O Filho Pródigo à Casa Retorna

Novos tempos

José Filho (jose.araujo@dprf.gov.br)

Um curió civilizado, nascido e criado na cidade grande, formado nas melhores escolas de canto, andava cansado da vida urbana, reclamava em alto e bom tom da vida que estava levando, achava-se muito preso, até que um dia fugiu da sua gaiola sem avisar ninguem e saiu sem destino, após muito tempo de viagem, já todo sujo, cansado e faminto, parou à beira de um riacho para beber, exitou diante daquela agua barrenta porem a sede falou mais alto e ele bebeu, sentiu um gosto estranho de lama no bico mas bebeu até matar a sede, em seguida entrou na água e começou a banhar para aplacar o calor e o suor que lhe escorria até às penas do rabo, foi quando observou na outra margem do riacho alguns cachos balançando ao vento, em um salto atravessou e subiu em um pé de capim navalha e começou a devorar a tiririca com uma voracidade que até parecia não ter nenhuma etiqueta à mesa, mais parecia um silvícola, como se nunca tivesse comigo aquele petisco, começou a tossir engasgado em seguida começou a soluçar e de repente foi surpreendido com a chegada repentina de outro curió que entre assovios e rasgadas deu-lhe o maior esporre, certo que com um sotaque estranho matuto mesmo, o caipira foi antes de mais nada perguntando quem autorizô ocê bebê da minha fonti, banhiá na minha fonti e cumê fruitas da minha roça? O soluço com o sustou até passou e meio acanhado o curió da cidade gaguejou tentando explicar, mas o curió caipira continou a bronca dizendo que tinha filhos pra criar e como iria alimentar seu filhos agora que o intruso tinha comido boa parte da tiririca que era o alimento para toda a temporada e que sua presença ainda por cima poderia trazer doenças urbanas para sua família, então após o primeiro contato meio que indigesto iniciou-se um diálogo mais franco e cordial, foi quando o curió da cidade tomou ciência de que a vida no interior era muito dura muito sofrida, muito trabalho pouca recompensa, expectativa de vida curta, no mato a exposição aos predadores é muito grande, cobras, ratos aves de rapina o risco existe desde o ovo no ninho, filhotes recem nascidos, adultos e velhos principalmente, que na melhor idade são facilmente capturados e devorados, tem ainda o pior predador que é humano caça para o tráfico, desmata o habitat natural e envenena na defesa das suas plantações, a alimentação aqui no interior é muito escassa, quando cessa a temporada de chuva só deus sabe a miséria que passamos catando grãos de sementes pelo chão e às vezes chegamos a beber lama para não morrer de sede, quando uma doença mais graves nos acomente não tem jeito, é morte certa, não temos medicamentos nem veterinários por aqui, aqui a gente vive morrendo e morre vivendo. Diante de toda aquela esplanação com simples mas sábias palavras do curió caipira, o curió da cidade lebrou de todo o conforto do seu lar e toda a comodidade da sua gaiola com alimentos variados à hora e à vez, água potável, minerais, proteinas, vitaminas, medicamentos, médicos veterinários, carinho do criador, entendeu porque os curiós na cidade vivem até vinte, trinta anos e não teve dúvidas, pediu desculpas ao curió matuto, convidou-o para uma visita futura à cidade, despediu-se e pegou o primeiro vôo de volta para a capital, onde chegou feliz assoviando consciente de que a vida civilizada não é tão ruim quanto pintam por aí os que desconhecem as mordomias de uma ave criada na cidade e que nós criadores somos a garantia de que estas espécies não serão extintas.

Autor: José Filho A. Lima

Escrito por José Filho, em 23/2/2006