Dinâmica da Regulamentação
Legislação
Não levando em conta toda a regulamentação anterior aos anos 60, vamos tecer comentários, que interessam ao nosso segmento, a partir de Janeiro de 1967 – quando foi publicada a Lei 5.197 , a Lei de Proteção à Fauna que diz em sua ementa:
“Os animais de quaisquer espécies, em qualquer fase do seu desenvolvimento e que vivem naturalmente fora do cativeiro, constituindo a fauna silvestre, bem como os seus ninhos, abrigos e criadouros naturais, são propriedade do Estado, sendo proibida a sua utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha.”;
A mesma Lei diz em seu Artigo 6-b , diz que o Estado deverá incentivar o estabelecimento de “Criadouros” com o objetivo industrial e financeiro, o que quer dizer que, independente da espécie, o Poder Público deveria estimular, desburocratizar e facilitar a prática da criação doméstica. Nessa mesma época foi criado o antigo IBDF – para atuar em questões do meio ambiente e cuidar de nossa fauna e flora.
Nada obstante, os passarinheiros já possuíam pássaros e participavam de torneios – da forma que existem hoje – deste 1950 e portanto foram atingidos pela nova regulamentação e o que era pior não havia à época qualquer interesse e nem se falava em reprodução doméstica de pássaros canoros, até porque era muito fácil obter-se aves capturadas e em abundância; em suma, não havia qualquer preocupação, na cabeça das pessoas, com questões relacionadas ao meio ambiente.
Surgiu então o impasse: – “Torneios X O disposto na Lei” – , daí o criação da Federação Nacional dos Criadores de Bicudos e Curiós, em Ribeirão Preto SP; Tendo como seu primeiro Presidente o saudoso Dr. Antônio Virgílio Mantovani. Ela seria durante algum tempo o interlocutora entre o segmento e o Poder Público. A FOB ficaria encarregada de todas as outras aves que não bicudos e curiós. Em 1976 – após intensa negociação com o IBDF – através dos Diretores da Federação Nacional: Aristides Teodoro Mendes, Paulo Belotti e Roberto Benedetti – conseguiu-se a publicação da Portaria 031 que assegurava o anilhamento com anel aberto sigla “IBDF/1977” para participação dos torneios os bicudos e curiós (somente esses pássaros) que fossem cadastrados à época. Isto resolveu, em parte a situação momentânea; mas para o futuro acabou gerando um impasse porque estava, por Lei, proibida a caça de novos exemplares na natureza; e não havia, naquele momento, nenhuma perspectiva para uma criação doméstica. Os próprios passarinheiros não acreditavam muito nisso; “bicho nascido em gaiola não presta”, essa era a crença. A medida que o tempo foi passando começou-se a constatar que a realização de torneios estava à beira da extinção, embora a reprodução de aves em domesticidade havia surgido de maneira promissora, especialmente no Estado de São Paulo – saudoso Ernesto Scatena – bicudos – e junto ao Mestre Marcílio Piccinini em Matias Barbosa MG, que pelos idos dos anos 80, já produzia centenas de curiós por temporada.
Então, a partir de 1982 até 1988, por iniciativa exclusiva do segmento de criadores de bicudos e curiós, estabeleceu-se as tratativas com o IBDF que veio a publicar a Portaria 131/88 – que aí sim atendeu aos reclamos – confiou às Federações a distribuição de anilhas e a Carteirinha de Identificação, autorizou a criação doméstica e participação aos torneios de todos os pássaros canoros nativos que fossem criados domesticamente. Havia, ainda, aqueles que estavam em poder dos sócios de clubes para os quais foi autorizado o respectivo registro. Uma falha da Portaria 131 e que persiste até hoje é não ter separado entre os criadores sócios, os que reproduzem, os que são “marchant” e os que mantém. Esses três segmentos são ativos e existem em grande quantidade; para haver transparência é preciso que a regulamentação contemple claramente as atividades de cada um.
Na mesma ocasião, foram publicadas as Portarias 132 – Criadouro Comercial – Portaria 139 – Criadouro Conservacionista , essas duas para tentar atender os criadores de todas as aves, os profissionais e aqueles que tinham a intenção de manter aves, criá-las e pesquisá-las.
Em 1988, também foi promulgada a Lei 7653 que estabeleceu normas para os crimes praticados contra a natureza, capturar pássaros, por exemplo era “inafiançável”, isto é, o indivíduo seria detido, como aconteceu com muita gente, às vezes até de forma exagerada ou injusta. Basta lembrar do sujeito que detinha um “pássaro preto” em Brasília e que ficou preso 30 dias por isso e o outro que arrancou a casca de uma árvore e foi preso também; e pensar em inúmeras pessoas que dão milhões e milhões de dólares de prejuízo ao patrimônio público e estão soltos aí a tripudiar da sociedade; isto tudo nos faz sentir o despropósito daquela Lei.
A Portaria 131, teve o seu lado muito positivo e funcionou; ainda mais recordando-se que partimos do nada, em matéria de reprodução nos anos 70 para hoje; dispomos agora de centenas de criadores de aves espalhados pelo Brasil, são milhares de aves produzidas. Como é natural, porém, precisou sofrer alterações de alguns de seus itens o que acabou acontecendo com a vigência da Portaria 631/92 – que tentou restringir a atividade do criador produtor mais de 50 pássaros e determinou que deveria haver apenas uma Federação por Estado. Houve até argüição sobre a constitucionalidade do capítulo que obrigava as Sociedades a se filiarem a uma Federação, o que foi atendido com a respectiva Portaria, que desobrigava os clubes a se filiarem obrigatoriamente. Mas na prática isso nunca funcionou.
Continuando as gestões com o IBAMA em 1996, após negociação com os presidentes das Federações publicou-se a portaria 057 – que pouco mudou em relação à anterior (631) apenas no que dizia respeito à restrição de se poder criar mais 50 pássaros, o que foi liberado. A questão da obrigatoriedade de filiação foi omitida para dizer que os clubes serão agregados à Federações e que serão representados junto ao IBAMA por elas. Com as publicações das Portarias 117 e 118, o segmento que visa obter lucro com a atividade pode ter
situações mais condizentes com suas pretensões. Em 1998 – surgiu a Lei chamada de Crimes Ambientais que diz: em seu Art.29.: “Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, em desacordo com a obtida:
Pena – detenção de seis meses a um ano, e multa.” Essa Lei, mais exeqüível não é perfeita mas bem melhor do que a anterior que prendia, sem direito a fiança, o suposto infrator para depois fazer o inquérito judicial e proporcionar o amplo direito de defesa que todos devem ter.
O grande problema da regulamentação é a teoria versus a prática, visto que, embora haja boas intenções na elaboração delas, a realidade do dia a dia é outra. Nem sempre são chamados para dar opinião quem está na ponta, quem executa e quem deve por direito opinar. Entretanto, nos dias de hoje, há algumas realidades que não podem deixar de ser lembradas quando das elaborações das Leis e Portarias, tais como:
a) Separar os que reproduzem dos que mantém e tem a prática de comerciar;
b) Assegurar a prática do “hobby” dos que exercem legalmente a realização dos torneios de canto e exposições;
c) Obrigar, quando possível, aos infratores a ficar como fiéis depositários e responsáveis pelas aves apreendidas até que se dê um destino adequado do tipo soltura no seu local de origem ou um tratamento individualizado que vise a proteger vida delas;
d) Estabelecer, no caso de apreensões, normas de procedimento em todos os tipo de “depósitos de aves” de modo a assegurar tratamento adequado e individualizado às aves;
e) Ajuntar, quando possível, em um só documento a regulamentação que diz respeito a toda a avifauna brasileira;
f) Exigir que os estatutos das entidades e os contratos e acordos realizados com o setor privado sejam os mais transparentes e adequados possíveis, uma vez que envolve a concessão de manejo de um bem público;
g) Exigir que todo e qualquer sistema de marcação das aves seja controlado “via eletrônica”, inclusive com a utilização da Internet, através de Banco de Dados, única forma de se ter um nível de controle “à distância” e confiável;
h) Estabelecer condições para desburocratizar e facilitar a tramitação dos papéis a fim de que os interessados possam obter a documentação necessária, o mais rápido possível;
i) Estabelecer política regionalizada e estadual para as questões das aves em domesticidade em face da grande diferença no tratamento que há entre uma região e outra;
j) Ter sempre em conta que as atividades dos criadores que reproduzem e transacionam a sua produção irão gerar empregos e criar riquezas para o País de acordo o disposto na Agenda 21 – utilização de um recurso natural sustentável;
k) Impedir, quem quer que seja, a titulo de proteger a natureza, que o produtor nacional de aves nativas seja prejudicado, ao se fazer a apologia do animal exótico; como se a criação dele fosse o único exemplo e forma séria de preservar a avifauna brasileira.
Isto posto, confiamos que as pessoas que querem a proteção e a conservação de nossas aves nativas brasileiras devem participar e dar sempre a sua opinião para que possamos, num futuro próximo, no século 21, realmente assegurar a sobrevivência delas; propugnando no sentido de que os espécimens que vivem na natureza lá estão e lá devem ficar; e as que ora estão em domesticidade, aqui estão e que assim podem ficar para, inclusive, assegurar a conservação delas.
Escrito por Aloísio Pacini Tostes, em 2/9/2003