Sistema nervoso e o canto dos pássaros
Uma relação complicada
BOLETIM DO CRIADOURO CAVIÚNAS
NÚMERO 23 OUTUBRO 2007
REDATOR: Dr. JOSÉ CARLOS PEREIRA
RUA JOAQUIM DO PRADO, 49, CRUZEIRO, SP. TELEFAX 012 31443590
drjosecarlos2000@uol.com.br
Amigos passarinheiros, aí está mais um boletim do Caviúnas, pequena colaboração para a criação dos pássaros nativos brasileiros. Contém dados sobre o sistema nervoso e um apanhado sobre alguma coisa que existe atualmente para tentar explicar a importância do canto dos pássaros. Procurei evitar falar de técnicas para a vetorização/encartamento dos cantos procurados pelos criadores simplesmente porque não me julgo capacitado para isso.
Ficou massudão. Se não tiver interesse em se aprofundar na neurologia, comece a leitura pela página treze.
O assunto é controverso, sujeito a questionamentos, evolutivo, muita coisa ainda dependendo de mais estudos, pois, estamos falando de seres vivos sujeitos às mais diferentes capacitações genéticas e fatores ambientais e não de pedras. Portanto, para o melhor aproveitamento, sugiro que não o leiam com o espírito de se contraporem ás idéias formuladas e sim com a intenção de algo positivo para o incremento das suas criações.
Amanhã, eu sei por experiência de mais de quarenta anos com a medicina, muitos desses conceitos estarão aprovados, outros ainda sendo estudados, outros jazerão no esquecimento por estarem obsoletos e surgirão muitos outros novos. É a dinâmica da vida.
Se conseguirem tirar alguma coisa útil para melhorar as suas criações de pássaros estarei gratificado. Se não conseguirem, desculpem a minha incapacidade de transmitir.
José Carlos.
SISTEMA NERVOSO E O CANTO DOS PÁSSAROS
Desde os bancos escolares sabemos que a célula é a estrutura básica dos seres vivos. Elas se juntam para formar os tecidos e esses os órgãos.
Há quatro tecidos básicos: epitelial, conjuntivo, muscular e nervoso.
O tecido nervoso é constituído, no homem, por, mais ou menos, um trilhão de células chamadas neurônios. Ainda no período embrionário o ectoderma (inicialmente os tecidos embrionários formam três camadas, o ectoderma, o mesoderma e o endoderma) forma o neuroepitélio que se condensa para formar a placa neural; a placa neural curva-se para formar o sulco neural, cujas margens continuam a crescer até encontrarem-se para formar o tubo neural. A porção anterior do tubo irá diferenciar-se para formar o cérebro e a porção posterior originará a medula espinhal. O tubo neural será origem da neuroglia, do epêndima, dos neurônios e do plexo coróide. Um grupo de células da margem lateral da placa neural, chamado de células da crista neural, não é incorporado a ela, desgarra-se e migra para formar estruturas como os componentes do sistema nervoso periférico sensorial, os neurônios sensoriais dos gânglios sensoriais espinhais e craniais (gânglios da rota dorsal), os melanócitos ( células produtoras de melanina) da pele e da mucosa oral, os odontoblastos (células produtoras de dentina), as células cromafins da medula adrenal, as células das membranas aracnóide e pia-máter, as células dos gânglios nervosos periféricos e as células de Schwann (células da neuroglia cujas membranas envolvem os axônios dos neurônios periféricos mielinizados).
As células dos SNC (sistema nervoso central), os neurônios, estão entre as maiores e as menores de todo o organismo, variando os seus diâmetros de 5 até 150 milimicras. Têm várias formas, mas a marcante é a poligonal. Possuem projeções chamadas dendrites, especializados em receber estímulos de células sensoriais, de outros neurônios e dos axônios. Geralmente os dendrites são muito ramificados dando aspecto arborizado às suas terminações, o que, permite receber estímulos de muitos outros neurônios simultaneamente. Do lado oposto da célula sai o axônio, prolongamento celular único que pode chegar a um metro de comprimento. O diâmetro do axônio é variável e diretamente proporcional a velocidade do impulso que transmite. Os axônios podem estar revestidos por uma capa de mielina (substância lipóide produzida pelas células de Schwann) ou não. Os axônios mielinizados conduzem os impulsos mais rapidamente do que os não mielinizados. A mielina possui pontos de estrangulamentos chamados de Ranvier (como uma lingüiça se fizermos amarrilhos na sua extensão) e somente nesses estrangulamentos há a despolarização; dessa maneira os impulsos nervosos caminham rapidamente aos saltos. Voltaremos ainda às células de Schwann.
Além de conduzirem os impulsos nervosos, os axônios transportam material entre o centro celular e os terminais axônicos ou vice-versa de maneira retrógrada. O transporte de matérias entre o neurônio e os alvos de ação (músculos e glândulas) é essencial; sem ele os músculos e as glândulas sofrem processo de atrofia. O transporte pelos axônios ocorre em várias velocidades. A mais rápida é o transporte anterógrado de organelas cuja velocidade no citosol pode chegar a mais de 400 mm por dia; já o transporte retrógrado pode ser tão lento como 0.2 mm por dia. Entre esses extremos há uma gama de velocidades de transporte intermediárias. Além das organelas e vesículas são transportados, no sentido anterógrado, moléculas grandes, como as de actina e miosina, e algumas enzimas necessárias para a síntese de neurotransmissores na extremidade final (distal) do axônio. Da extremidade distal do axônio para o corpo do neurônio são transportadas proteínas constituindo neurofilamentos e enzimas. O transporte axonial não somente distribui material necessário para a condução nervosa e síntese dos neurotransmissores como para a manutenção do próprio axônio.
A célula básica do sistema nervoso central, o neurônio, possui, no geral, as mesmas características e propriedades de qualquer dos mais de 200 diferentes tipos de células encontradas no corpo humano. É circunscrita por uma dupla membrana (plasmalema ou membrana plasmática) visível à microscopia eletrônica e formada por três folhas, de, mais ou menos, 2.5 nm (nanômetro = 10 –9 do metro) de largura e compostas por fosfolipídios e proteínas na proporção de 1:1, a não ser na mielina que reveste alguns nervos onde a proporção é de 4:1. Os mecanismos de transporte de substâncias através das membranas é um dos capítulos essenciais para a fisiologia de todo o organismo. O transporte pode ser passivo, através de gradiente eletroquímico de concentração, ou ativo contra esse gradiente. O transporte pode ser uniport, com uma molécula movendo-se em uma direção, symport com duas moléculas movendo-se na mesma direção ou antiport com as duas moléculas movendo-se em direções contrárias.
Por seus componentes hidrofóbicos (repelem a água) a membrana celular limita o movimento das moléculas polares (momento elétrico diferente de zero) através dela, o qual, é feito seletivamente por proteínas transmembranas especializadas, os canais de proteínas ou proteínas transportadoras. As proteínas transportadoras são constituídas por um grupo de proteínas, existentes nos dois lados da membrana, que possuem locais específicos de ligação para íons ou moléculas. Elas têm conformação reversível de maneira a permitir transporte de um lado para o outro da membrana. A composição e o funcionamento desses canais transmembranas é um dos queridinhos dos bioquímicos. Substâncias não polares, como o oxigênio e o nitrogênio, e moléculas polarmente não carregadas, como a água e o glicerol, cruzam a membrana por difusão simples obedecendo os gradientes de concentração. Já nos canais hidrofílicos (afins com a água), as proteínas dispõem-se em dobras de maneira que os seus aminoácidos hidrofóbicos posicionam-se perifericamente interagindo com os radicais acil (grupo formado pela retirada de uma hidroxila (OH) de um ácido carboxílico(-COOH) dos fosfolipídios da membrana) e os aminoácidos hidrofílicos colocam-se internamente formando uma linha polar do canal. Hoje são conhecidos mais de uma centena dos chamados canais iônicos, alguns específicos para determinados íons e outros permitindo a passagem de diferentes íons e pequenas moléculas solúveis em água. Embora esses íons ou pequenas moléculas possam movimentar-se seguindo os gradientes de concentração eletroquímicos (vão do mais concentrado para o menos concentrado. Lembram-se dos livros de química dos tempos ginasiais ou passou em branco?), os canais iônicos possuem porteiras para selecionar quem passará (Eta La Passionaria); somente alguns poucos canais não possuem essas porteiras. Dos canais com porteiras podemos citar o canal que abre-se por ação de uma molécula sinalizadora, muitas vezes um neurotransmissor; o canal que é aberto pela ligação de um neurotransmissor (alguns, como a acetilcolina, são excitadores por regularem os cátions, íons positivos, e outros são inibidores por regularem os anions, os íons negativos) a um local determinado da porteira permitindo a passagem de um íon específico para o interior da célula; canais nos quais a molécula sinalizadora é um nucleotídeo, como o AMP cíclico, como acontece com os bastonetes da retina, que abrem a porteira para um íon particular; canais cujas porteiras abrem-se por ação mecânica, como acontece com as células pilosas do ouvido interno (essas células possuem cílios chamados estereocílios que, ao serem curvados ou inclinados, abrem o canal à entrada de cátions para o interior da célula que é despolarizada gerando impulsos que são interpretados pelo cérebro como sons) e canais que para abrirem-se necessitam da interação entre a molécula receptora e um complexo de proteína G que, ativado, interage com a porteira para que íons possam atravessá-la, como acontece nas células do músculo cardíaco. Dos canais sem porteira o mais conhecido é o canal de escape do K+ que permite a movimentação do K+ e atua na criação de uma diferença de potencial elétrico (voltagem) entre os dois lados da membrana; sem porteiras, esse canal não tem o controle da célula no trânsito do K+, refletindo a direção do movimento do íon somente a sua concentração dos dois lados da membrana, caminhando do lado mais concentrado para o menos concentrado.
Não poderia de descrever a chamada bomba de sódio ou de potássio, estrela dos meus tempos de estudante de medicina na mui maravilhosa cidade de S. Sebastião do Rio de Janeiro. Classicamente sabe-se que a concentração de Na+ (íon sódio) é bem maior fora do que dentro da célula, enquanto a concentração do K+ (íon potássio) é bem maior dentro do que fora da célula. A célula mantém o equilíbrio desse diferencial de concentração pelo uso de ATP (adenosina tri fosfato) para fornecer a energia necessária para a atuação da proteína transportadora chamada bomba de N+ ou K+. Essa bomba transporta íons potássio e sódio contra o gradiente de concentração (transporte ativo). A manutenção desse gradiente de concentração é essencial para a sobrevida e o funcionamento de todas as células do organismo, o que, exige grande quantidade de bombas de sódio ou de potássio. A bomba Na+/K+ tem dois locais de ligação para o potássio no seu lado externo e três para o sódio na sua face citoplasmática (interna); assim, para cada dois íons K+ levados para o interior da célula são transportados três íons Na+ para fora dela. O mecanismo, embora pareça intrincado é simples e fascinante: quando os três íons Na+ ligam-se à folha da bomba em contato com o citosol o ATP(adenosina trifosfato) é hidrolisado a ADP(adenosina difosfato), liberando um íon fosfato que é usado para fosforilar a enzima ATPase provocando a alteração da bomba e a conseqüente transferência dos íons sódio para fora da célula. Por sua vez, a ligação de dois íons K+ na face externa da bomba causa a desfoforalização (putz!) da ATPase com o retorno da proteína à sua conformação prévia e a transferência de íons K+ para dentro da célula. A bomba, além de manter a osmolaridade celular e, conseqüentemente o seu volume, tem ação importante na manutenção, juntamente com o canal de potássio, na manutenção do potencial da membrana celular.
Todas as células do organismo são polarizadas, possuindo potenciais elétricos distintos e com potencial de repouso em torno de –70mV. O lado interno da membrana é menos positivo do que o lado externo. Os neurônios possuem a qualidade de poder conduzir impulsos (sinais) elétricos gerados numa zona gatilho situada na região de origem do axônio. Os impulsos elétricos têm origem na despolarização da membrana plasmática. O potencial de repouso é determinado pela diferença de concentração iônica entre o interior e o exterior porque a concentração dos íons K+ (potássio) é muito mais alta dentro do que fora da célula e as concentrações dos íons Na(sódio) e Cl- (cloro) são muito maiores fora do que dentro. O canal de escape do potássio permite a passagem de íons K+ para fora da célula, baixando o seu gradiente de concentração; como há poucos canais de sódio e cloro abertos na membrana da célula em repouso, mais íons K+ deixam o interior da célula do que íons Na+ e Cl- chegam até ele mantendo sempre uma maior positividade fora do que dentro da célula. Embora o potencial de repouso dependa essencialmente do canal de escape do potássio, as bombas de sódio e cloro auxiliam ativamente o processo bombeando íons Na+ para fora e íons K+ para dentro da célula (como vimos, para cada três íons Na+ bombeados para fora dois íons K+ são bombeados para dentro).
Visto isto, e o pessoal deve estar pensando o que os nossos passarinhos têm a ver com esse imbróglio todo, vamos em frente porque atrás vem gente. Na grande maioria das células o potencial elétrico da membrana é constante, menos nos neurônios e nas células musculares que são capazes de condução dos sinais elétricos. O estímulo do neurônio provoca a abertura da porteira do canal de sódio numa pequena região da membrana possibilitando a entrada de íons Na+ para o interior celular. Se a entrada de sódio atingir um limite o interior celular torna-se positivo em relação ao exterior, revertendo o potencial de repouso num processo chamado despolarização. No momento em que há a despolarização os canais de sódio se fecham por 1 a 2 milissegundos, o chamado período refratário no qual a membrana deixa de responder aos estímulos. Durante o período refratário as porteiras dos canais de potássio abrem-se permitindo a saída de K+ da célula e restaurando o potencial de repouso da membrana, voltando a célula a responder aos estímulos. Essa inversão de positividade da membrana celular cria um potencial de ação do tipo tudo ou nada que pode alcançar velocidade em torno de 1000 impulsos por segundo. O potencial de ação vai abrindo os canais de sódio da região adjacente seguinte resultando num outro potencial de ação de maneira que o impulso vai seguindo através do axônio. O sentido é um só porque a inativação do canal de sódio durante o período refratário impede a propagação retrógrada da onda de despolarização.
Os impulsos nervosos caminham por toda a extensão do axônio, da base para a extremidade, e são transmitidos para outros neurônios, para as células musculares ou para as células glandulares.
Atentos, devem estar perguntando os passarinheiros: como esses impulsos passam de uma célula a outra? Aí entram as sinapses, uma das organizações mais importantes da medicina moderna, pois, a partir dela, há a possibilidade do entendimento e tratamento de uma grande parcela dos males que afligem o homem e os animais. Os axônios modificam-se nas suas extremidades conforme o tipo de contato sinaptico que terão com as outras células; alguns formam expansão chamada botão terminal e outros terminam como um simples inchaço ao longo dele próprio chamado botão de passagem. As sinapses são formadas pelas terminações axônicas das chamadas células pré-sinapticas (que transmitem os impulsos) e os pontos de contatos das células nervosas, das glandulares ou das musculares que são chamadas pós-sinapticas (que recebem os impulsos). As membranas pré e pós-sinapticas não entram em contato direto, havendo entre elas um espaço chamado fenda sinaptica que mede, em média, 25 nm. No citoplasma vizinho da membrana pré-sinaptica são encontradas organelas como as mitocôndrias, pouco retículo endoplasmático liso e uma grande abundância de vesículas sinapticas. As vesículas são estruturas esféricas, medindo, em média, 50 nm de diâmetro, cheias de neurotransmissores que são peptídeos (produto proteico da ligação peptídica entre dois ou mais aminoácidos e pertencente ao grupo das amidas,) produzidos e embalados no corpo celular e transportados, por via anterógrada, para a extremidade do axônio. Algumas proteínas regulam o funcionamento das vesículas: a Sinapsina-I que forma complexo com as superfícies das vesículas e juntam-nas em grupos de reserva. Sendo fosforiladas (lembram-se de onde vem esse elemento fosfórico? Da transformação do ATP em AMP) as vesículas liberam-se e movem-se para a região ativa da sinapse onde liberam os neurotransmissores. A desfofatização da proteína reverte o processo; a Sinapsina-II e a rab3a controlam a ligação das vesículas com os microfilamentos de actina; a sinaptotagmina e a sinaptofisina controlam a ligação das vesículas com a membrana pré-sinaptica. Quando um estímulo chega à membrana pré-sinaptica as porteiras dos canais de Ca2+ (cálcio) abrem-se e íons cálcio penetram no interior das vesículas que fundem-se com a membrana pré-sinaptica esvaziando os neurotransmissores na fenda sinaptica por exocitose (processo de saída de produtos celulares). Os excessos de vesículas são recapturados por endocitose mediada por uma substância chamada clatrina, fundem-se e entram no retículo endoplasmático liso onde novas membranas são continuamente recicladas. Notem como o organismo nos dá exemplos de reciclagem de substâncias.
Na membrana da célula pré-sinaptica há regiões espessadas contendo receptores que, ligando-se aos neurotransmissores, iniciam um potencial de ação (excitação) ou uma hiperpolarização (resposta inibitória) da membrana pós-sinaptica.
Um pequeno histórico para mostrar a importância pouco reconhecida de alguns homens para o destino da humanidade. Em 1898, o alemão M. Lewandowsky (Ueber eine Wirkung des Nebennieren-extractes auf das Auge) e, em 1901, o inglês J. N. Langley (Observations o the physilogical action of extracts of the supra-renal bodies), mostraram, em trabalhos elegantemente apresentados, a similaridade entre os efeitos de injeções de extratos das glândulas adrenais e a estimulação do nervo vago. Um brilhante aluno de Langley em Cambridge (pensam que lá somente formam bons remadores?), T. R. Eliot, mostrou que o impulso do nervo simpático libera pequeníssimas amostras de uma substância similar a epinefrina nos locais de contato com as células efetoras. Esses trabalhos abriram as portas para, em 1921, o alemão O. Loewi, extraordinário pesquisador, mostrar, pela primeira vez, a evidência da mediação química dos impulsos nervosos pela liberação de agentes químicos específicos. Loewi estimulou o nervo vago do coração de um sapo doador e levou o líquido perfundido a ter contato com o coração de outro sapo (receptor), mostrando que, após alguns segundos, o coração do receptor reagia como o do doador.
As células nervosas comunicam-se essencialmente através das moléculas sinalizadoras chamadas neurotransmissores, quando atuam diretamente nos receptores (primeiro mensageiro), ou neuromoduladores ou neurohormônios, quando necessitam de um segundo mensageiro (Ca2+, monofosfato cíclico de guanosina ou gGMP, inositol, diacilglicerol, monofosfato cíclico de adenosina ou cAMP) para a sua ação. Como agem diretamente, os efeitos dos neurotransmissores são rápidos (usualmente em menos de 1 milissegundo). Os neuromoduladores, necessitando um segundo mensageiro, levam mais tempo (pouco minutos) para produzirem os seus efeitos. Hoje são conhecidos mais de uma centena de neurotransmissores e neuromoduladores divididos em: a-Os neurotransmissores representados por pequenas moléculas como a acetilcolina, os aminoácidos glutamato, aspartato, glicina e ácido gama-amino-butírico (GABA), as monoaminas como a serotonina (inibe a dor e controla o humor e o sono) e as três catecolaminas (dopamina, a noradrenalina e a adrenalina); b-Os neuropeptídeos, muitos dos quais são neuromoduladores (como os chamados peptídeos opióides, encefalinas e endorfinas, ambas com ações analgésicas), os peptídeos gastrintestinais (substância P, neurotensina), os hormônios liberadores hipotalâmicos (como o hormônio liberador da tireotropina e a somatostatina) e os hormônios estocados e liberados pela neurohipófise (hormônio anti-diurético e a oxitocina) e c-Alguns gases que têm ações neuromoduladoras (óxido nítrico e o monóxido de carbono). Uma outra maneira de comunicação entre células vizinhas são os poros existentes entre elas (gap junctions).
Nos casos mais seletivos as moléculas sinalizadoras (ligands) neurotransmissoras são liberadas tão perto que somente uma célula receptora é afetada. Algumas vezes o efeito pode ser mais generalizado por: a-Serem os neurotransmissores liberados no espaço entre as células e atingirem um grupo de células vizinhas (sinalizadoras paracrinas); b-Outras vezes a célula alvo é a mesma célula sinalizadora (sinalizadora autocrina) e, c-Na maneira mais disseminada, as moléculas sinalizadoras ganham a corrente sangüínea indo agir distante (sinalizadoras endócrinas).
As moléculas sinalizadoras (ligands) podem ser: a-Hidrofílicas, como a acetilcolina, que não penetra no interior da célula requerendo, portanto, receptor na superfície celular (sua ação é rápida, entre poucos milissegundos a poucos minutos); b-Hidrofóbicas, como os hormônios esteróides (ação que pode perdurar por horas ou dias) ou c-Não polares, como o óxido nítrico, capaz de difusão através das membranas lipídicas celulares, as duas últimas exigindo receptores intracelulares.
Alguns ligands são capazes de desencadear respostas celulares específicas e, outras vezes, há a necessidade da ação de vários ligands para provocar a resposta. Há ainda ligands capazes de determinar diferentes respostas em diferentes células, como a acetilcolina que provoca a contração das células musculares, o relaxamento do músculo cardíaco, a secreção do óxido nítrico pelas células do endotélio vascular e leva algumas glândulas a liberarem os seus conteúdos. Portanto, a rede de intercomunicação celular é fantástica.
O protoplasma, a substância viva celular, pode ser dividido em citoplasma, conhecido desde os nossos estudos do segundo grau, e o carioplasma, formado pelo conteúdo do núcleo. O citoplasma é formado por água na qual estão dissolvidas e suspensas substâncias orgânicas e inorgânicas, constituindo o citosol. No citosol estão contidas organelas metabolicamente muito ativas e com grande diversidade de funções. O tamanho celular, a sua habilidade de movimentação e a manutenção da estrutura interna são determinados por túbulos e filamentos conhecidos modernamente por citoesqueleto. As inclusões citoplasmáticas são constituídas pelo estoque de vários nutrientes, produtos metabólicos acessórios, cristais inertes e pigmentos.
O neurônio, como as outras células, é rico em algumas formações citoplasmáticas que mostram intensas atividades metabólicas e secretórias.: a-Ribossomas, pequenas partículas de 12×25 nm compostas por proteínas e RNA ribossômico. Servem como superfícies para a síntese proteica; b-Retículo endoplasmático liso, formação membranosa determinada pela interconexão de túbulos e vesículas. Tem ação de síntese e modificação de proteínas, síntese de lipídios e esteróides e destoxificação de algumas substâncias, além de atuar na“fabricação” da membrana celular; c-retículo endoplasmático rugoso, capaz de sintetizar todas as proteínas de depósito ou liberadas para a membrana citoplasmática, agir nas modificações de proteínas e na manufatura de lipídios da membrana celular; d-polirribossomas, conglomerado de RNAm-robossômico (RNA mensageiro) geralmente com forma espiral que permite a síntese de várias moléculas protéicas ao mesmo tempo; e-aparelho de Golgi, sintetizador de carbohidratos, modificador e ordenador de proteínas manufaturadas no retículo endoplasmático rugoso. É composto por cisternas aplanadas e ligeiramente encurvadas; f-lisossomos, contendo uma grande quantidade de enzimas que digerem e eliminam macromoléculas, microorganismos, restos celulares e mitocôndrias e retículo endoplasmático envelhecidos; g-peroxissomos, organelas muito pequenas, membranosas e com grande quantidade de enzimas oxidativas. Age no catabolismo (processo metabólico destrutivo) de ácidos graxos de cadeias longas formando substâncias como o peróxido de hidrogênio (H2O2) que destoxificam várias substâncias nocivas como o etanol e h- mitocôndrias, pequenas organelas flexíveis (0.5 x 7 milimicra) em forma de bastões, umas 1900 por cada célula viva, produtoras de adenosina trifosfato (ATP), uma forma estável de estocagem de energia usada para todas as funções celulares. É a fábrica de energia, ou casa de força, celular. Por ter aparato genético próprio as mitocôndrias são capazes de terem vida livre. O patrimônio genético mitocondrial (antes achava-se que os genes estivessem somente no núcleo celular) é uma das descobertas mais interessantes da genética moderna (esse assunto já foi tratado no boletim 7, Genética).
O citoesqueleto, o esqueleto celular, é um componente do citoplasma formado por uma intrincada malha de filamentos proteicos responsáveis pela manutenção da morfologia celular, além de proporcionar a movimentação de organelas e vesículas por todo o citoplasma e a movimentação da própria célula. Os filamentos podem ser muito finos (microfilamentos), filamentos intermediários e microtúbulos.
O núcleo, a maior organela celular, é limitado por duas membranas gordurosas e possui três componentes: a- Cromatina, o material genético celular (DNA) em forma de cromossomos que é claramente visível durante a multiplicação celular. Nas fêmeas dos animais, e creio que nos machos das aves, pode ser observada na vizinhança da membrana nuclear uma condensação (cromatina sexual ou corpo de Barr) que representa a parte inativa dos dois cromossomas X. O achado da cromatina sexual pode ser usado para a determinação do sexo ; b-Nucléolo, local da síntese do RNA ribossômico e c-Nucleoplasma , responsável pela manutenção da célula.
Além do neurônio, célula base funcional do sistema nervoso, há um grupo de células, em número dez vezes maior, que dão suporte mecânico e metabólico ao conjunto neuronal. São as chamadas células da neuróglia, as quais, embora tenham junções lacunares entre elas, não são capazes de provocar ou propagar impulsos nervosos. São várias as células da neuróglia: 1- Astrocitos. São as maiores células da neuróglia, têm forma estelar, possuem projeções que lembram os dendrites e pedículos que entram em contato com os vasos sangüíneos e com a pia-máter (a mais interna das membranas que envolvem o encéfalo e a medula espinhal); 2- Oligodendrocitos. Lembram os astrocitos, mas são bem menores. São responsáveis pela produção e manutenção da mielina (bainha gordurosa que envolve alguns nervos); 3- Células microgliais. Agem na fagocitose de restos e estruturas danificadas do sistema nervoso central; 4- Células do epêndima. São colunares ou cubóides e revestem os ventrículos cerebrais e o canal central da medula espinhal. Há um grupo de células do epêndima, chamadas tanicitos, que levam, pela extensão dos seus processos, fluido cerebroespinhal (líquor, líquido existente nos ventrículos cerebrais, espaço subaracnóideo e canal da medula espinhal) até as células neurosecretoras do hipotálamo e 5- Células de Schwann. Ao contrário das outras células da neuróglia que situam-se no sistema nervoso central, essas células encontram-se no sistema nervoso periférico revestindo externamente o axônio como a capa dos fios elétricos. São células achatadas cuja membrana (plasmalema) forma a mielina ao organizar-se em bainhas que enrolam-se várias vezes em torno do axônio. A intervalos regulares ao longo do comprimento do axônio, a mielina sofre interrupções, os nódulos de Ranvier, que nada mais são que a interface entre duas membranas de mielina de duas células de Schwann. As células de Schwann podem revestir externamente, com várias camadas, um axônio (axônio mielinizado), ou, uma dessas células reveste com somente uma camada externamente alguns axônios (axônios não mielinizados). A velocidade de condução do estímulo nervoso pelas fibras dos nervos periféricos depende do grau de sua mielinização; nos nervos mielinizados a despolarização somente ocorre nos nódulos de Ranvier porque os canais voltaicos de íons Na+ e a camada de mielina do segmento internodal evitam o movimento para o exterior do Na+. Esse excesso de íons positivos então difunde-se para o próximo nódulo desencadeando a despolarização nesse local. Dessa maneira o potencial de ação salta de nódulo a nódulo numa condução saltatória que aumenta muito a velocidade de transmissão dos estímulos.
A continuidade estrutural e funcional entre as células nervosas é determinada pelo tecido conjuntivo (que junta ou que liga) formado por células e matriz extracelular (constituída por substância amorfa ou fundamental e fibras). O tecido conjuntivo propicia o suporte estrutural, estabelece um meio de trocas do lixo metabólico, favorece o intercâmbio de nutrientes e oxigênio entre o sangue e as células, ajuda na defesa e proteção e é armazém de gorduras.
Terminado esse intrincado estudo dos componentes do Sistema Nervoso (SN), caminhemos para as suas clássicas divisões. Anatomicamente pode ser dividido em 1- Sistema Nervoso Central (SNC), composto pelo cérebro e pela medula espinhal, contidos em duas estruturas ósseas, o crânio e a coluna espinhal respectivamente e 2- Sistema Nervoso Periférico (SNP) , originado no sistema nervoso central, e formado pelos nervos cranianos (originários do cérebro), nervos espinhais (originários da medula espinhal) e os seus gânglios associados. Assim, temos composta anatomicamente a extensa malha nervosa que cobre todo o organismo animal.
Funcionalmente o sistema nervoso é dividido em sensorial ou aferente (recebe impulsos de todo organismo e os transmite ao Sistema Nervoso Central) e motor ou eferente (levam os impulsos do sistema nervoso central para os órgãos efetores situados nas mais variadas regiões do corpo). O componente motor do sistema nervoso é subdividido em sistema somático, no qual os impulsos nervosos originados no sistema nervoso central (SNC) são transmitidos diretamente, por um simples neurônio, até os músculos esqueléticos e sistema autônomo, no qual os impulsos nervosos originados no SNC primeiramente são transmitidos para um gânglio autônomo via um neurônio e, no gânglio, os impulsos chegam a um segundo neurônio que os transmite para os músculos lisos, músculo cardíaco (único músculo esquelético que funciona como autônomo) ou para as glândulas.
Os nervos do sistema nervoso autônomo eferente dividem-se em dois grandes grupos: a- Simpático ou fluxo toraco-lombar e 2- Parassimpático ou fluxo craniossacral.
Os neurônios do sistema nervoso somático (SNS) estão localizados no SNC. Os nervos cranianos com componentes eferentes somáticos são o III (motor ocular comum), o IV (patético), o VI (motor ocular externo) e o XII (hipoglosso). A maioria dos 31 pares dos nervos espinhais dos humanos contêm também componentes eferentes somáticos. Os axônios desses neurônios deixam o cérebro ou a medula espinhal através dos nervos cranianos ou espinhais e terminam numa sinapse com os músculos esqueléticos na chamada placa motora terminal.
Os nervos do sistema nervoso autônomo (SNA) possuem dois neurônios entre o SNC e os órgãos efetores. Esquematizando: as fibras nervosas autônomas contidas nos axônios dos neurônios(primeiros neurônios) situados no cérebro ou na medula espinhal vão até o gânglio nervoso (agregado de neurônios situado fora do SNC. Há gânglio sensorial e gânglio autônomo) onde formam sinapses com os corpos dos neurônios ali existentes (segundos neurônios): são chamadas fibras pré-ganglionares. Dos segundos neurônios e contidas nos seus axônios partem fibras nervosas autônomas que farão sinapses com células dos músculos lisos, do músculo cardíaco e das glândulas: são as fibras pós-ganglionares.
O neurotransmissor de todas as sinapses entre as fibras pré-ganglionares e os corpos dos segundos neurônios (portanto sinapse que acontece nos gânglios nervosos) é a acetilcolina; a acetilcolina também é o neurotransmissor entre as fibras pós-ganglionares parassimpáticas e as células efetoras. Já nas sinapses entre as fibras pós-ganglionares simpáticas e as células dos órgãos efetores o neurotransmissor é a noradrenalina.
O sistema simpático prepara o indivíduo para a ação, para o lutar ou correr (fight or flight). Sob o efeito tensional o simpático aumenta a pressão arterial e os movimentos respiratórios, torna as batidas do coração mais rápidas, as pupilas dilatadas, a movimentação mais rápida do sangue para nutrir os músculos e diminui as funções das vísceras preparando o organismo para o enfrentamento ou para a fuga. Já o parassimpático provoca reações opostas para manter homeostase (manutenção da estabilidade do meio interno) do organismo. Se assim não fosse, o indivíduo estouraria nas situações estressantes.
O cérebro e a medula espinhal estão cobertos em toda a sua extensão, inclusive nos pássaros, por três membranas de tecido conjuntivo: 1- A dura-máter, a mais externa, é de tecido denso, colagenoso e composta por duas camadas: 11- A dura periosteal, firmemente aderida às superfícies internas dos ossos do crânio. Como não adere às paredes do canal vertebral, forma com elas o espaço epidural que é preenchido por gordura e plexos venosos, exceto nas suturas ósseas e 12- A dura meníngea; 2- A aracnóide não possui vasos, os quais, somente passam por ela. Forma um espaço potencial entre ela e a pia-máter que somente torna-se patente quando há hemorragia forçando a separação entre as duas. Em alguns locais a aracnóide projeta-se através da dura-máter formando as vilosidades aracnóides que transportam o líquor do espaço subaracnóideo para o sistema venoso e 3- A pia-máter, a membrana mais interna da meninge e intimamente ligada ao tecido nervoso seguindo o seu contorno. Apesar desse contato íntimo, a pia está separada do tecido nervoso vizinho por células da neuróglia. Há autores que consideram a aracnóide e a pia-máter dois folhetos da pia aracnóide ou leptomeninge.
Há uma barreira altamente especializada e seletiva entre o conteúdo dos vasos sangüíneos cerebrais e o Sistema Nervoso Central, a barreira hemato-cerebral. Essa barreira é determinada pelas células do endotélio capilar e é contínua entre o sangue e o tecido nervoso. O tráfego das substâncias por ela está restrito praticamente ao transporte mediado por receptores. As grandes molécula não cruzam a barreira, mas o gás carbônico, o oxigênio, a água e algumas moléculas pequenas de substâncias solúveis nos lipídeos, como alguns medicamentos, cruzam tranqüilamente. Algumas proteínas especiais facilitam a difusão de moléculas como aminoácidos, glicose, nucleosídeos e algumas vitaminas através da barreira e os íons a vencem usando canais ativos de transporte energizados pelo grande número de mitocôndrias dentro das células endoteliais.
Outra formação cerebral é o plexo coróide, formado por abundante rede de capilares com paredes compostas por células cubóides simples. O plexo coróide forra as cavidades dos ventrículos cerebrais e produzem o líquido cérebro espinhal (liquor). Hoje sabe-se que o plexo coróide produz mais da metade do liquor, sendo o restante produzido em outras regiões cerebrais. São produzidos de 13 a 14 até 35 a 36 ml de liquor por hora, sendo o volume total reposto até umas cinco vezes por dia. O liquor é um líquido límpido (água de rocha para alguns autores), de baixa densidade, composto principalmente (90%) por água e íons como sódio, potássio e cloro, com pouca proteína, com algumas células descamadas e, algumas vezes, linfócitos; circula pelos ventrículos, pelo espaço subaracnóide, pelo espaço perivascular, pelo canal central da medula espinhal e é importante para a atividade metabólica do Sistema Nervoso Central. É eliminado para a corrente sangüínea pelas vilosidades encontradas na aracnóide. A estabilidade química do liquor é mantida pela barreira hemato-liquórica composta por junções firmes entre as células cubóides do epitélio vascular que impedem o movimento de substâncias entre as células e as obrigam a um caminho transcelular ativo.
O desenvolvimento do sistema nervoso foi progressivo acompanhando as necessidades evolutivas e ambientais dos animais. Hoje podemos vê-lo como um sítio arqueológico no qual os diversos períodos evolutivos podem ser determinados claramente. Na realidade podemos dizer que não há um, mas três cérebros, os quais, apesar de atuarem geralmente em harmonia, diferem frontalmente em estrutura, bioquímica e funções:
1- O archipallium é o cérebro primitivo que supre as necessidades para sobrevivência dos répteis. É o cérebro essencialmente dos comportamentos instintivos e das funções biológicas básicas. Fazem parte dele o tronco cerebral, a ponte, o cerebelo, o mesencéfalo e os núcleos basais mais velhos, o globus pallidus e os bulbos olfatórios. Ao conjunto dessas estruturas Paul MacLean, neurocientista dos melhores, denominou complexo R. É o cérebro da autodefesa e da agressão. O archipallium é o responsável pela preservação do indivíduo, pelo desenvolvimento dos mecanismos de agressão, pelos comportamentos repetitivos, local onde afloram as reações instintivas determinadas pelos arcos reflexos e onde comandos permitem ações involuntárias e o controle de algumas funções viscerais (pulmonares, cardíacas, intestinais, etc). Nesse cérebro primitivo os bulbos olfatórios ocupam lugar de destaque, permitindo ao animal a análise e ações aprimoradas em resposta aos odores como a aproximação, o acasalamento (os ferormônios são capazes de levar mariposas a localizarem parceiros a até cinco milhas de distância), o ataque ou a fuga; com a evolução muitas dessas funções olfatórias essenciais para os répteis desaparecem ou são minimizadas, como no homem no qual praticamente as únicas estruturas límbicas conectadas com o sistema olfatório são as amígdalas. Também no complexo R têm início as primeiras manifestações do ritualismo, condutas que levam o animal a definir as suas posições hierárquicas dentro do grupo e o seu espaço próprio no nicho ecológico, ou seja, a porção restrita de um hábitat onde vigoram condições especiais de ambiente. Os passarinheiros mais perspicazes já notaram a importância do archipallium na vida dos seus pássaros;
2- O paleopallium, o cérebro dos mamíferos inferiores, é formado pelas estruturas do sistema límbico, o sistema das emoções e da memória. Na verdade o estudo mais intensivo do cérebro deu-se na segundas metade do século XIX, ficando os anos 90 conhecidos como a década do cérebro por caso do desenvolvimento da genética molecular. Até então, o coração era considerado o principal órgão do corpo humano; nas mumificações egípcias o coração permanecia dentro do corpo e o cérebro era jogado fora. Até os gregos valorizavam muito pouco o cérebro, achando Hipócrates ser ele um simples refrigerador do sangue.
Lá pela metade do século XIX havia na França um neurologista muito estudioso e criativo, Paul Broca, que, entre outras descobertas, mostrou que havia na região medial do cérebro dos mamíferos, logo abaixo do córtex, alguns núcleos formados por neurônios (substância cinza. Lembro da minha avó que, ao chamar a atenção de uma pessoa que não compreendia uma ordem dizia que não tinha massa cinzenta. Ela não era nenhum Broca, mas dava as suas cacetadas neurológicas) aos quais denominou de lobo límbico (do latim limbus, círculo ou anel, mostrando a situação anatômica da região límbica em relação ao tronco cerebral). Essa região foi mais tarde denominada sistema límbico, base do paleopallium, o qual, de maneira geral, permite a um animal distinguir o que é agradável e o que é desagradável, importante preceito para a sobrevivência. O sistema límbico, que na realidade não funciona como um sistema, é formado pelo hipocampo (ligado às emoções, ao aprendizado e memória de curta duração), processos amigdalóides (regulam as emoções, particularmente a agressão), septum pelucidum (une as amígdalas ao hipotálamo e refere-se às sensações de prazer. Os pássaros não possuem septum pelucidum), núcleo olfatório, gânglios da base (núcleo caudato, globus pallidus e núcleo lentiforme) e alguns núcleos do diencéfalo. A remoção das amígdalas torna dócil o animal até então agressivo e dominante. O diencéfalo é composto pelo tálamo e hipotálamo. O sistema límbico forma com o córtex cerebral a conexão da emoção com a razão, podendo uma influenciar a outra. O tálamo possui os neurônios arrumados em grupos distintos (núcleos) que servem como retransmissores entre as fibras nervosas sensoriais e o córtex, entre o tálamo e o hipotálamo e entre os gânglios basais e as regiões associativas do córtex, além de exercerem algum controle sobre funções viscerais. Com exceção do olfato, toda a informação sensorial é enviada ao córtex via tálamo. O hipotálamo é a principal região de integração dos nervos do sistema autônomo e, entre outras funções, regula o balanço hídrico, o metabolismo intermediário, a temperatura corporal, a pressão sangüínea, os ciclos circadiano e sexual, as secreções da adenohipófise, as emoções e o sono. O hipotálamo é a ligação entre o sistema nervoso e o sistema endócrino. É composto por várias regiões que controlam os impulsos (drives) sexuais e, logicamente, a habilidade de procriação das espécies, a sede e o drive para procurar água, o controle da temperatura interna como um termostato, os impulsos para saciar a fome, as sensações de prazer e desprazer e o controle dos comportamentos agressivos (será que aqui, amigão Taddei, precisamente no núcleo dorsomedial do hipotálamo, não estaria o segredo da fibra?). No sistema límbico são desenvolvidas as funções afetivas, as fêmeas desenvolvem a sentimento de criar e proteger os seus filhotes, os comportamentos lúdicos, as emoções e os sentimentos (eta-ferro, Roberto Carlos) de cólera e ira, de medo e fuga, de paixão e amor, de crueldade, de sadismo para lembrar o famoso marquês, de prazer, alegria e ódio. Portanto, as condições maiores físicas e psicológicas, como valentia e fibra, dos nossos pássaros. Aqui no sistema límbico, herdado dos mamíferos inferiores, formamos grande parte da nossa identidade pessoal e da nossa memória, grandes caminhos para sermos gente e os pássaros, pássaros.
3- O neopallium, o cérebro dos mamíferos mais evoluídos, dos primatas e do homem (mulher), o cérebro superior ou racional, o cérebro das conquistas intelectuais, compreendendo quase todo os hemisférios cerebrais (o neocortex) e alguns grupos neuronais subcorticais. Já notaram que há pessoas que, pela irracionalidade dos seus atos, parece que não passaram do archipallium? Quando os mamíferos superiores, conosco no topo da escala do desenvolvimento, chegaram à superfície terrestre, postados nos dois pés, já pensando em dominar os outros, houve a necessidade de um cérebro muito mais desenvolvido, o neopallium, o cérebro racional (nem sempre, né?), com o intrincado complexo celular capaz de produzir uma linguagem simbólica (levada ao extremo por alguns dos nossos mandatários), propiciando ao homem/mulher condições para as conquistas intelectuais como a leitura, a escrita e os cálculos matemáticos. É o grande gerador de idéias, algumas de malucos, o pai das invenções e a mãe dos pensamentos abstratos. O córtex cerebral possui os neurônios dispostos em colunas, até 100 por coluna no homem/mulher, interconectadas entre si e com as outras estruturas nervosas, o que, permite a rápida alteração das associações sensoriais conforme as informações são processadas. O córtex cobre uma área de 0.5 m2 nos humanos; essa grande área somente cabe na caixa óssea porque encontra-se dobrada em circunvoluções que formam giros (a parte superior das dobras) e sulcos entre as dobras. Para ter uma idéia do córtex dentro da caixa óssea do crânio pegue uma noz, quebre-a ao meio e olhe a semente dentro da casca. Nos pássaros praticamente não existem as circunvoluções (cérebro agírico, portanto) e o córtex possui colunas com apenas 2 a 3 células cobrindo uma espessura de menos de 1 mm. Em compensação, comparados aos mamíferos, o corpus striatum (massa ovóide de substância cinzenta atravessada por numerosas estrias e situada em cada hemisfério cerebral. Constituída por dois núcleos, o núcleo caudado e o núcleo lenticular que fazem parte dos gânglios da base do sistema límbico, o qual, já foi visto) das aves é bem desenvolvido sendo considerado o seu principal centro de associação e, consequentemente, os instintos dominam os comportamentos aviários.
Todo o comportamento é o resultado do aprendizado ou da experiência advindos de respostas a estímulos internos e/ou ambientais que produzem alterações anatômicas ou funcionais dos neurônios do córtex. Esses neurônios apresentam extraordinária capacidade de, em respostas a estímulos, alterar o seu funcionamento e dimensões (plasticidade) o que os torna importantes na aquisição dos conhecimentos (cognição). A contribuição de cada neurônio para o comportamento ou atividade mental do indivíduo se dá pela produção ou não de impulsos elétricos.
No desenvolvimento das espécies animais (filogênese) os três cérebros surgem um após o outro. Assim, os répteis somente possuem o archipallium; os mamíferos inferiores o archipallium e o paleopallium e os mamíferos superiores o archipallium, o paleopallium e o neopallium, os quais, surgem durante o desenvolvimento do embrião e do feto (ontogênese) seguindo essa seqüência. É, amigos, durante a vida intra-uterina passamos de lagartos a humanos num curto espaço de tempo.
Portanto, são três unidade cerebrais, cada uma mantendo os seus peculiares tipos de inteligência, as suas subjetividades, as suas memórias, as suas mobilidades, os seus sensos de espaço e tempo, etc.
Unindo os hemisférios cerebrais e o tálamo-hipotálamo à medula espinha há duas formações, a ponte e a medula oblonga que compõem o tronco cerebral que conta com muitos dos núcleos dos nervos cranianos e a maioria dos fluxos e influxos dos tratos da córtex e da medula espinhal. Nessa região também há um sistema de ativação reticular, importante e incompleto conjunto de substância cinzenta (neurônios) que liga o sensório periférico e os eventos motores levando a alto teor de integração nervosa que tem ação sobre o sono, a vigília, o despertar e a coordenação dos movimentos oculares. Integra a coordenação de atos reflexos importantes como o vômito e a deglutição, além dos sistemas respiratório e cardiovascular. O local mais marcante da ação do tronco cerebral é uma formação em forma de treliça, a formação reticular, formada essencialmente por neurônios com axônios curtos que recebem estímulos de diversas áreas e têm grande influência sobre o córtex. A formação reticular é responsável pelo monitoramento de todos os sinais sensoriais que chegam e por filtrar os que devem ser encaminhados para as formações superiores e aqueles que devem ser deletados por carecerem de importância.
Posteriormente aos hemisférios cerebrais está o cerebelo, fundamental para a coordenação dos movimentos, na manutenção do tônus muscular antigravitacional e funções vestibulares básicas para a estabilização da posição do corpo, além de atuar na regulação das funções viscerais como batimentos cardíacos e a manutenção do fluxo sangüíneo apesar de modificações na postura.
A medula espinhal é uma massa de células e nervos que estende-se da porção caudal da medula oblonga até a parte inferior da última vértebra. Está contida no canal ósseo vertebral (coluna vertebral). Por ela as informações sensoriais da pele, articulações, músculos e vísceras são coordenadas com neurônios motores e centros sensoriais retransmissores primários que enviam e recebem sinais das regiões nervosas superiores. As informações sensoriais caminham por sua parte dorsal e os comandos motores saem para os órgãos efetores pela porção ventral.
Há uma divisão regional do cérebro, baseada em dados anatômicos e funcionais, usada por alguns autores que pode facilitar a compreensão do que foi visto: 1- Cérebro anterior (forebrain), o prosencéfalo. A porção anterior do prosencéfalo, que dá origem aos hemisférios cerebrais, é o telencéfalo. A porção posterior do prosencéfalo é chamada diencéfalo. O cérebro anterior compreende os hemisférios cerebrais, o tálamo, o hipotálamo e o sistema límbico.; 2- Cérebro medial (midbrain), ou mesencéfalo, compreendendo pequena parte superior do tronco cerebral e 3- Cérebro posterior (hindbrain), compreendendo o cerebelo, a ponte e a medula oblonga.
Até há uns dez anos acreditava-se que o cérebro, principalmente os neurônios, uma vez completada o seu desenvolvimento seria incapaz de qualquer modificação, havendo tanto incapacidade de reprodução de si próprio como das conexões com outros neurônios. O aprendizado e as experiências guardadas na memória poderiam afetar a função, mas não a anatomia cerebral. Mas, felizmente, sempre há os cabeças duras capazes de balançar o status quo (pô, meu, até latim?) e, no caso, foram o canadense Donald Hebb e o polonês Jersy Konorski que mostraram ser os jogos, as estimulações e as experiências capazes de aumentar as conexões entre as células cerebrais e, mais importante talvez, a memória envolveria modificações estruturais dos circuitos neurais. Para não ficar somente nos homens, a norte-americana Marian Diamond, em estudos muito criativos, mostrou que animais submetidos a variados estímulos desenvolviam córtex cerebral mais espesso (devido tanto ao maior número de células nervosas como ao maior número de dendrites) do que aqueles mantidos em ambientes pobres em estímulos. Um estudo conclusivo foi o de David Snowdon, de Kentucky: estudando cérebros de freiras católicas do norte dos States, famosas por suas longevidades, mostrou que aquelas que tinham hobbies, como montar quebra-cabeças e pintura, tinham melhores condições mentais apesar de surpreendentemente algumas mostrarem na autópsia sinais cerebrais degenerativos da doença de Alzheimer. Em miúdos: a estimulação precoce dos filhotes aumenta a sua cognição (capacidade de adquirir novos conhecimentos) e a memória, requisitos essenciais para o aprendizado.
Os dendrites das células nervosas são os responsáveis maiores pelo crescimento neocortical e compõem a rede que do hardware da inteligência; as suas interconexões aumentam com o uso e diminuem com o desuso (use-o ou perca-o ou, no popular, se não usar enferruja). Estudos mostram que há mais dendrites nas áreas de Wernicke (responsável pelo conhecimento das palavras) das pessoas com educação superior do que naquelas somente com estudo básico. O aumento da região cortical foi observado quando houve aumento dos estímulos ambientais, mesmo nos idosos.
As alterações celulares, determinadas pelo aprendizado e pela memória, são chamadas de plasticidade, a qual, refere-se às alterações na eficiência das sinapses que podem aumentar as transmissões dos impulsos nervosos e, conseqüentemente, modular o comportamento. Cada neurônio tem participação no comportamento e em toda atividade mental produzindo ou não impulsos elétricos. Para que a memória seja estabelecida torna-se necessário que as células nervosas formem novas interconexões e produzam novas moléculas proteicas.
Portanto, amigão passarinheiro, é essencial os seus pássaros serem estimulados para os comportamentos que você deseja, como cantar qualitativamente ou manifestar fibra, desde o período de filhotes. O bom manejo é essencial.
É certo ser o comportamento animal resultante da interação entre a herança genética e as influências ambientais; há comportamentos determinados principalmente pelo componente genético (inato, do latim “que nasce com”) e outros pelo componente ambiental. Os comportamentos instintivos, essenciais para a sobrevivência física e mental do animal, como o reflexo de sucção dos mamíferos e o abrir o bico pare receber o alimento das aves, são predominantemente programados geneticamente e com pouquíssima influência ambiental; há comportamentos, como pentear os cabelos ou aceitar o uso do encapamento da gaiola, desenvolvidos essencialmente pelo aprendizado. Na realidade para obter comportamento adequado há a necessidade da integração entre o inato e o aprendido, como acontece com os cães de caça que herdam mecanismos para a caça, mas dependem do aprendido com os seus pais, com cães mestres ou mesmo com o homem para executarem com perfeição as tarefas. Os pássaros de canto herdam patrimônio para a execução do canto próprio da sua espécie, além do aparelho respiratório adequado, mas pode melhorar as qualidades do canto ouvindo bons mestres ou CDs.
O mais fascinante exemplo das influências genéticas e ambientais no comportamento animal é o imprinting, a marca. O imprinting aparece em filhotes de várias espécies animais, sendo muito desenvolvido em aves. Logo que sai do ovo o filhote liga-se (ligação social) ou segue o primeiro objeto que se move, o qual não necessariamente é a mãe. Aqui não poderíamos ficar sem falar um pouco de Konrad Zacharias Lorenz (1903-1989), o perspicaz e genial zoólogo austríaco, considerado o pai da etologia, que teve como base dos seus conceitos a teoria de que o estudo do comportamento animal somente é válido se for feito no seu ambiente natural e não em laboratórios. Outros postulados básicos de Lorenz foram o de que seria vital a influência do comportamento na seleção natural e, mais controverso, que grande parte do comportamento seria inata. Foi prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia em 1973, juntamente com Tinbergen e von Frisch. Como quase sempre acontece nas grandes descobertas, Lorenz partiu de experimentos simples e de uma grande capacidade de observação: notou que filhotes de gansos de dorso cinzento, criados por ele desde a saída dos ovos, relacionavam-se com ele como se fossem parentes. Os filhotes seguiam-no por todos os lados e os adultos cortejavam-no em detrimento de outros gansos. Deu ao fenômeno nome de abbildung (estampa), traduzido para o inglês por imprinting, pois achava que o objeto sensorial, animado ou inanimado, percebido pelo recém-nascido de alguma maneira era imediatamente e irreversivelmente estampado no seu cérebro. O próprio Lorenz descreveu uma qualidade essencial do imprinting: há um período de tempo muito restrito a partir do nascimento para que o imprinting seja efetivo. Lorenz também estabeleceu que há períodos críticos na vida do animal nos quais definidos tipos de estímulos são necessários para o desenvolvimento normal; definiu também que a exposição repetida aos estímulos ambientais (a associação) é necessária, o que, leva-nos a considerar o imprinting como um tipo de aprendizagem, embora com participação inata muito forte. Algumas características do imprinting podem ser explicadas pela necessidade que os filhotes de pássaros têm de procurar e responder, de maneira seletiva, a modelos de estímulos particulares como a silhueta dos pais. Antes de haver o imprinting propriamente dito o cérebro do filhote é capaz de reconhecer os estímulos que deverão posteriormente ser aprendidos, caracterizando um dos componentes inatos do imprinting; também são inatas as ações motoras que facilitam manter a proximidade do objeto. O aprendizado realiza-se numa base geneticamente determinada e dentro de um período biologicamente adequado. Todo o processo envolvendo herança genética e meio ambiente resultará na seleção natural, determinando o reconhecimento dos parentes com o propósito final do convívio social e da reprodução.
Claro que qualquer criador de animais, inclusive pássaros, deve sempre ter em mente que somente conseguirá êxito seguindo esses ensinamentos: genética controlada e meio ambiente adequado. Enfim, manejo, manejo e manejo. É essencial saber que, por suas condições instintivas, tudo que for marcado (imprinted) no cérebro do filhote o será por toda a vida. Se quiser ter um pássaro de boa qualidade o criador deverá estar atento para propiciar ao filhote, na idade do imprinting, as condições para a marcação das qualidades para as quais dirige a sua seleção. Aí está a importância da matriz, pilar básico do imprinting por estar mais tempo ao lado do filhote durante uma boa parte do período da marcação, principalmente para quem cria em sistema de poligamia. Devemos levar em conta que a poligamia, mesmo com todas as vantagens que possa trazer, é método, na maioria das vezes, antinatural, pois, na Natureza, pai e mãe estão presentes no imprinting da ninhada. Ao adotarmos a poligamia devemos adotar condutas de manejo para tentar compensar a falta do pai nos primeiros dias de vida dos filhotes. O primeiro passo terá que ser o uso de fêmeas com genética e comportamentos positivos para as qualidades a ser selecionadas.
Na Natureza, os primeiros atos do imprinting comportamental visa a sobrevivência dos filhotes (instinto de sobrevivência), reconhecendo os seus pais com a finalidade de defesa contra ataque de predadores; cria-se uma ligação social muito forte com os irmãos e pais. A esse tipo de imprinting alguns autores chamam de filial. Ao mesmo tempo o filhote vai aprendendo as características dos irmãos, criando condições que influenciarão as suas preferências nos acasalamentos quando adultos. Essas duas formas de imprinting podem ocorrer ao mesmo tempo ou manter um intervalo bem demarcado entre elas. Parece que nos pássaros o imprinting é mais raro e menos desenvolvido do que em outras aves; o seu cérebro desenvolve-se mais lentamente, demorando meses para tornar-se mais alerta, ativo e totalmente operacional e o processo de ligação mãe-filho faz-se de maneira mais lenta, portanto, usando outros processos que não o imprinting. Aí, amigos, a necessidade de maior paciência com os nossos pássaros, evitando levá-los muito cedo a situações para as quais não estão preparados neurologicamente. Cuidado, muito cuidado mesmo com os pardinhos, pois a ansiedade para levá-los aos torneios, às badernas ou mesmo demonstrações para amigos pode levar a resultados desastrosos.
A digressãozinha de praxe. O que torna um pássaro de uma ninhada ou mesmo de um grupo de pássaros de várias ninhadas a ser o cara dos torneios se tiveram a mesma herança genética e foram manejados da mesma maneira? Como no imprinting, teria o campeão de torneios uma impressão digital cerebral muito particular? Teorias já existem para tentar explicar isso. Não poderia passar em branco a participação de dois brasileiros, ainda bem jovens, nesses estudos: Alysson Muotri, agora trabalhando nos States, e Stevens Rehen, da produtiva Universidade Federal do Rio de Janeiro. Mostraram que cada célula nervosa é tão diferente dos outros neurônios que parece ter genoma muito próprio. O fulcro desses estudos é a chamada retrotransposição, ou seja, alguns pedaços do DNA fazem cópias de si mesmos como se fossem um xerox genético. Eles ficam saltando pelo genoma das células cerebrais; conforme pulam, esses chamados por eles DNA cangurus alteram a expressão gênica fazendo com que alguns genes se expressem mais ou menos em relação ao considerado normal e permitindo a diferenciação do neurônio de maneira que tenha traços únicos. É a teoria dos genes saltadores. Assim, cada indivíduo teria uma marcação cerebral única, intransferível e independente de herança genética. E tudo isso, amigos do sul maravilha Lisandro e Diego, porque a expressão dos genes pode provocar um maior ou menor número de sinapses. Mais conexões sinapticas modificam sobremaneira toda a rede neurológica e podem, como ponto capital, mudar o jeito do organismo alterar o comportamento em reação aos estímulos. Embora seja teoria, cada vez vem ganhando mais adeptos de peso e poderá revolucionar os estudos neurológicos futuros e facilitar a cura de várias doenças que acometem o sistema nervoso. E nós, como ficamos nessa enrascada se essa teoria vingar? Vamos teorizar também porque não paga imposto, pelo menos por enquanto. Como todo o processo não seria transmitido geneticamente como ficaríamos com a seleção? Entendo eu que, mesmo não sendo um processo com base herdada genética, a capacidade de um gene saltador pular mais ou menos deve ser controlada pelo ciência de Mendel, o gênio das ervilhas. Assim, numa criação selecionada para as características comportamentais que desejamos, os pulos adequados dos DNAs cangurus seriam mais freqüentes e decisivos.
Mais ou menos ao mesmo tempo em que Lorenz, outro etologista, Niko Tinbergen, estudava outro aspecto importante do comportamento animal, chamado por ele padrão de ação fixa (FAPs, fixed action patterns). Os FAPs seriam seqüências de ações motoras elementares que formam um padrão de funções durante toda a vida do animal. O exemplo clássico é o da pata que, quando um ovo rola para fora do ninho, realiza uma série de movimentos com a cabeça e o bico para trazê-lo de volta; esses movimentos são estereotipados, pois, se o ovo escapa do bico, a pata continua a realizá-los no vazio até a seqüência final para, somente então, reiniciá-los de novo. Notem como os comportamentos dos animais, inclusive os pássaros, possuem características ainda pouco conhecidas apesar de muito estudadas. Cabe ao criador perspicaz aproveitar o que de prático existe nesses estudos e tentar criar manejos adequados para levar os seus pássaros aos comportamentos que busca, por exemplo, canto ou fibra.
Lorenz demonstrou que o imprinting permite mostrar como a experiência pode determinar modelos fixos de ação sendo resultados da interação entre instinto e aprendizado. Qual seria mais importante? Não meto a colher nessa briga de cachorro grande, a briga do natural contra o educativo (soa melhor em inglês: nature versus nurture). Como sempre, chegou-se a uma atitude politicamente correta: o comportamento animal é a mistura dos dois fatores.
Mas o próprio Lorenz mostrou que o imprinting difere do aprendizado associativo em diversos aspectos:1- O imprinting desenvolve-se num período estrito de tempo, o tempo fixo e crítico, o que geralmente não acontece com o aprendizado associativo; 2- O imprinting parece ser irreversível, enquanto o processo associativo mostra-se volátil, esmaecendo com o tempo (processo de esquecimento) e 3- O imprinting não é um processo de memória individual, restrito ao an
Escrito por JOSÉ CARLOS PEREIRA , em 24/10/2007