Peito de Aço
Um curió macho
“PEITO DE AÇO” nasceu em Saturno-ES há 15 anos. Veio ao mundo capixaba em tempo de seca e em noite de lua. A seca temperou a personalidade do passarinho. Fê-lo combativo, forte, brigador. A lua tornou-o romântico, o cantador mais cotado das freguesias nacionais. É madeira de dar em doido. Dentro de um escafandro é capaz de cantar debaixo d´água. Faça calor, sol, chuva, sereno ou temporal do grosso – “Peito de Aço” está sempre modulando seus trinos de guerra. Além de gostar de boa música (cá pra nós, ele ainda prefere um bom forró) o Curió é francamente de briga. Valentia chegou nele e parou. É um Tenório Cavalcanti que tem o bico por “lourinha”, pesa 100 gramas e, como capa preta, possui as penas pardo-laranja. Se “Lampião” topasse com o Curió iria adorá-lo e oferecê-lo de presente a Maria Bonita. Há passagens interessantes nas memórias de “Peito de Aço”. Certa vez ele pegou pelo pé 14 curiós nos tabuais de Quatis. Foi pancadaria da grossa, meus amigos, penas para todos os lados. O passarinho parece ter sangue de jagunço, tal a valentia do seu bico. Um sanhaço andou falando mal do “Peito de aço” e teve de mudar de opinião, porque o curió foi-lhe aos gorgomilos. Posso garantir a vocês que ele dá duas oitavas além de Yma Sumac, a grande cantora peruana, e é mais tinhoso que o Heleno, no gramado, quando o time dele está perdendo. O fraco do curió é um namoro rendoso. Se uma fêmea sobrevoa a sua gaiola, ele fica todo ancho, arrepiado e canta, então, a sua melhor modinha. Nessas ocasiões, o curió é capaz de bicar até o dedo do seu amigo Zeferino, um pernambucano bom no rapé e que não vende “Peito de aço” por dinheiro algum deste mundo. Um dia qualquer “Peito de aço” morrerá longe do seu querido sertão, longe das tiriricas. Zeferino observará silêncio na gaiola e pensará: “Peito de aço” calado? Não pode ser”. Suspenderá a flanela azul que costuma cobrir a gaiola e verá o estimado bichinho esticado, frios, ausente a voz de ouro das vinte e quatro horas. Será sepultado junto às raízes da velha mangueira, em cujos galhos Zeferino pendura diariamente a gaiola da ave cantadeira.
Ubiratan de Lemos
© O CRUZEIRO, 21 de agosto de 1954.
Escrito por Ubiratan de Lemos, em 27/11/2005