Postagens relacionadas com Ambientais

Criar é preservar

Como intervir na natureza

Aqueles que combatem a criação em cativeiro e o comércio de animais silvestres não representam vozes solitárias. Aliás, conheço um número razoável de pessoas bem informadas e inteligentes que abominam qualquer intervenção do homem na natureza, seja ela para que finalidade for. Alguns vão mais além, não aceitando o sacrifício de quaisquer animais, mesmo aqueles domesticados há séculos, criados em cativeiro e para finalidade de alimentação. São posições ponderáveis e que devem ser respeitadas.

Todavia, como sempre destaco quando discuto o assunto com os amigos, não podemos esquecer que a intervenção do homem sobre o meio – ambiente vem acontecendo desde que o primeiro homo sapiens desceu das árvores e passou a equilibrar-se em duas pernas. Assim, me parece que o que deve ser discutido nesse limiar do século 21 é COMO o homem irá intervir na natureza, e não mais SE deverá intervir. Mesmo porque a não intervenção no meio natural condenará a espécie humana, no longo prazo, à extinção por inanição.

É justamente nesse contexto que vemos o ser humano paulatinamente, e às vezes com passos de cágado, ir tentando repor os prejuízos que, por irresponsabilidade e cobiça, causou à mãe natureza. E aí, só para citar alguns exemplos internacionais de recomposição da fauna , temos a reintrodução do lobo cinzento no Parque de Yelowstone, a recuperação da população da águia-careca no estado do Alasca, ambos nos EUA , além do resgate do panda-gigante, cujo número de exemplares vem crescendo nas matas de bambú na China, e do tigre-de-bengala, nas florestas da Índia. Aliás, essa espécie de tigre é hoje considerada sem risco de extinção justamente em razão do pleno domínio da sua reprodução em cativeiro. Para se ter uma idéia, só em residências de particulares no Estados Unidos temos hoje mais de 7.000 exemplares de tigre(Mike Tyson é um dos proprietários).

Esses todos são exemplos de ações concretas e positivas de intervenção na natureza, com o homem procurando devolver aquilo que, no passado, irresponsavelmente retirou.

Em todos esses casos, entidades oficiais e, principalmente, particulares, estão por trás dos procedimentos que levaram à recuperação dessas populações, atuando a partir de matrizes mantidas e criadas em cativeiro, de modo a permitir a recuperação dos plantéis, a sua restituição à natureza e, em alguns casos, o seu comércio.

É aqui que chegamos ao assunto que nos interessa – a manutenção em cativeiro e o comércio legal de aves silvestres no Brasil. Como os próprios críticos reconhecem, a fiscalização, em um país de dimensões continentais como o nosso, é sempre complicada. Então, como coibir o tráfico de animais silvestres, aí incluídos mamíferos, pássaros, quelônios, répteis e peixes? Será que a alternativa da simples proibição da criação e do comércio, postulada por alguns, resolveria o problema?

Parece-me que não. Aliás, o exemplo internacional – em que a criação de espécies silvestres em cativeiro, inclusive para comércio, é uma realidade secular(está aí o nosso canarinho belga, junto com o pintassilgo português, que não nos deixa mentir) – está nos mostrando que não. Entendo, ao contrário, que, dentro de um estado democrático de direito, apenas um esforço tríplice de atuação poderia bem encaminhar a questão: de um lado, o Estado, produzindo, divulgando e fazendo cumprir leis que incentivem a criação em cativeiro de animais silvestres e punam exemplarmente os traficantes e receptadores. Além disso, cuidando para que as políticas de preservação dos ambientes naturais sejam adequadamente formuladas e implementadas; de outro lado, o consumidor,sendo atento e responsável na aquisição do seu animal de estimação, recusando-se a adquirir e a manter exemplares sem os registros e requisitos legais necessários; e, no vértice do triângulo, o criador, seja ele comercial ou amadorista, verdadeiro depositário de um banco genético que pertence, de fato e de direito, à nação brasileira, do qual irá se exigir a plena conformidade com a legislação, no que diz respeito à criação, reprodução e comércio desses animais, para, em um futuro próximo, podermos contar com populações de aves criadas em cativeiro para os necessários repovoamentos das áreas naturais. E é aí que esse triângulo ficará completo, com cada um – Estado, Consumidor e Criador – cumprindo com o seu papel.

São objetivos fáceis de ser atingidos? É óbvio que não. Afinal, cinco séculos de depredação do meio-ambiente não serão revertidos da noite para o dia. Mas, como já disse alguém, toda caminhada, por mais longa que seja, começa sempre com o primeiro passo.

Assim, tenho comigo que apenas a criação e o comércio responsáveis de aves silvestres, combinados com a preservação dos ambientes naturais, é que poderá reverter esse estado de degradação ao qual está submetida a nossa fauna alada. Talvez, então, em um futuro não tão distante, o nosso vagabundo(no melhor sentido da palavra, como já disse alguém) e tão querido coleirinha volte a cantar em nossas cidades.

Abraço a todos.

Fernando Cavanha Gaia

Escrito por Fernando Cavanha Gaia, em 24/1/2005

Política de proteção ambiental

Expulsão dos povos tradicionais

Para Antonio Carlos Diegues, da USP, política atual de proteção ambiental expulsa povos tradicionais de suas áreas

Lígia Formenti escreve para “O Estado de SP”:

Antonio Carlos Diegues, antropólogo e professor da USP, afirma que a política de proteção ambiental no Brasil está condenando comunidades tradicionais, como os caiçaras paulistas, a um genocídio progressivo.

Para ele, que durante anos trabalhou no Depto. de Pesca da Fundação das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), as regras atuais obrigam essas comunidades a mudar de forma brusca comportamentos seculares ou simplesmente as expulsam de áreas que passam a ser de proteção ambiental.

Sem alternativas, seus integrantes são relegados às periferias das cidades, engrossando o grupo de miseráveis.

Para Diegues, o processo somente pode ser interrompido com uma revisão dos critérios para definição de áreas de proteção integral e de manejo sustentável. “Comunidades tradicionais são extremamente úteis para preservar a região, mas o que vemos é um processo que praticamente obriga tais populações a abandonarem as áreas onde vivem”, afirma.

Ele observa que muitas das comunidades estão nos locais há anos, desempenhando atividades que provocam pequenas mudanças na paisagem. “Mas a própria natureza se encarrega de se restabelecer”, garante.

No entanto, entre ambientalistas que ele define como “radicais”, há a falsa idéia de que também comunidades tradicionais podem provocar prejuízos ao meio ambiente.

O antropólogo afirma que o conceito de natureza intocada não pode ser considerado como regra geral. Mas hoje no país, segundo ele, a grande ênfase se dá para unidades de proteção integral, como parques nacionais e estações ecológicas. Reservas extrativistas e unidades de uso sustentável ficam em segundo plano.

As primeiras, diz Diegues, recebem quantias razoáveis de investimentos e pouco sobra para as demais unidades. “Surpreende o fato de tal mentalidade persistir, mesmo tendo à frente do Ministério do Meio Ambiente uma pessoa cujo histórico está ligado ao movimento seringueiro”, afirmou Diegues, numa referência à ministra Marina Silva.

Para Diegues, que hoje faz uma palestra no ciclo Diálogos sobre o Popular, no Centro Cultural Banco do Brasil, em Brasília, a ênfase em unidades de proteção integral não se adapta à realidade brasileira.

“Grandes parques, a exemplo dos que são mantidos nos EUA, exigem uma estrutura de fiscalização e equipamentos de que não dispomos”, afirma. “Sem recursos, os resultados obtidos são justamente opostos: uma área abandonada, livre para ação predatória.”

Diegues considera indispensável uma reavaliação das áreas protegidas. “Não digo reduzir o número de parques, mas instalá-los somente em áreas que sempre estiveram desabitadas”, diz.

E, nas unidades de manejo sustentável, garantir que comunidades possam desempenhar suas atividades. Como exemplo bem-sucedido, o antropólogo cita a experiência da Ilha do Cardoso, no litoral sul paulista. “Lá, caiçaras são mais eficientes e rigorosos do que muitos fiscais. Eles não querem ver a área de onde garantem seu sustento ser deteriorada.”

Lígia Formenti

(O Estado de SP, 21/1)

Escrito por Lígia Formenti, em 24/1/2005