Passarinheiro, Lei ou Amor

Reencontro com a Natureza?

Livre arbítrio, inteligência, lógica, intuição, chamem como quiser, isto está acima de qualquer código.

As palavras não conseguem apreender o verdadeiro sentido das coisas pelo que sempre recorremos à interpretação. O rigor da literalidade costuma induzir a conclusões erradas. E tanto mais se agrava o equívoco, quanto mais (pré)conceitos não são ercebidos e nem aplacados.

Ser passarinheiro é uma terapia, é relaxamento e reencontro com a natureza.

Observando nossos companheiros alados é fácil acalmar após o corre-corre das cidades e do agito da vida moderna.

É a lembrança de entes queridos que preservamos ao cuidar de nossos estimados animais. Esta foi até uma das formas que aprendemos alguma coisa sobre responsabilidade, quando em nossa infância ganhamos nosso primeiro pet, que devemos dar carinho, alimentar, dar água.

É a tradição popular, muitas vezes criticadas pela imagem pesada do cárcere, que salva espécies da extinção ou permite o repovoamento, citando casos bem sucedidos com canários-da-terra.

Ser passarinheiro, pela perseguição que sofre, é comparável a situação dos fumantes (o que digo na qualidade de ex-tabagista).

Nestas terras chamadas Brasil, tem o Planeta a maior coleção de espécies animais e vegetais. E isto é dever, preservar para o futuro.

A nossa pouca razão nos tenta a acreditar que tudo está perdido, somos impelidos ao catastrofismo, especialmente quando acompanhamos as conversas de biólogos, metereologistas, oceanógrafos, entre outros cientistas sobre temas como aquecimento global, degelo, Protocolo de Kyoto, el niño…

É chegada a hora em que devemos trabalhar juntos pela proteção da vida e do planeta. Trabalhar não é consumismo, pois não mais podemos conceber crescimento sem sustentação, ou seja, explorar os recursos naturais do planeta e produzir lixo em quantidade maior do que a capacidade de regeneração.

Interpreto que estamos numa encruzilhada, mas não há motivos para temor pois a intuição diz que devemos manter a esperança e a tranqüilidade, pois trabalhando pela regeneração do planeta encontraremos a paz entre os povos.

E nós passarinheiros juntamente com o Ibama, devemos reconhecer os erros reciprocamente e encontrar as soluções de comum acordo.

Eventualmente alguém não se lembrará ou não estaria suficientemente inteirado sobre alguns fatos, pelo que o que direi não é para causar revolta e sim reflexão. Sabe-se que muitos passarinheiros “regularizam” aves colocando anilha fechada pelo pé de adultos, o que evidentemente acaba por provocar mortes, deformidades e aves traumatizadas. É certo que há percentual que sobrevive sem nenhuma seqüela física e por isso o Ibama, receoso de fraudes, provoca tortura e maus tratos em determinadas espécies de passeriformes quando definiu diâmetro pequeno e incompatível com o tarso da ave que com o avançar da idade acaba por necrosar o pé ou matar. Há que se ponderar que nem sempre é maldade, geralmente é ignorância e desespero o que leva muitas pessoas a “anilhar” aves adultas. Para casos assim, o remorso é o pior inferno.

Mas perdoar é compreender e dialogar, e evitando as discussões apaixonadas é que estaremos a (re)generar a vida. Se há passarinheiros com nativos sem anilha ou não relacionados pelo Ibama, estes devem ser ouvidos, posto que uma tradição popular tão bela como esta não pode ficar restrita somente aos que tem padrão financeiro mínimo.

E se fizermos uma pesquisa, veremos que muitos dos que compõe o grupo dos “legais” um dia foram marginais da legislação ambiental, ou nem sabem que assim se encontram, ou ao menos tem um amigo nesta condição.

Muitos já até caçaram, mas antes que alguma pedra saia voando, vejamos que é a própria Lei Ambiental que prevê esta possibilidade, seja para formação de plantel inicial, seja para introdução de nova linhagem de sangue. E as melhores linhagens de criação de aves canoras, certamente tem ancestrais capturados e escolhidos entre dezenas arrebatados em armadilhas das mais diversas, na busca pelo que mais canta, mais tem fibra.

A “boa vontade” recomenda que sejam libertadas as aves capturadas ilegalmente, mas o bom senso revela que a vedação à procriação em criadouros conservacionistas e a degradação do ecossistema não permitem outra conclusão senão uma grande anistia.

Quem sabe no futuro, quanto tivermos iniciado o processo de regeneração do ecossistema, poderemos reintroduzir na natureza os cantos e as cores de nossos passeriformes, dando algum sentido ao sofrimento daqueles que nasceram livres e colocados em gaiolas não mais sobreviveriam sozinhos.

Cesar Kato

Escrito por Cesar Kato, em 1/10/2005

Processo de repovoamento de bicudos

Precisamos fazer

O processo de repovoamento de bicudos – publicado no AO 126

Aloísio Pacini Tostes – Ribeirão Preto SP

Também chamado de reintrodução, executar o repovoamento dentro das regras e monitorado é um tanto complicado, mas exeqüível, só depende de muita determinação dos envolvidos. Temos primeiro que buscar local adequado onde outrora havia populações de bicudos livres e que ainda haja extensos alagados e segurança da conservação da fauna e flora existentes, a fim de que não se estabeleçam futuras ameaças aos indivíduos objetos do empreendimento e de seus eventuais descendentes. Ali, deverá existir muita água limpa e perenemente o capim navalha do bicudo aquele que viceja bem no centro do brejo, essencial para a alimentação básica das aves e que depende da exposição de muita umidade em sua raiz. Definida com precisão a subespécie da região escolhida, procurar-se-ia entre os criadores registrados aqueles que as produzem para fornecimento de exemplares para o projeto, “em pureza” e não consangüíneos, que logicamente serão submetidos à exames para detecção de eventuais enfermidades. Não se poderá de forma alguma promover-se soltura de animais afetados por qualquer tipo de anormalidade com respeito a sua saúde. Determinado o local, depois de escolher-se um biólogo e um representante dos criadores que conheçam bem o comportamento e os hábitos desse pássaro, bem como ONG que se interessa pela questão. Todos esses aspectos serão submetidos e aprovados pelas autoridades locais e IBAMA. Deve-se saber com segurança, de onde sairão o aporte de recursos financeiros para a consecução do empreendimento. Com a aprovação de todo o projeto pelo IBAMA, pode-se, daí partir-se para a efetivação da pretensão, baseada em no máximo três casais por temporada num total de 5 anos e portanto 15 casais. Os bicudos objetos tem que ser jovens e deverão estar em processo de acasalamento no mínimo 60 dias antes da levada para o campo.

Em seguida seria de se produzir um viveiro com as seguintes características:

a) Dimensões: 4 X 3.4 X 3 m, de forma a caber em um caminhão médio facilitando o transporte;

b) Arquitetura: duas meias-água, desmontáveis em partes parafusáveis umas às outras;

c) Material: todo em metal (alumínio ou metalon);

d) Cor: Verde escuro assemelhando ao tom da vegetação local;

e) Tela: 6mm de metal

f) Piso: direto no chão adentrando todas laterais a meio metro no solo;

g) Divisão: em dois módulos (para o macho e para a fêmea);

h) Laterais: móveis de forma a se poder retirá-las;

i) Proteção: proteger a peça contra o vento canalizado através de lonas apropriadas;

j) Portas: Quatro em cada módulo, sendo que uma em cada módulo deve permitir a entrada da pessoa do tratador (para facilitar o manuseio), bem como outra ficará aberta no momento da soltura de cada a ave;

k) Comedouros: 4 peças iguais (duas a serem penduradas por fora);

l) Bebedouros: 4 peças iguais (duas a serem colocadas no chão pelo lado de fora);

m) Telhas: adaptar-se telhas de barro para sombra, proteção contra chuvas e dormitório;

n) Som: Deverá haver um instrumento sonoro, à pilha, que emita o som do canto do bicudo macho (gravado anteriormente), para servir de referência à fêmea a fim de prevenir eventual desnorteamento;

o) Disposição: Deverá vestir uma pequena árvore no próprio brejo e que pode ser podada para um melhor ajustamento; e

p) Segurança: Não permitir entrada de roedores e répteis e tomar todo o cuidado com a vizinhança de predadores em especial de gaviões e corujas.

Após a colocação do viveiro no local escolhido, soltar o macho e a fêmea separados um do outro até que um esteja aceitando a presença do outro sem desavenças. No início, alimentá-los também com sementes usadas domesticamente para, aos poucos, ir substituindo-as pelo capim navalha e outras sementes naturais existentes na região.

Com segurança de haja sementes de capim navalha em abundância nessa época que naturalmente é a adequada à reprodução na natureza, depois de quinze dias passados no viveiro, em dia ensolarado, soltar somente a fêmea pela parte da manhã, após tê-la deixado com pouca comida. Nesse momento, ter-se-á o cuidado de deixar uma porta aberta possibilitando a entrada e saída dela na peça, sem que seja forçada a isso. Ministrar comida e água nos cochos e recipientes que estão do lado de fora e observar o seu comportamento, em especial, na aproximação ao viveiro onde está o macho, ainda preso. Caso ela inicie um processo de se alimentar na natureza e beber água pelo lado de fora ou de dentro, há a constatação positiva de sua reação. Neste mesmo dia, da soltura, no período da tarde é salutar que a fêmea seja fechada, por segurança. No outro dia de manhãzinha se tornará a soltá-la e o movimento deverá se repetir por 8 dias no mínimo. O macho neste período deverá estar cantando intermitentemente, caso não esteja, ligar o som com o respectivo canto para ajudar na orientação. Uma vez comprovado que ela está ambientada com a rotina de voar pelas redondezas, estar por perto e alimentando-se de sementes, deve iniciar-se o processo de soltura do macho. O procedimento é o mesmo, liberá-lo na parte da manhã junto com a fêmea já treinada no entre e sai da peça. Daí em diante, observa-se o casal, se depois de uma semana estão juntos e sempre por perto do viveiro, é sinal que há boas perspectivas e que está dando certo. Temos, então que torcer para que eles entrem em processo de nidificação de preferência por dentro do viveiro. A alimentação complementar tem que ser dada até que se tenha a certeza que estão praticamente dispensando a oferta, esta certeza pode até demorar um pouco. Então, repetir-se-ia o processo com os outros dois casais com o objetivo de possibilitar maiores chances de sucesso. É o máximo que se recomenda por temporada anual de choco na natureza, até porque é um complicado procedimento de manejo a ser cumprido.

Do mesmo passa o biólogo e o criador devem montar um acampamento por perto, possuir um binóculo para acompanhamento e demais acessórios (ninho artificial de sisal ou bucha, alimentos, fármacos de emergência). Ficarão observando as aves por um período nunca inferior a três meses, até que provavelmente haja produção de filhotes e eles possam sobreviver no ambiente sem a interferência humana. Todo o projeto só se completaria após 5 anos de monitoramento e com a respectiva avaliação dos respectivos resultados. Caso tudo corra bem, nesse período, daria para devolver à natureza cerca de 15 casais. Esse tipo de ação é necessária e uma obrigação, temos todos que tornar viável a existência de todas as nossas aves nos ambientes naturais, temos sim, que pelo menos começar assegurar a sua conservação, o efetivo processo de repovoamento é possível, basta querer.

Escrito por Aloísio Pacini Tostes, em 29/9/2005