagnosticada, na infância ou mesmo mais tarde durante a vida. Além da clássica tríade hidrocefalia, coriorretinite e calcificação cerebral, mais comumente são encontrados prematuridade, retardo do crescimento intrauterino, icterícia, aumento do baço e do fígado, convulsões, equimoses, aumento ganglionar. As deficiências visuais e/ou auditivas podem ser patentes e chegar à cegueira e à surdez; 2- Toxoplasmose adquirida. Nas pessoas imunologicamente normais a principal manifestação é o aumento ganglionar da região cervical, ainda podendo ser encontrados febre, dores musculares e das articulações, rigidez do pescoço, manchas vermelhas que poupam as plantas e as palmas, hepatite, aumento do fígado, miocardite, etc.
Nas aves são evidentes os sinais determinados pelas lesões do sistema nervoso central. A ave afetada mostra-se triste, apáticas, quando vivem em grupo prefere o isolamento, a marcha mostra-se bastante alterada, sendo clássicos os movimentos em círculos ou retrógrados (andar para trás), há dificuldade em manter-se em pé determinada pelas lesões dos centros cerebrais responsáveis pelo equilíbrio, havendo forte tendência às quedas; as câimbras e as contrações espasmódicas musculares são também encontradas. Pode haver diarréia, a inflamação dos músculos cardíacos (miocardite) e a coriorretinite (inflamação da retina e da coróide, membrana ocular, vascular e pigmentada situada entre a esclerótica e a retina). A presença de cistos, na verdade pseudocistos, no ovário levam à hipótese da passagem do parasita aos ovos das fêmeas infectadas.
Uma digressãozinha que não fará mal a ninguém. Para sobreviver às agressões do meio interno e do meio externo, o organismo lança a mão de diversos mecanismos de defesa: 1- Não imune: 11- A barreira física determinada pela pele, pelas membranas mucosas dos tratos digestivo e respiratório principalmente, pelo muco e pelas células epiteliais ciliadas e 12- Reação inflamatória, não antígeno específico e com reação rápida às agressões, sem memória para futuras reações contra o mesmo agressor e que tem como mediadores os neutrófilos, os eosinófilos, os basófilos, as células natural killer (NK), os monócitos e os macrófagos. Esse processo é a inflamação e tem também importância no desenvolvimento subseqüente da resposta imune; 2. Imunidade. Caracteriza-se por uma resposta antígeno-específica a um antígeno estranho ou a um patógeno e, comumente, leva vários dias ou mais tempo ainda para se realizar. Guarda uma memória ao antígeno e, em nova exposição ao mesmo, a reação será muito mais rápida. É realizada pelo sistema linfóide, composto pelos gânglios linfáticos, timo e baço, cada um formando uma unidade encapsulada por tecido conjuntivo, e pelo sistema linfóide difuso, não encasulado. Duas subdivisões: 21- Imunidade celular. O principal executor é o linfócito T, formado na medula óssea, mas migra para o timo (de onde o T) onde se torna imunocompetente. Nesse caso, os antígenos induzem um grupo de células especializadas em matar as células estranhas ou células próprias (self) alteradas, como as células tumorais; 22- Imunidade humoral , cujo principal executor é o linfócito B. Nos pássaros, nos quais os linfócitos B foram primeiramente identificados, eles se tornam imunocompetentes num divertículo da cloaca chamado bursa de Fabricius, de onde vem o B do nome. Substâncias reconhecidas como estranhas estimulam reações que acabam na produção de imunoglobulinas, os chamados anticorpos, que se ligam ao antígeno inutilizando-os Há outros células reguladoras da resposta imune, como as células dendríticas de Langerhans, os manócitos-macrófagos e os grandes linfócitos granulares (LGL).
Os anticorpos, ou imunoglobulinas, são glicoproteínas (formadas por proteína e açúcar) que inativa os antígenos, inclusive vírus e bactérias, promovendo uma resposta extracelular contra microorganismos invasores. A resposta envolve a fagocitose(células especializadas incorporam, mediante envolvimento, sem penetração da membrana, partículas sólidas como os microorganismos) realizada por macrófagos (ou neutrófilos) nos espaços do tecido conjuntivo ou a ativação do sistema do complemento no sangue.
Os humanos possuem cinco classes ou isotipos de imunoglobulinas: 1- Imunoglobulina G (IgG), a única capaz de de transpor a placenta, protegendo o feto por imunidade passiva; atua ativando a cascata do complemento e como opsonina, envolve o microorganismo para facilitar a sua fagocitose pelos macrófagos e neutrófilos. Demora para desaparecer e a sua presença demonstra cronificação do processo; 2- Imunoglobulina M (IgM), ativa o complemento e é o primeiro isotipo formado na resposta ao invasor, sendo um sinalizador de infecção na fase aguda. O sistema de complemento é determinado por 20 proteínas plasmáticas que se reúnem de maneira específica e em determinada seqüência na superfície do microorganismo invasor formando uma membrana que lisa (destrói) a célula estranha. O seu principal componente é a proteína C3; 3- Imunoglobulina A (IgA), secretada na lágrima, na saliva, no lúmen intestinal e cavidade nasal, combatendo os microorganismos nesses locais e, por isso, é chamada anticorpo secretório; também é secretada no leite materno, ajudando na proteção do recém-nascido; 4- Imunoglobulina D (IgD), imunoglobulina de superfície que ajuda o linfócito B a reconhecer antígenos para os quais é específica e 5- Imunoglobulina E (IgE), o anticorpo reagínico. Quando os anticorpos da membrana celular ligam-se ao antígeno, a IgE facilita a degranulação dos basófilos e das mast cells com a conseqüente liberação de agentes farmacológicos, como a histamina, a heparina, fatores quimiotáticos dos eosinófilos e neutrófilos, os quais, produzem reações de hipersensibilidade imediatas, como acontece nos quadros alérgicos como urticárias e edema de glote.
A resposta imune possui quatro importantes pilares: a-Reconhecimento do que é próprio e não próprio (self/nonself), capacidade de distinguir o que faz parte do organismo, self, daquilo que não o faz, nonself; b- Memória, determinada pelas células de memória que possuem grande capacidade de afinidade pelo antígeno e que, diante de uma segunda exposição ao mesmo antígeno, provocam uma reação mais rápida, mais potente e mais longa do que a resposta primária. As células de memória nada mais são do que linfócitos B ou T, chamados virgens por ainda não terem contato com antígenos que, em contato com um antígeno, proliferam para tornarem-se células ativadas e células de memória; c- Especificidade, pois, as células de memória, da mesma maneira que os linfócitos T, expressam receptores de membrana que interagem especificamente com um antígeno e d- Diversidade. O sistema imune é capaz de combater e reconhecer um número incomensurável de antígenos, pois, durante a vida embrionária, há a formação de um número enorme de clones de linfócitos determinada pelo arranjar dos genes que codificam as imunoglobulinas ou os receptores dos linfócitos T.
Aí está uma pinceladinha no sistema de defesa do organismo. Na realidade é muito mais complexo e intrigante do que pensa a nossa vã consciência. Para o melhor entendimento podemos afirmar que nada mais é do que um exército na guerra: com unidades para lutar no corpo a corpo, na baioneta calada velha de guerra, a imunidade celular, e unidades para disparar torpedos, foguetes ou outros artefatos a longa distância, fora do alcance da visão, a imunidade humoral. Como diria a netona filósofa, agora acadêmica de estilismo e moda (pode?): – É soda…
Os exames laboratoriais para a toxoplasmose são muito importantes, dando ao profissional, médico ou veterinário, condições não só para o diagnóstico como para a orientação do tratamento, para a situação quanto ao estágio da doença no momento e previsão futura. Assim, exigem argúcia e conhecimento, não só para os exames a ser pedidos como para a correta interpretação e correlação com o quadro clínico. Aí o bom profissional faz a diferença.
Didaticamente pode-se dividi-los em: a- Exames para isolamento do parasita, tanto pelo seu isolamento do sangue ou outros fluidos orgânicos como pelo achado de taquizoitos em secções ou outras preparações dos tecidos, de cistos na placenta ou nos tecidos do feto ou do recém-nascido e, menos usado, pelos dados histológicos fornecidos por biópsia dos gânglios. O método mais engenhoso é a inoculação, no rato, de leucócitos, fluidos orgânicos ou preparado de tecidos e, após um tempo determinado, examinar o líquido peritonial do mesmo para procurar taquizoitos do parasita. Se o rato sobreviver por maior tempo, a ponto de desenvolver anticorpos, cistos do Toxoplasma poderão ser encontrados nos tecidos cerebrais. Outro método usado para isolar o parasita são as culturas de tecidos e, sob microscopia, procurar focos necróticos com células infectadas por taquizoitos dando idéia de infecção aguda. Os taquizoitos também poderão ser isolados de biópsias de tecidos, dos líquidos orgânicos ou da medula óssea usando técnicas elaboradas, como os anticorpos imuno fluorescentes ou a coloração pelo método imunoperoxidase; b- Exames sorológicos. O toxoplasma é capaz de desencadear a produção, pelo organismo, de uma série de imunoglobulinas específicas (as imunoglobulinas são proteínas, de origem animal, produzidas pelas células chamadas linfócitos e plasmócitos, distribuídas em várias classes e que agem como anticorpos específicos que fazem parte da imunidade humoral); a pesquisa dessas imunoglobulinas é feita por uma série de exames chamados sorológicos ou serológicos (não gosto desse termo. Simples falta de empatia e nada mais): a- Exames para detectar a Imunoglobulina G (IgG), geralmente associada aos quadros crônicos. O clássico exame do corante de Sabin-Feldman é muito sensível e específico na pesquisa da imunoglobulinas G (IgG). O teste do anticorpo fluorescente IgG (IgG-IFA), detecta os mesmos anticorpos do Sabin Feldman e os resultados são comparáveis. A pesquisa do IgG pelo teste de aglutinação é simples, confiável e relativamente econômico e b- Exames para detectar a imunoglobulinas M (IgM), característica dos quadros agudos. O teste para pesquisa dos anticorpos fluorescentes (IgM-IFA) é capaz de detectar os anticorpos que surgem já nos primeiros cinco dias do início da doença. O IgM-Elisa (double-sandwich enzyme-linked immunosorbent assay) é mais sensível do que o IgM-IFA. O ISAGA (IgM immunosorbent assay) fixa o IgM do paciente a uma superfície sólida e o identifica usando toxoplasma fixado pela formalina ou partículas de látex coberta pelo antígeno do toxoplasma e é sensível e específico. Os anticorpos também podem ser mensurados pelo teste da hemaglutinação indireta (IHA), mas é um teste de pouco valor na detecção da infecção adquirida durante a gravidez. Um teste muito promissor, o enzyme-linked immunofiltration, o ELIFA, permite, ao mesmo tempo, estudar a especificidade do anticorpo por imunoprecipitação e a caracterização dos isotipos dos anticorpos por imunofiltração.
Não se pode deixar de lado a reação da cadeia da polimerase, o famoso PCR, o qual, amplifica o DNA do toxoplasma facilitando a identificação; esse teste é muito sensível e específico e, usando o líquido amniótico, pode chegar a 100% de possibilidade do diagnóstico da infecção fetal. O teste da blastogênese dos linfócitos aos antígenos do toxoplasma também tem o seu lugar na tentativa de diagnosticar a toxo congênita se a dúvida persiste e os outros testes forem negativos.
A pesquisa da imunoglobulina A (IgA) é útil no diagnostico dos casos agudos e dos congênitos. Ao penetrar na mucosa intestinal o parasita desencadeia o processo de produção da IgA, a primeira barreira sorológica.
A toxoplasmose é doença potencialmente muito séria, pode causar danos irreparáveis nos órgãos atingidos e ocasionar diversos graus de deficiência visual, inclusive a cegueira total, e lesões cerebrais com diversos graus de deficiência mental. Como pode ser evitada e tratada com eficiência, toda a atenção deve ser dirigida para a profilaxia, o diagnóstico e o tratamento precoces. Especial atenção deve ser dada à profilaxia, valorizando o aforismo dos nossos avós de que é melhor evitar do que remediar
a- Controle dos oocistos eliminados pelos gatos. Desinfetar freqüentemente a cama e materiais usados pelos gatos com água fervendo durante 5 minutos. Muito cuidado com o manuseio das fezes dos gatos, procurando sempre usar luvas. Trocar diariamente a areia da caixa onde o gato evacua reduz a possibilidade de infecção porque os parasitos eliminados levam um a dois dias para tornarem-se infectantes. Manter o animal em local não contaminado, alimentá-lo com rações apropriadas e não dar carnes cruas. Não deixá-lo caçar ratos, pássaros ou outros pequenos roedores. Impedir que crianças brinquem nos locais destinados aos animais.
Não adoto conduta xiita contra os gatos, mesmo porque dificilmente funcionam. São animais bonitos, de convivência agradável, limpos e possuem muitos amantes. Já ouvi de veterinários que os donos dos gatos são, na média, mais cuidadosos do que os donos de outros pets. Adoto o hábito de orientar para manter o gato sob assistência veterinária, evitar que fique solto pelos quintais e ruas, dar a ele somente rações específicas e de boa qualidade e adotar medidas de manejo como as citadas acima.
b- Cuidados para evitar contaminação dos alimentos pelos oocistos ou cistos. Descascar frutas e legumes ou lavá-las, assim como as verduras, muito bem. Somente consumir carne bem cozida ou assada, defumada ou curtida em salmoura. Cuidado com a carne assada em micro-ondas porque poderá não estar assada por inteiro. Cuidados durante o manuseio de carnes cruas: lavar bem as superfícies da cozinha e materiais que tiveram contato com elas, não levar mãos ou dedos à boca ou aos olhos, usar luvas e lavar as mãos com água e sabão. Somente consumir ovos cozidos ou fritos e leite pasteurizado. Usar luvas para a prática da jardinagem e lavar as mãos após contato com o solo. Combate incessante às moscas e baratas.
c- Cuidados com a gestante e o feto: Prevenir a infecção da mãe; identificar,pelos testes sorológicos (inclusive nos exames pré-nupciais), as mulheres com risco para os fetos; tratar eficientemente a gestante agudamente infectada para reduzir (até 60%) a contaminação do feto; identificar contaminação do feto através do ultra-som, da amniocentese( para a coleta do líquido amniótico para exames) e pela análise de amostras do sangue fetal. O feto contaminado deve ser tratado ainda no útero para reduzir a severidade da doença.
Em relação aos pássaros, é desejável que consumam rações que contenham carne somente se forem tratadas adequadamente, como acontece com os extrusados. Lavar escrupulosamente as mãos quando for manusear a comida dos mesmos. Evitar o acesso de gatos aos locais de criação ou que sirvam de armazenamento dos alimentos; além de mandar os pássaros para o papo (só o Piupiu vem escapando há décadas), os bichanos poderão contaminar rações, farinhadas, sementes e até a água. Isolar totalmente pássaros portadores do Toxoplasma. Combate incessante aos insetos e ratos no criadouro. Não permitir o acesso de aves soltas às dependências do criadouro.
O tratamento da toxoplasmose é dirigido visando impedir a evolução dos quadros instalados, evitando ou não permitindo agravamento das seqüelas e a possibilidade de transmissão para o feto. Nos casos adquiridos e sem sintomas o tratamento é desnecessário, devendo ser mantida conduta expectante;isso nos humanos, mas como é praticamente impossível sabermos as condições de imunidade do pássaro, é preferível tratar. Os cuidados maiores são dirigidos aos imunocomprometidos, pois, a doença pode evoluir rapidamente para a morte.
Os medicamentos usados visam eliminar os parasitas alterando o seu metabolismo agindo na síntese protéica, na síntese do ácido nucléico e no metabolismo do folato. A trimetoprima e a piremetamina inibem a enzima dihidrofolato redutase. A clortetraciclina, a clindamicina, a roxitromicina, a claritromicina e a azitromicina, antibióticos, inibem a síntese proteica do toxoplasma, afetando o seu crescimento. Uma droga que vem ganhando importância é o arprinocid, inibidor da síntese da purina. O atovaquone bloqueia fase do metabolismo da pirimidina. A espiramicina é usada principalmente nas gestantes porque reduz a transmissão transplacentária. O dapsone, possui uma longa meia vida sérica e, por ser menos tóxica do que a sulfadiazina, é uma alternativa a ela quando necessário. A associação sulfametoxazol – trimetoprima, que agem sinergicamente no metabolismo dos folatos, também tem o seu lugar no arsenal terapêutico da toxoplasmose. Como a piremetamida provoca toxicidade para a medula óssea, ao seu uso deve ser acrescentado o do folinato de cálcio. Alguns casos exigem o uso dos corticosteróides.
Enfim, existe uma vasto arsenal terapêutico, cabendo ao médico ou ao veterinário indicar o esquema adequado para cada caso.
Escrito por José Carlos Pereira, em 11/1/2006