Papagaios são primos de sabiás e gaviões
A confusão está formada a partir do DNA
Com a ajuda de dados de DNA, uma equipe internacional de pesquisadores diz ter traçado o primeiro álbum de família confiável de todas as espécies vivas de aves, refletindo o parentesco evolutivo entre os penosos. O resultado é de deixar qualquer um de boca aberta: os primos mais próximos de papagaios e araras são os pássaros cantores (ou passeriformes), como os sábias, seguidos pelos falcões e gaviões; os diurnos e coloridos beija-flores têm a mesma origem que os noturnos e quase invisíveis curiangos; e uma série de outras esquisitices que decorrem da história evolutiva complicada desses seres alados.
A pesquisa está na edição desta semana da revista especializada americana “Science”, uma das mais conceituadas do mundo. Os autores do estudo encararam um pepino dos grandes, porque até hoje não havia acordo entre os cientistas sobre como classificar as milhares de espécies de aves. Só existiam duas certezas: os penosos mais primitivos seriam o grupo das emas e avestruzes e, classificados num outro grupo à parte, estariam as galinhas, patos e assemelhados. No resto das aves (cerca de 95% das espécies conhecidas), a bagunça reinava.
Boa parte da culpa é da maneira como o grupo evoluiu, explicou ao G1 a americana Rebecca Kimball, pesquisadora do Departamento de Zoologia da Universidade da Flórida em Gainesville. Tudo indica que houve um salto sem precedentes de diversificação nos primórdios da existência das aves. “Há quem considere que elas se diversificaram para ocupar uma grande quantidade de nichos ecológicos vazios no fim do Cretáceo (há 65 milhões de anos), quando os dinossauros se extinguiram”, conta Kimball. “Por outro lado, alguns estudos genéticos apontam que essa diversificação se deu antes disso, então não dá para ter certeza.”
Sinal apagado – De todo modo, o que está claro é que a diversificação rápida “apagou” o sinal de parentesco entre os vários grupos de aves – como os vários padrões avianos foram surgindo com pouca diferença de tempo entre si, cria-se a ilusão de que todos estão à mesma distância um do outro. Ao mesmo tempo, desaparecem as formas que poderiam ser intermediárias entre um grupo e outro, com subconjuntos muito bem definidos de aves. “Todos os papagaios, araras e periquitos se parecem muito entre si e quase não se parecem com as demais aves”, exemplifica a pesquisadora da Flórida.
Kimball e companhia puseram-se a desembaralhar esse rolo usando amostras de DNA de 171 espécies avianas, representando praticamente todas as famílias do grupo, além de dados genéticos de dois grupos de crocodilos, que servem de base de comparação. Os pesquisadores compararam 19 trechos diferentes de DNA em todas essas espécies, tomando o cuidado de misturar, na análise, regiões que mudam rápido e devagar, o que ajuda a dar uma visão geral das alterações genéticas nas aves ao longo de milhões de anos.
As surpresas foram variadas, a começar pelas citadas no começo desta reportagem. Para ser mais exato, o “grupo-irmão” de papagaios e assemelhados é a ordem dos passeriformes, envolvendo todos os passarinhos cantores, enquanto os falconídeos (falcões e gaviões) são o grupo-irmão dos dois combinados. Outro dado interessante envolve os urubus, normalmente considerados primos das aves de rapina, mas na verdade mais próximos de um grupo mais “genérico” de aves terrestres.
Estranhos no ninho – O dado mais surpreendente, no entanto, é que nada menos que 35% dos subgrupos de aves aceitos hoje pelos ornitólogos não correspondem a relações evolutivas reais, pelo menos a julgar pelo DNA. Na prática, isso quer dizer que os cientistas estão classificando maçãs com bananas, o que, obviamente, não é uma boa.
A confusão provavelmente surgiu por causa da chamada evolução convergente – aves não aparentadas se adaptando aos mais variados estilos de vida, diz Kimball. “A convergência é um fenômeno extremamente comum. A adaptação a ambientes aquáticos, ou à vida noturna, por exemplo, surgiu múltiplas vezes entre as aves”, afirma. (Fonte: Reinaldo José Lopes/ G1)