Estatutos, um acordo coletivo

A Legislação é nossa aliada

A conjuntura atual nos faz trazer esse importante assunto à discussão, porque ele é a base de toda a organização. Poderão nos chamar de repetitivos e de redundantes, só nos calaremos, porem, quando sertirmos que toda a questão está bem encaminhada. Para a estrutura orgânica do segmento ornitofílico, então, esse debate assume uma relevância que é a razão da sobrevivência do próprio hobby. O tranqüilo e pacífico exercício de nossas atividades estão muito relacionados com a imagem que a sociedade, o poder público e a mídia faz de nós.

Como conquistaremos o permanente respeito de todos; só com muita seriedade e objetivos claros. Porquanto, nesse mundo globalizado de hoje não há mais lugar para: o reservado, o de difícil entendimento, amadorismo e o arcaíco; pelo contrário, tudo tem que ser muito bem explicável e inteligível, isso é a necessária autenticidade. É a fórmula para a sobrevivência.

As leis, regras, regimentos, regulamentos, precisaram ser criados para dificultar as ações dos antiéticos, contemptores, sacripantas e demais desencaminhados ou desprovidos de valores morais. As referidas normas existem para garantir a existência de uma sociedade igualitária, democrática e transparente.

Assim, o que são estatutos? Nada mais que um acordo entre as partes, um regulamento a ser seguido para que fique assegurado a todos, direitos e obrigações semelhantes. Grupos ou pessoas não podem, ter privilégios ou se acharem no direito de tê-los, ou de serem os donos da verdade e do patrimônio que é de todos os associados.

É só seguir fielmente a orientação do Estado, proprietário de tudo que existe na natureza, através da Lei de Proteção à Fauna e de Portarias específicas do IBAMA, que obriga que nos juntemos em sociedades organizadas legalmente existentes. O que quer dizer: estatutos registrados em cartórios e aprovados pelos associados.

À medida que a grande maioria, entende e discute e aprova os respectivos estatutos confere legitimidade a ele. E como acontece em todos os setores da vida, a maioria sempre está mais próxima da razão e do bem comum. Em suma, é o interesse de todos que está em jogo que se traduz na preservação das suas próprias conveniências.

Embora, a Constituição Federal nos assegure direito de livre associação, no caso da delegação que obtivemos através das Portarias seria salutar e até conveniente que o Poder Público assuma sua função de orientar e exigir que os estatutos estejam descritos de forma a atender plenamente o interesse da sociedade. Isto porque, não rara vezes eles são reformados e acabam se descaracterizando-se ou servindo de veículo para mascarar ações espúrias. Por exemplo, há, estatuto em vigor que está em gritante desacordo com o que está escrito em Portaria do IBAMA..

Temos que ter, de outro lado, o maior cuidado quando da elaboração, reforma ou atualização de estatutos, do contrário, criaremos os indesejáveis descontentamentos que poderão levar a organização a uma cisão incomensurável e irreversível.

O relacionamento entre seres humanos é muito difícil por natureza, mesmo quando se busca conjuntamente o interesse de todos. Daí, reformar estatutos de uma associação que é coletiva é um ato de muita responsibilidade e delicado. Só é moralmente válido quando há honestidade de propósitos e desapegamento de valores materiais.

O que nos preocupa é que, em alguns casos, não são observadas regras básicas e elementares para se elaborar e principalmente para reformar estatutos, tudo é feito por uma minoria que se julga no direito de registrar aquilo que lhe convier para, talvez, tentar se perpetuar no poder. O que é pior, ao remendar os estatutos utilizar-se de subterfúgios, remissões e locuções ininteligíveis.

Se alguém perguntar, mas como isso passou? Como esses absurdos puderam ser aprovados? A resposta é simples, quase sempre os associados atingidos não percebem. Tudo é feito muito sub-repticiamente, ou fora do prazo, com atas forjadas ou redigidas a posteriori ou por baixo do pano, sem que tenha havido qualquer tipo de discussão ou entendimento a respeito. O contraditório e oposição é a segurança da democracia e do entendimento, tem até que serem estimulados a existir.

No que se refere à eleições dos dirigentes, os cuidados tem que ser maiores ainda. Um capítulo tem que ser exclusivo para esse tema. Ali tem que estar contidos: o prazo para inscrição das chapas, as condições prévias para ser candidato, quem vai acolher as inscrições, quem vai conduzir as eleições, as formas de impugnação, quem tem o direito de propor enventual impugnação, o amplo direito de defesa e tudo o mais. Tudo isso para assegurar direitos iguais a todos.

Para completar, seria necessário, e até mesmo obrigatório que houvesse uma espécie de Conselho Deliberativo. Esse poder seria o mediador, o de consulta e aquele que conduziria as eleições; seria o apreciador de algum eventual recurso interposto, inclusive para punições. Esses procedimentos garantiriam que no ambiente de qualquer entidade todas as questões internas fossem resolvidas no próprio âmbito.

Do contrário, como não há como se defender de algum tipo de ação de diretoria a solução é o pretenso prejudicado recorrer à justiça comum para reclamar o amplo direito de defesa; a garantia mais importante da democracia e da cidadania.

Além do mais, no caso dos passarinheiros, muitas questões precisam ficar claras notadamente nos estatutos, os sócios, por exemplo, não podem ser discriminados. Há como separá-los por categorias? mantenedores de pássaros? amadores? hobbistas? os que praticam a reprodução em larga escala desse ou daquele pássaro? os pequenos criadores? aquele que não cria, mas é um assíduo expositor em torneios e que estimula fortemente a reprodução porque incrementa as transações? o que gosta de fibra? o que gosta de curió de canto? o que gosta de bicudo? o que gosta de coleirinha de fibra? o que gosta de canário? o que gosta de trinca? e assim por diante.

Essa discussão está presente, alguns não estão dando a importância devida à questão. Dizer que pertencemos a uma sociedade amadora. Sim, somos amadores de pássaros, amamos os pássaros. Só nesse sentido que se pode entender essa conotação. Ou, então é muita ingenuidade ou muita hipocrisia. Na verdade, isso é coisa do passado, o amadorismo é reacionário e egocêntrico, não traz nenhuma contribuição ao coletivo.

Ademais, se analisarmos, com cuidado, qual é o respaldo, o ponto central para que todos nós possamos manter o hobby? Somos uma comunidade, muitos são os interesses agregados em uma só sociedade. Temos que ter o maior respeito uns com os outros , é óbvio. Isto está acontecendo?

Como definir os anseios de cada tipo de sócio, há diferenças entre eles? Esse é um problema muito sério. Se alguém se propõe a ser líder de todos, tem que enxergar, tratar e solucionar essas questões com muita clareza e propriedade. Os problemas estruturais tem que ser discutidos e eqüacionados, é a questão orgânica de funcionamento. Como é que vamos seguir em frente e sobreviver se temos uma séria crise de identidade latente e a ponto de explodir.

Antes era só bicudo e curió, agora, aqueles que criam: coleiro, canário da terra e trinca-ferro estão se tornando maioria de sócios. Essa é a realidade. A verdade é que todos precisaram e precisam ser orientados, esclarecidos igualmente quanto ao que pode e ao que deve ser feito. Isso nunca aconteceu. Acusações infundadas tem sido uma prática e uma forma de má informação ou de desinformação muito grande em nosso meio.

O que se precisa, em todos os níveis e imediatamente, é a adoção sistemática encontros, debates, discussões abertos sobre o tema: “criação doméstica de pássaros canoros nativos nacionais”. Assim daríamos um passo importante para buscar uma solução definitiva e duradoura para a sobrevivência de toda nossa classe.

Isto posto, tudo que dissemos é a dura realidade, não adianta querer esconder o sol com a peneira. Nós queremos é continuar podendo conviver com nossos pássaros, queremos praticar a sua preservação e sermos companheiros e amigos uns dos ouros. Para isso, precisamos nos unir em torno de uma grande discussão – uma verdadeira constituinte – e depois de muito conversar, definir melhor e com clareza e transparência, as nossas leis, portarias, regulamentos e estatutos, e assim, conseguirmos um grande acordo coletivo.

Escrito por Aloísio Pacini Tostes, em 2/9/2003