Nutrição
Todos nós estamos familizarizados com o uso de diversos produtos suplementares na alimentação das nossas aves. Estes produtos são normalmente chamados de papas e podem ser de variados tipos: ovo, insectos, frutas, corantes, secas, húmidas, etc…As suas aplicações serão quase tão diferentes como a variedade de marcas e tipos existentes no mercado. Não pretendo com este artigo recomendar marcas ou mesmo tipos, mas antes deixar uma breve ideia sobre o porquê de existirem tantas e tão diferentes papas no mercado. É normal ouvirmos dizer que a papa A é melhor que a B, ou que obtemos melhores resultados, ou que esta parece ser melhor que a seguinte… Na verdade, aquilo que realmente mostra a diferença entre qualquer tipo de alimento é muito mais que a sua marca ou mesmo constituição. Uma papa que resulte para uma pessoa pode não ser tão eficaz para outras, mesmo que estejamos na mesma espécie e com técnicas parecidas. Diferenciemos desde já alguns aspectos primordias.
Papa de criação
O periodo de criação é, como todos sabem, extremamente importante e nesta altura devemos dar às nossas aves alimentos da melhor qualidade. Isto não quer dizer os mais caros, como normalmente se assume, mas sim os que elas consomem na quantidade adequada e que, nessa quantidade, lhes fornecem os nutrientes que pretendemos.
São normalmente papas mais ricas em proteina, embora em poucas marcas haja a distinção entre estas e uma gama especifica para fases de preparação, reprodução e muda. Esta variação de necessidades das aves ao longo do seu ciclo anual deverão ser compensada pelo criador pelo uso de alguns aditivos.
Papas de muda
Normalmente são papas oleosas e bastaria dizer isto para caracterizar a principal diferença neste periodo, as necessidades em óleos gordos essenciais que beneficiam o bom estado da plumagem (e usadas quase sempre na altura fria do ano excepto nos diamantes australianos). O alto teor de gorduras aumenta o seu valor energético e palatibilidade, dai que as aves consumam facilmente estas papas com agrado.
Papas secas e oleosas
Na verdade o teor de humidade das papas secas e oleosas é bastante semelhante, embora nas segundas, em termos visuais, pareça que estão realmente húmidas, o que se deve ao maior teor de gorduras.
Este tipo de papas secas é normalmente apresentado como papas profissionais, de qualidade superior às oleosas, quando na verdade os dois tipos são diferentes em constituição e função. De um modo geral podemos dizer que apresentam maiores vantagens na reprodução por uma melhor relação energia/proteina do que as papas oleosas. Têm ainda a vantagem de poder ser misturadas com água (processo normal de amolecimento) ou sementes germinadas o que as torna ainda mais apetecíveis para as aves.
No caso das papas húmidas a sua vantagem principal é poderem ser servidas e deixadas por vários dias sem perigo de fermentação, o que, com papas secas, uma vez adicionada qualquer humidade é impossível.
Principais ingredientes das papas
Variando com as marcas e tipos os ingredientes normais em qualquer papa são o ovo em pó (em pequena quantidade), derivados da soja, farelos e farinhas e eventualmente outros como pão e algumas sementes. A juntar a isto existem sempre alguns aditivos como conservantes e até, em alguns casos, medicações. Claro que as aves a que se destinam também influenciam a papa, no caso dos grandes psitacídeos é normal encontrar camarões liofilizados, malaguetas e frutso secos nestas papas, além de que a sua granulometria pode ser claramente superior do que nas papas para aves de menor porte!
Papas caseiras
Embora na europa em geral não se possa, em geral, considerar estas papas como a base usada pela maioria dos criadores, ainda são muitos os que usam, geralmente como complemento, papas feitas por eles usando ovo cozido, verduras, massas alimentares, e eventualmente outros produtos.
Daqui apenas vou realçar a importância do ovo cozido em termos de fonte proteíca de origem animal e, entre outras, da cenoura ralada.
O equilibro das papas
Qualquer criador pode dizer prontamente que a maioria das aves usa as papas para alimentar as suas crias e o faz com grande prontidão uma vez adaptada e habituada a consumi-las. Que devemos dar determinada quantidade por dia a um casal em diferentes épocas e outras afirmações do género, muitas vezes sem qualquer justificação além do normal “o criador tal também faz assim…”
De pouco adianta dizer que uma determinada papa é melhor que outra uma vez que isso depende de variados factores incluindo o gosto pessoal e, com o tempo, as aves habituam-se a uma determinada papa e podem demorar meses a aceitar bem outra. Por isso, acho que devemos escolher e manter uma papa com a qual tenhamos resultados que nos satisfaçam, isso é o mais importante!!
Não existe qualquer razão para mudar de papa apenas porque outra pessoa a usa, provavelmente em condições de criação distintas das nossas. A reacção das aves deve ser observada tendo em conta o vigor das aves (sobretudo das crias), o seu desenvolvimento, velocidade de crescimento, mas também a quantidade consumida, o desperdício etc… Conforme a exigência do criador assim terá de ser analisada a sua situação, se criamos para tamanho convém termos papas que beneficiem o crescimento, para cor que beneficiemo bom estado da plumagem. Isso exige, em segunda análise, que seja o criador a saber algo sobre nutrição e sobe os nutrientes que melhor actuam sobre pontos específicos das aves e ler as suas necessidades para corrigir ou melhorar o seu método.
Alguns dos produtos que merecem referência mas que, contudo, foco separadamente são os probioticos e os promotores de crescimento.
Os primeiros são em termos muito simples, bactérias pertencentes e estirpes que existem e povoam os intestinos das aves ajudando em parte na digestão de alguns nutrientes e mantendo o equilibrio da flora intestinal.
Embora cada vez mais pareça demonstrado que estes produtos possuem pouca eficácia em aves adultas, o seu efeito vantajoso no desenvolvimento das crias é nítido melhorando a taxa de mortalidade nas primeiras semanas de vida e a vitalidade das crias, em particular na prevenção de infecções por absorção incompleta do saco vitelino, responsáveis por grande parte das mortes em aves recém-nascidas. (Pereira, 2000)
Os promotores são complexos minero-vitaminicos usados como aditivos em
alimentação animal para satisfazer de forma quase imediata as necessidades de crescimento de animais jovens. No caso das aves é conhecido desde há muito a acção favorável no crescimento de alguns agentes antibióticos e quimioprofiláticos. Podem ser adquiridos em casas da especialidade produtos de diversas marcas que basta adicionar às papas na quantidade recomendada. Normalmente apresentam vantagens emeventuais correcções do crescimento deficiente (avitaminoses entre outras) e prevenção de infecções pós-eclosão na crias.
Principais considerações
O mais importante é perceber que cada ave apresenta necessidades especificas. Refiro-me ao crescimento da crias por ser o periodo onde a papa tem uma repercussão mais evidente.
Um diamante australiano não tem as mesmas necessidades de um canário, e certamente um canário de canto não terás as mesmas de um de porte ou de cor. A base da escolha será a espécie com que trabalhamos, ai temos a consideração geral de que os estrilideos, diamantes e no caso extremo insectivoros, precisam de maiores quantidades de proteina, os fringilideos podem ser criados com bons resultados com papas menos ricas nestes nutrientes, mas dentro destes os europeus beneficiam e necessitam de valores mais elevados de proteina animal do que os canários, e as raças maiores precisarão de mais proteina obviamente.
Todavia, dividimos em 4 grandes grupos as principais papas existentes no mercado, sem olhar a marcas: exóticos, canários, psitcaídeos e, mais recentemente, fauna europeia.
A necessidade de aditivos
Quando alimentadas com papas muitas aves usam este alimento para as crias em quase exclusividade se possível, o que também não é benéfico, uma vez que a dieta variada é de extrema importância. As papas são em geral bastante digeriveis e isso dá-nos uma boa abertura para fornecermos aos pais, através das papas os nutrientes que eles devem dar às suas crias.
Além disso, em nenhum animal a digestão é perfeita, existem perdas e ineficiências ao longo deste processo. Para a maioria dos alimentos a digestão das aves apresenta uma eficiência de 65%, chegando, no caso dos produtos da soja, aos 75%. (McDonald, 1986)
Não sendo estritamente necessários, na minha opinião, é nos aditivos que podemos juntar a uma papa comercial que melhor podemos fazer a diferença na sua qualidade e valor alimentar. De entre estes destaco a farinha de soja, levedura de cerveja, calcio, germen e farelo de trigo, proteinas animais e, embora noutra vertente, os probióticos e promotores de crescimento. O uso destes produtos permite alterar a constituição nutricional da papa tendo em vista a melhoria do seu valor alimentar.
Conseguimos assim através do uso de farinha de soja por exemplo, aumentar o teor de proteina bruta e digestivel na papa, pelo germen de trigo aumentar o nivel energético (importante nos primeiros dias de vida), pela mistura de papas secas e oleosas satisfazer as necessidades em gordura tornando a papa menos gorda ao mesmo tempo.
Principios nutricionais
Irei basear esta breve explicação destes aspectos no meu caso específico, uma vez que julgo será mais simples para a compreensão de todos. Em termos de alimentação divido as aves em dois grupos, fringilideos (canarios e fringilideos exoticos) e exóticos (onde incluo estrildideos, diamantes, munias, agapornis e outros). As necessidades dentro destes grupos serão, embora ainda com excepções, distintas mas é mais facil usar este tipo de maneio.
No caso dos fringilideos, uma vez que tenho poucos e não são as espécies a que dedico maiores cuidados, uso uma papa seca comercial reconhecida adequada à qual junto os seguintes aditivos (por Kg de papa seca):
Papa insectivoros (100gr)
Farinha de soja (50gr)
Farelo de trigo(25gr)
Germen de trigo (25gr)
Levedura de cerveja (20gr)
Cálcio (aprx. 5gr)
Promotor (4gr)
Probiotico (1gr)
A papa final apresenta uma composição aproximada de:
Proteina Bruta (PB) – 19,8%
Gordura – 7%
Humidade – 6%
Relação Energia/Proteina – 1,1
A principal vantagem deste aditivos é, neste caso, elevar a quantidade de proteina animal de 5% da PB total para cerca de 8%, ao mesmo tempo que conseguimos pelo uso da soja, uma maior digestibilidade proteica e, por conseguinte, um melhor aproveitamento desta pelas aves e suas crias. A relação Energia proteina também é mais equilibrada do que na papa comercial (1,6) apenas porque se usaram aditivos ricos em proteina digestivel que, ao mesmo tempo diluiriam a gordura total.
Estas alterações mostram-se mais profundas no caso da papa das aves exóticas. Neste caso, baseado numa papa já por si com maior valor proteico, constatei que na verdade a absorção deste tipo de papas seria basicamente identico à das papas dos canários se usadas nestas aves, uma vez que a relação energia/proteina é inferior. Com o tempo acabei por notar algumas preferências nas minhas aves que me foram permitindo introduzir algumas mudanças. Na minha experiência as papas oleosas, embora mais apetecíveis às aves, apresentam valores de digetsibilidade mais baixos e, normalmente, são menos eficazes na criação, todavia o seu uso na muda mostra evidentes melhorias na condição da plumagem.
Uma vez que uma das espécies que crio é o diamante-mandarim, cujo ciclo de criação é bastante rápido, interessa manter uma papa que acompanhe o rápido crescimento das crias. Isso pode ser conseguido com papas oleosas que as aves consomem em grande quantidade se deixarmos, mas mostram também uma preferência pela granulometria das papas secas, mais grossas, mas menos consumidas. Assim, adoptei a seguinte formula (para 2 Kg de papa):
Papa oleosa (250 gr)
Papa Seca (750 gr)
Papa insectivoros com frutas (200 gr)
Farinha de soja processada (150 gr)
Farelo de trigo (50 gr)
Germen de trigo dextrinado (50 gr)
Levedura de cerveja (25 gr)
Cálcio (10 gr)
Promotor (8 gr)
Probioticos (2 gr)
Atinge-se assim um valor final de:
PB – 23,6%
Gordura – 8%
Humidade – 7%
Relação C/P – 0,87
Os valores óptimos de C/P referenciados por Manetti para aves de caça em crescimento nas primeiras 4 semanas de vida são de 0,65 (Manetti, 1989).
Isto significa valores proteicos brutos de cerca de 30% neste periodo.
Embora seja possível de atingir, quanto a mim, a administação de teores desta ordem a aves granívoras como o caso dos diamantes pode resultar em situações fisiológicas de excesso de ureia e dificuldades no metabolismo proteico e lipidico. Além disso a determinação do valor energético desta mistura teria de ser confirmada com uma análise laboratorial sumária da papa que espero apresentar em breve, visto que estes valores foram calculados através da composição dos ingredientes isolados e a sua percentagem na mistura final.
Desde que uso esta mistura os resultados estão a ser bastante animadores, mas decerto que ainda haverá muito a melhorar no futuro através de observação e discussão com outros criadores.
A análise principal destes valores poderia ser feita de modo mais aprofundado, explicitando os métodos de cálculo usados e as suas justificações, mas creio não ser esse um assunto do interesse geral.
Qualquer um interessado neste assunto de um modo mais aprofundado pode
solicitar mais informações por email para ricardomiguelp@clix.pt
Bibliografia:
AZEVEDO, P. M. , Apontamentos de Anatomia e Fisiologia, ESAS, 1998.
AZEVEDO, P. M. , Apontamentos de Reprodução Animal, ESAS, 1999.
GUIDOBONO, L. ,1982, El Pavo
JORGE, J.A.,1977,”Curso de Avicultura, Vol.2, Cap.X”, Instituto Campineiro
de Ensino Agrícola, 4ª edição, Campinas, S.P.
MANETTI, Orlando, 1989, “Cria del Faisan”, 2ª Edicion, Ediciones
Mundi-Prensa, Madrid.
McDONALD, et al, 1986, “Animal Nutrition”, McGraw-Hill
Office National de la Chasse, 1990, “La Perdiz – cria y explotacion”, 2ª
Edicion, Ediciones Mundi-Prensa, Madrid.
PEREIRA, A. S. ; “Higiene e Sanidade Animal”, Publicações Europa-América
PEREIRA, R.; 2000, “Influência do Maneio na Criação de Aves de Caça”,
Relatório Final de Curso, ESAS, Santarém
SCHOLTYSSEK, S.,1970, “Manual de Avicultura Moderna”, Editorial Acribia,
Zaragoza.
VILANOVA, F., 1991, “La perdiz Roja”, Ministerio da Agricultura Pesca e
Alimentacion, Madrid
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Escrito por Ricardo Pereira, em 2/9/2003