Postagens relacionadas com Artigos

Preservação, Não Sai de Nossa Cabeça

Vamos realmente agir

Artigo Publicado na Revista Atualidades Ornitológicas 134 – Jan/Fev-2007 – acesse www.ao.com.br

Aloísio Pacini Tostes – Ribeirão Preto SP

Sim, estamos repetindo e escrevendo sobre este tema inúmeras vezes, porque ele não sai de nossa cabeça. O problema é que tudo que utilizamos, vem da mesma natureza que abriga os animais e as plantas. Ordenar bem a retirada dos recursos naturais é onde está o “x” da questão. Depois, a utilização sustentada seria a solução recomendada, mas por causa da ganância de muitos, da miséria da população, da desinformação e da falta de comprometimento com o coletivo, não conseguimos fazer o que seria preciso no sentido de resguardar a biodiversidade necessária e o cuidado permanente com o equilíbrio ambiental. O extraordinário crescimento populacional, as novas tecnologias aplicadas na exploração das atividades rurais fazem com que a degradação ambiental cada vez mais se torne um forte instrumento em ações que podem levar às extinções da fauna e da flora. Em suma, a retirada indiscriminada de recursos naturais renováveis ou não, e a relação homem/natureza, tem sido atividades extremamente predatórias ao meio ambiente. É bom citar alguns exemplos gritantes que muito nos incomoda e que não existem providências sendo tomadas para adequá-los à sustentabilidade, pelo contrário, em nome do desenvolvimento e do atendimento ao consumismo exagerado, está tudo justificado.

1) a indústria carvoeira está consumindo o cerrado brasileiro. Hoje caminhões carregam carvão originário de matas nativas desde Mato Grosso do Sul, até Minas Gerais para abastecer os altos fornos das siderúrgicas, além de servir de combustível para realizar churrascos nas residências;

2) a lavoura de soja, depois do estrago que já fez, vem recentemente arrasando o Mato Grosso, chegando à Amazônia; não sabemos de nenhum respeito ao meio ambiente e cuidado com o solo, e pior o produto final é levado até os portos do oceano atlântico no lombo de caminhões que arrasam permanentemente as estradas;

3) a cana-de-açúcar e álcool, degradaram inúmeras regiões no estado de São Paulo e no Nordeste e cada vez se estendendo com mais usinas sendo implantadas em outros estados e depois ainda queimar a cana, cercando-se os quatro cantos, depois vem fogo, a fumaça e a morte de todos os seres vivos que ali estão, tudo para facilitar a colheita;

4) na questão ligada à pecuária, basta dizer que há hoje no Brasil mais gado do que gente, é o maior rebanho do mundo à custa de alimentação com gramíneas que precisam de vastas extensões territoriais para vicejarem;

5) a desenfreada poluição das águas doce e potável dos rios, são dejetos industriais, esgotos domésticos e metais pesados lançados diariamente nos cursos d’água que se tornam colossais veículos de um caldo imundo;

6) milhões de toneladas de lixo e materiais descartáveis que se produzem e não são recicladas, ou aproveitadas e sim atiradas a céu aberto nos lixões; plásticos, pneus e baterias usadas, talvez, são dos maiores problemas ambientais que temos.

Poderíamos, aqui, citar outras inúmeras agressões ao meio natural, relacionamos, apenas, as ocorrências acima descritas que são praticadas com a conivência total da sociedade. Lógico, precisam-se gerar riquezas para manter boa convivência entre as pessoas e o poder econômico usa de sua “persuasão” para agir e conseguir os seus objetivos: o lucro, custe o que custar. A questão maior é a desigualdade social, os pobres e os miseráveis continuam cada vez mais oprimidos e impossibilitados de ter uma perspectiva de melhoria de qualidade de vida, porque o bolo é um só e os mais abastados se recusam cada vez mais em repartir as fatias, procedem como se fossem eternos ou imortais. Não sabemos direito o que fazer, mas a sensação é de que está tudo errado, ecologicamente incorreto. Quando iremos parar e pensar no futuro da humanidade ou da vida na Terra, seremos quantos bilhões de pessoas daqui uns 20 ou 50 anos???

Até agora falamos sobre as questões centrais ligadas ao meio ambiente, mas, o que nos interessa mais de perto, é a preservação das aves que estão fortemente envolvidas nesse imbróglio. Onde sobrará espaço para elas viverem livres, algumas não sobreviverão porque não há mais as mínimas condições ambientais exigidas por determinadas espécies. Isto já está acontecendo em muitas regiões do Brasil com algumas aves, outras nem tanto porque se adaptam e conseguem até superar as dificuldades aparentes e aceitar a novo contexto de seu habitat. Como exemplo, os que mais estão procriando e aumentando sua população nos novos ambientes, são: sanhaços, sabiás, cebinho, bem-te-vi, favorecidos pela arborização em pomares e parques urbanos que vão se formando nas cidades; o canário de terra, tiziu e tico-tico, aproveitando as plantações do capim braquiária (africano) que se alastram por todos os lados.

Aí vem a caça predatória e o tráfico, fatores que mais nos incomodam porque escondidos, furtivos e de difícil mensuração e todos, obviamente, queremos acabar com suas nefastas ações, ainda mais, nós criadores, que temos a nossa imagem prejudicada. Sabemos que o tráfico existe de forma arraigada que muitos lucram com a questão, mas em virtude da desinformação e dos exageros que é divulgado o assunto, talvez, como estratégia para motivar a opinião pública, até hoje não sentimos nenhum efeito positivo provocado por essas inverdades.

Falar do tráfico incomoda muito a todos, queremos acabar com ele porque promove a dizimação da fauna e não traz nada de favorável, só atende a interesses escusos e estão na contramão da preservação. Todos estão a favor de medidas que extirpem esse mal. Será possível faze-lo??? A verdade é que, ele tem conseguido burlar os mecanismos de controle e a confusão gerada nos deixa desolados. São tantos os exageros e desinformação que o efeito gerado provoca indignação em muitos e revolta em outros. Vejam alguns absurdos, dizer que: de dez animais silvestres capturados vivos, apenas um chega ao seu destino final – Ora, se o traficante tem o bicho como produto, não há atividade que se torne lucrativa com essa desproporção absurda; O cruzamento de informações perfaz um número de 600 milhões de animais, – Esse montante, por si só já soa como outro absurdo Se isto fosse verdade estaríamos perdidos, em breve, não existiria mais fauna (silvestre/selvagem) no planeta. O IBAMA quando divulga listas anuais de apreensões que não passam de alguns milhares, até chegar a casa dos milhões levaria centenas de anos;

Alguns têm os ossos do peito quebrados para serem transportados em canos de pvc – Dá para rir ou chorar, já que quebrar os ossos mataria imediatamente a ave, ou alguém tem dúvida disso, ou então, é piada e das mais infames; outros têm os olhos perfurados para, cegos, não verem a luz do sol e assim não denunciarem o crime com seu canto – pura brincadeira, ou alguém tem dúvida que além da crueldade, a ave, não teria mais como se alimentar e morreria de fome.

Esse é um clima de faz de conta, que alguns setores radicais tentam criar e que ao invés de atingir apenas o foco da questão que são os traficantes, coloca os criadores e os amantes de pássaros misturados e inseridos nessa nuvem de mentiras.

Gostando da idéia, por causa do impacto da informação, a mídia sempre veiculando de forma sensacionalista e negativa com o objetivo de motivar a opinião pública dramatizar e obter um clima de horror e com isso ganhar audiência e fazer gancho para continuar falando do tema sem buscar ouvir todas as partes envolvidas em especial a dos criadores ou seus representantes. Aí ficamos no meio desse turbilhão onde o emocional é valorizado.

Ainda bem que alguns outros setores, ao contrário tentam procurar o lado da razão, lembramos bem da CPI do Tráfico na Câmara Federal, nas suas duas versões finalizada em Março/2006, que depois de inúmeras reuniões com envolvidos em todo o Brasil, recomenda em seu relatório final:

– A União, os Estados e os Municípios, preferencialmente de forma articulada, devem conceber e implantar programas de geração de renda alternativa para comunidades carentes hoje envolvidas no comércio ilegal de animais silvestres;

– O Governo Federal deve conceber e implementar uma política nacional direcionada aos animais silvestres, envolvendo os aspectos de proteção ambiental, manejo e comercialização;

– A criação e comércio de animais silvestres como uma atividade regular, que observe todos os requisitos das normas ambientais e a legislação como um todo, deve ser incentivada pelo Poder Público;

– Os órgãos públicos, como a EMBRAPA e outros, devem participar do esforço de criação em cativeiro de espécies ameaçadas de extinção.

Pois bem, quem melhor ou com mais legitimidade do que os representantes do povo para indicar a política pública que poderia contribuir para o efetivo combate ao tráfico. Infelizmente, tudo que foi escrito e documentado em março não foi ainda colocado em prática pelos órgãos públicos, esperamos que surja uma Lei que regulamente a questão.

Está provado que ação dos criadores, que precisa de muito apoio e reconhecimento, tem dado certo, vejam os resultados positivos no manejo na produção do jacaré, dos peixes nativos, do bicudo, do curió, da capivara, do mico leão e assim por diante. Atendendo à demanda, eles prestam uma extraordinária contribuição à preservação e no combate ao tráfico evitando a captura ou abate de animais silvestres (selvagens), um exemplo para o resto do mundo ainda mais, se levarmos em conta que a atividade começou há pouco tempo, mais intensamente de dez anos para cá.

Dito isto, para nós, não fica bem que apareçam justiceiros que se acham juízes, que não olham para dentro de si, como se fossem imaculados e que querem impor sua opinião quanto à criação de pássaros nativos em domesticidade, pregando a proibição da atividade de criação manejada, quem sabe propondo tantas exigências descabidas que inviabilizaria a criação. Se isso, fosse possível o que fazer com todo o estoque de pássaros em poder da sociedade, cremá-los???

Ademais, sugerir é um passo, realizar e executar a criação de animais nativos é uma ação de preservação. São dezenas de milhares de pássaros produzidos e que vem somar ao acervo do estoque e do plantel dos criadores à disposição dos ornitófilos e amantes de pássaros e de eventuais reintroduções na natureza.

Então, o que esperamos neste novo ano é que haja muita inspiração junto os órgãos que estão envolvidos com as questões do meio ambiente e que eles realmente trabalhem para que haja um Brasil melhor e que todos nós possamos trabalhar juntos para a preservação das espécies, cada um respeitando o trabalho do outro, isso realmente, não sai de nossa cabeça.

Escrito por AloísioPaciniTostes – Ribeirão Preto SP, em 24/1/2007

Ornitologia e Conservacionismo

Relações entre as Atividades Humanas e as Aves

– As relações entre as Atividades Humanas e as Aves –

Jorge Eduardo de Almeida *

A Classe Aves encontra-se espalhada por todo o Planeta, ocupando os mais diversos habitats: Cordilheiras altíssimas, como os Andes e o Himalaia, florestas tropicais e equatoriais, savanas, desertos, pradarias e campos naturais, a calota polar Ártica e o continente Antártico, rios e lagos e até mesmo os oceanos são habitados por aves que só procuram a terra para a reprodução, afinal, elas precisam de um local que sirva de ninho para chocarem os ovos, normalmente pequenas ilhas oceânicas isoladas e distantes dos continentes, passando o restante da sua vida no próprio oceano, pousando no mar para descansar, praticamente independentes do ambiente terrestre para viver, tal é a capacidade de adaptação as mais diversas condições ambientais da Classe Aves, que mesmo os ambientes antrópicos, ou seja, aqueles modificados pelo homem, em maior ou menor grau, tais como plantações, pastagens, represas e cidades, mesmo as grandes metrópoles, como Rio, São Paulo, Londres, Tóquio etc não deixam de ser colonizados por inúmeras espécies de aves, capazes de sobreviver nas condições artificiais criadas pela civilização.

Os ancestrais das aves surgiram mais de cem milhões de anos antes dos primeiros hominídeos, portanto é bastante natural que atualmente já tenham sido capazes de colonizar quase todos os recantos da Terra… contando-se cerca de nove mil espécies de aves espalhadas por todo o mundo, das quais cerca de um terço são encontradas na América do Sul, sendo o Brasil um dos países com maior número de espécies, mais de mil e seiscentas, só perdendo para a Colômbia.

Portanto, quando o homem surgiu na Terra, as aves já aqui estavam disseminadas por todo canto e diversificadas em milhares de espécies, ou seja, desde o seu primeiro momento o homem conviveu com as aves e dessa convivência surgiram diversas formas de relacionamento e interação entre a espécie humana e a Classe Aves. Essa interação cobriu os mais variados aspectos da cultura humana: economia, artes, religião, lazer, ciência, folclore etc. Vejamos alguns exemplos clássicos:

A íbis sagrada representava o deus Thot no antigo Egito, a águia é até hoje símbolo de poder e força, estando representada no brasão de diversos países, como no passado também se encontrava como símbolo do Império Romano e na mitologia grega acompanhando o deus Zeus. Diversas aves são o animal totêmico de muitas tribos indígenas: corvos, corujas, tucanos, águias, gaviões etc.

Na cultura brasileira, seja indígena ou no folclore, são inúmeras as lendas, contos e tradições que envolvem as aves. Além da tão conhecida arte plumária, que não é exclusividade dos indígenas brasileiros, sendo comum em diversos povos de cultura tradicional espalhados por todo o planeta.

Nas artes propriamente ditas as aves são o tema de escolha ou de inspiração dos mais diversos artistas, seja na música, na pintura, escultura etc. Ainda como atividade lúdica a relação entre o homem e as aves inclui a criação de aves ornamentais, pássaros canoros, pombos correios, a tradicional arte da falcoaria que se preserva até os dias de hoje e ainda a caça amadorística a algumas poucas espécies de aves, em particular marrecos, pombos e perdizes, praticada tradicionalmente em quase todos os países do mundo de forma organizada, sustentável e plenamente legalizada, fazendo parte da cultura destes países de forma corriqueira e absolutamente normal, já que não prejudica em nada a conservação das espécies, auxiliando inclusive na preservação de áreas com vegetação e fauna nativas.

Na economia as aves representaram para o homem desde o período pré-histórico fonte de alimento, que com o advento da agricultura e posterior surgimento das civilizações, com a cada vez maior urbanização da população humana, adquiriu caráter de grande importância alimentar, como finte de proteínas e também puramente econômico, devido ao comércio de animais vivos ou de sua carne tornando-se importante segmento da área comercial.

Atualmente diversas espécies de aves foram domesticadas, algumas como fonte de alimento ou de matéria prima com as mais diversas finalidades, por exemplo, extração de pepsina através dos ovos, plumas para enchimento de agasalhos, travesseiro, edredons etc, utilização de ovos para produção de medicamentos ou a sua casca como fonte de objetos artesanais e artísticos, como a arte da pesanka, tradicional entre muitos povos de origem eslava. As penas também tem seu mercado altamente valorizado, sobretudo as de uso ornamental, como as utilizadas nas fantasias durante o Carnaval.

O Brasil é um dos maiores exportadores de carne de frango do mundo, de modo que a avicultura comercial é parte importante da nossa balança de exportações, contribuindo significativamente na entrada de divisas para o país. Nesta vertente da criação de aves são utilizadas algumas poucas espécies: galinha doméstica, peru, marreco e pato domésticos, ganso, galinha d’angola, também conhecida pelo nome de capote, codornas e em alguns casos os faisões e as perdizes chuckar.

Já na avicultura ornamental o número de espécies é bem maior, embora os criatórios normalmente sejam menores e a sua importância econômica, embora menor do que a da avicultura de corte, também não pode ser considerada desprezível, mas neste caso o Brasil ainda não ocupa um lugar tão destacado quanto diversos países do chamado Primeiro Mundo, países desenvolvidos, onde a avicultura ornamental ocupa lugar de destaque na economia, inclusive nas exportações, tendo desenvolvido técnicas extremamente eficientes de reprodução e manutenção de aves em cativeiro, não interferindo na avifauna dos ecossistemas. Isso significa que esse comércio de aves ornamentais nada tem a ver com o tráfico de animais silvestres, pois as aves não são retiradas da natureza, sendo oriundas de criatórios especializados. Entre as espécies mais criadas com esta finalidade podemos citar: pássaros canoros, tais como o canário doméstico e seus híbridos denominados pintagóis, os pintassilgos de pelo menos quatro espécies diferentes, os curiós, bicudos, trinca-ferros, canários da terra, melro europeu, melro metálico, rouxinol do Japão, rouxinol messias e etc. Pássaros ornamentais, tais como: mandarim, diamante Gould, diamante sparrow, bavete, mainá, etc. Também os psitacídeos formam parte importante neste tipo de avicultura, sobrepujando os demais grupos nas exportações, entre as espécies mais criadas e comercializadas temos: cacatuas, araras, papagaios, agapornes, calopsita, periquitos australianos, etc.

Ainda muitas outras espécies de aves, das mais diversas famílias são criadas como ornamentais, embora sem o mesmo destaque dos grupos apresentados anteriormente. Podemos citar como aves ornamentais especialmente criadas com fins lúdicos as várias espécies de faisões, o pavão, algumas espécies de anatídeos ( marrecos, gansos, tadornas , cisnes etc), codornizes, pombos de várias espécies, tucanos e muitas mais, inclusive colibris, mais conhecidos entre nós como beija-flores.

Mas a interação entre o homem e as aves, mesmo no que concerne a diversos aspectos econômicos, não está apenas ligada aquelas espécies criadas em cativeiro… esta relação se estende e muito com as aves silvestres, pois sendo o homem um elemento da natureza, como todos os demais seres vivos, sofre as interferências dessa natureza ao mesmo tempo que interfere nela… sendo assim as relações ecológicas entre homens e aves são muito amplas e as atividades realizadas por uns e outros acabam tendo reflexos nas suas respectivas populações. Estes reflexos podem ser positivos ou negativos, mas são inevitáveis, tanto da parte do homem sobre as aves, como das aves sobre o homem. Vejamos agora alguns exemplos dessa interação, tanto positiva quanto negativa, das aves com o ser humano: diversas espécies de aves alimentam-se de pragas, geralmente insetos, que atacam as plantações humanas, enquanto outras tantas espécies tornam-se elas mesmas pragas das plantações, em particular as espécies granívoras que atacam plantações de cereais e outros grãos e as frugívoras, que atacam os pomares. As primeiras diminuem os prejuízos dos agricultores, além de representarem uma economia não desprezível no gasto com defensivos agrícolas e ainda beneficiam desta forma o ambiente como um todo, diminuindo a contaminação do solo e da água pelos resíduos químicos daqueles defensivos.

Já o segundo grupo causa prejuízos não raro de grande vulto aos agricultores, representando em alguns casos já estudados uma perda de cerca de quarenta por cento da produção agrícola de certas regiões, ocasionando problemas sociais e econômicos graves, inclusive com diminuição da taxa de grãos exportados por certos países ou agravamento das condições de vida de pequenos agricultores que dependem das suas safras para sobreviverem, sendo assim um fator que interfere na qualidade de vida daquelas populações rurais.

Como podemos observar, pelo que foi exposto anteriormente, as relações entre o homem e as aves são bem mais complexas do que se costuma imaginar, envolvendo múltiplos fatores, que podem interferir e muito tanto na economia de um país como na qualidade de vida da população, mas o inverso também é verdadeiro, ou seja, as atividades humanas interferem de forma acentuada nas populações das diversas espécies de aves, beneficiando algumas e prejudicando outras, devido as atividades e modificações ambientais humanas, por exemplo: para algumas espécies a agricultura pode representar uma fonte extra de alimentos ou de locais para nidificação, como no caso das áreas de florestamento artificial para produção de celulose, produzindo uma explosão populacional de várias espécies de aves, cujas populações foram beneficiadas pelas alterações promovidas pelo homem no ambiente.

Para outras tantas espécies essas alterações ambientais antrópicas representam exatamente o oposto do que foi dito para as espécies acima, ou seja, representam diminuição do habitat, das áreas de nidificação, das fontes de alimento etc, de modo que suas populações, ou pelo menos as densidades populacionais de algumas regiões, diminuem drasticamente e em casos extremos podem representar real ameaça de extinção de algumas espécies.

Em qualquer dos casos, beneficiando ou prejudicando as populações de determinadas espécies, as atividades humanas provocam um desequilíbrio populacional nas aves, mais ou menos significativo, dependendo de diversos fatores, tais como condições do ambiente (deserto, semi-árido, bosque temperado, floresta equatorial, etc) que determinam resultados bastante diversos de uma mesma prática agrícola… ou ainda os aspectos biológicos das próprias espécies envolvidas no processo, já que algumas delas podem apresentar alto potencial reprodutivo, bem como uma alta capacidade de adaptação a novos ambientes, enquanto outras, ao contrário, podem apresentar baixo potencial reprodutivo e igualmente baixa capacidade adaptativa. Em alguns casos certas espécies não suportam alterações, mínimas que sejam, no ambiente e isto pode determinar o início de um processo de extinção, quando as atividades humanas se realizam no habitat destas espécies com baixíssima ou até nenhuma tolerância às modificações, em outras palavras, são espécies com pequena capacidade adaptativa às alterações ambientais, mesmo aquelas que não são provocadas pelo homem… essas espécies são sempre as mais vulneráveis.

Passemos agora a análise das relações das aves com o ambiente, o que explicará em certa medida as interações expostas acima. A temperatura corporal das aves é muito alta, variando entre os trinta e oito e os quarenta e cinco graus Celsius. Para efeito de comparação a temperatura corporal dos mamíferos normalmente varia de trinta e seis até trinta e oito graus Celsius. Isto significa que o seu metabolismo é muito acelerado, por exemplo a freqüência de batimentos cardíacos é muitíssimo elevada, atingindo em pequenas aves cerca de quatrocentos pulsos por minuto e em aves maiores o pulso normal pode estar ao redor de noventa até cem batimentos por minuto, o que é muito quando comparado ao pulso normal de outros vertebrados, quando em atividade este pulso torna-se ainda mais elevado podendo mais que dobrar o número de batimentos.

Decorre daí a necessidade de uma alimentação constante e em grande quantidade, além de possuir um alto valor calórico e energético. Alguns exemplos: certas andorinhas podem consumir em um único dia mais de cem insetos, na sua maioria moscas… algumas espécies de codornas nativas do Brasil consomem em um dia cerca de quarenta insetos, freqüentemente percevejos que atacam diversas plantas… algumas espécies granívoras, ou seja, que se alimentam de sementes consomem por dia o equivalente a trinta por cento do seu próprio peso.. para se ter uma comparação seria como se um homem de setenta quilos comesse por dia vinte e um quilos de alimentos. É claro que sempre há exceções, mas de um modo geral a regra é que as aves por seu metabolismo acelerado tenham um apetite verdadeiramente voraz para suprir suas necessidades energéticas.

Temos então os “ingredientes” que provocam a forte interferência das aves na economia humana e vice-versa. Por mais que nos conscientizemos dessa situação, nem sempre será possível evitar os desequilíbrios ambientais. No máximo poderemos diminuí-los a um mínimo aceitável. Portanto compete ao ser humano procurar e colocar em prática medidas que amenizem os inevitáveis desequilíbrios das interrelações da nossa espécie com o ambiente.

É importante que o leitor tenha em mente que na natureza não existe um equilíbrio estático, ou seja, perfeito, mesmo nos ecossistemas que não sofrem interferência humana ou que estejam em um estágio de grande equilíbrio normalmente designados como ecossistemas clímax. O equilíbrio é dinâmico e não estático, isto significa que as populações de quase todas as espécies estão sempre em constante modificação sobre tudo quanto as suas densidades. Para criar uma imagem fácil de se entender vamos imaginar uma balança de pratos em que os pesos se alternam em cada um dos pratos, de modo que a balança está sempre oscilando, em um momento o prato esquerdo está mais alto, no momento seguinte é o prato direito que se eleva, no entanto essa “gangorra” está sempre oscilando ao redor de um eixo que representa o ponto de equilíbrio. Este é precisamente o equilíbrio dinâmico que ocorre na natureza: as populações aumentam e em seguida diminuem, oscilando, como no exemplo da balança em torno de um eixo de equilíbrio ideal. Como podemos notar o equilíbrio da natureza não é estático, está sempre em movimento, e as aves nas suas múltiplas interações com o ambiente, que inclui a espécie humana com todas as suas atividades que interferem na paisagem ambiental, não são uma exceção a essa regra e suas populações também vão oscilar conforme as condições ambientais independentemente das atividades humanas.

No próximo artigo daremos continuidade a este tema, enfatizando as relações alimentares ou tróficas das aves com o ambiente em que vivem e a forma como isso influi nas suas populações e nas populações de outras espécies, tanto de animais como de vegetais… não deixaremos também de enfatizar as relações do homem com o ambiente e as suas conseqüências, sobretudo no que diz respeito a Classe Aves, porém sempre fazendo questão de lembrar que o homem é parte do ambiente e não um elemento estranho e que por isso não só influencia e interfere como também sofre influência e interferência do ambiente.

* Biólogo. Professor de Ciências Biológicas.

(jorgealmeida@maniadebicho.com.br)

Escrito por Jorge Eduardo Almeida, em 22/12/2006