Riqueza ameaçada

Piratas modernos

CIÊNCIA, TECNOLOGIA & MEIO AMBIENTE 24/09/2003

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Riqueza ameaçada

A falta de fiscalização e controle das espécies nativas abre

as portas para a biopirataria e dá ao Brasil um prejuízo diário

de US$ 16 milhões

Darlene Menconi e Leonel Rocha

Colaboraram: Cláudia Pinho, Lia Vasconcelos e Neila Fontenele (Ceará) Mogno (Swietenia macrophylla): em 40 anos de exploração, foram extraídos 2,5 milhões de árvores, avaliados em US$ 4 bilhões. Dois terços da madeira mais valiosa do País vão para EUA e Inglaterra, nem todos pelo caminho da legalidade Muitos anos antes de as caravelas portuguesas fincarem suas âncoras por aqui, o Brasil estava longe de ser um paraíso tropical inabitado. Bem no coração da Amazônia, em Mato Grosso, onde hoje convivem 14 tribos indígenas no Parque Nacional do Xingu, havia uma civilização com avançado conhecimento de engenharia. As evidências arqueológicas, reveladas na semana passada, mostraram vestígios de praças, ruas e pontes construídas por uma sociedade com cerca de cinco mil habitantes. Durante pelo menos 250 anos, esses povos resistiram a toda sorte de ameaças, de malária e febre amarela a picadas de cobra e plantas venenosas. Para se curar, usavam infusões de ervas e poções feitas pelos pajés com ingredientes quase sempre secretos. Só 350 mil índios, ou 0,2% da população brasileira, resistiram às armas de fogo, ao domínio dos colonizadores e às doenças européias.

A população nativa diminuiu, mas a pilhagem das riquezas naturais brasileiras já dura 500 anos. Os colonizadores europeus que saqueavam as colônias deram lugar aos piratas disfarçados de turistas, pesquisadores ou missionários. Seu objetivo continua o mesmo: apropriar-se das riquezas da maior biodiversidade do mundo, úteis na produção de alimentos, remédios e cosméticos. A grilagem evoluiu a reboque da indústria farmacêutica e da biotecnologia. Um quarto dos atuais medicamentos industrializados é derivado de plantas, o que representa um mercado mundial de US$ 14 bilhões ao ano, sendo

US$ 124 milhões só no Brasil.

O professor Francisco Matos reuniu em livro 700 espécies de plantas do Nordeste conhecidas por suas propriedades medicinais.

Frutas tropicais – O País amarga um prejuízo diário de US$ 16 milhões com a biopirataria, segundo o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Há casos emblemáticos como o pau-brasil, a seringueira ou a fruta do bibiri, registrada pelo laboratório canadense Biolink, apesar de usada há gerações como anticoncepcional pelos índios uapixanas, de Rondônia. Uma empresa japonesa deixou mais evidente essa vulnerabilidade ao registrar como seus os nomes de frutas nacionais típicas como cupuaçu e acerola. O caso mais famoso, porém, é o do professor da faculdade de medicina de Ribeirão Preto, Sérgio Ferreira, que descobriu no veneno da jararaca uma substância capaz de controlar a pressão arterial. Sem dinheiro para tocar as pesquisas, ele aceitou uma parceria com o laboratório americano Bristol-Myers Squibb. Em troca de recursos, a empresa registrou a patente do princípio ativo Captopril, um mercado que gera US$ 2,5 milhões ao ano em royalties, e o Brasil também tem que pagar.

Não há páreo no mundo para a riqueza das florestas, pradarias e savanas brasileiras, que abrigam duas em cada cinco espécies de plantas e animais do planeta. Aqui vivem 55 espécies de primatas, dois quintos das aves e um décimo dos anfíbios e mamíferos do mundo. O grande dilema da exploração dos recursos naturais é o desconhecimento. A ciência já esquadrinhou quase 1,8 milhão de espécies de um total que pode variar entre cinco e 30 milhões. Por isso, a biopirataria muitas vezes passa despercebida. Na maioria dos casos, ela é reflexo da falta de fiscalização, de controle e de uma legislação que proteja a propriedade genética das espécies nativas.

O carro-chefe da exploração predatória é a madeira tropical mais nobre e valiosa do mundo, o mogno. Batizada de ouro verde por seu alto valor comercial, ela é vendida a US$ 1,4 mil por tora. Entre 1971 e 2001 foram extraídos 2,5 milhões de árvores. Dois terços seguiram para os EUA e a Inglaterra. Tivessem percorrido os caminhos legais, esse comércio poderia gerar quase US$ 4 bilhões em divisas. No domingo 21, Dia da Árvore, será a primeira vez em 40 anos, desde que começou sua exploração intensa, que o mogno dá sinais de recuperação.

A devastação foi tanta que o governo brasileiro decretou uma moratória no comércio de mogno em 2001. Madeira rara, resistente, que dura séculos sem mudar de cor nem deformar, o mogno não tem paralelo na natureza. Foi tão explorado que entrou na lista internacional de espécies ameaçadas de extinção. A partir de novembro, começam a valer os novos critérios para sua exploração controlada. Serão adotados certos cuidados para deixar mudas e toras suficientes para as futuras gerações. As práticas do bom manejo também serão acompanhadas por cientistas e fiscais. “O mogno enfim saiu da UTI e está em quarentena”, compara Adalberto Veríssimo, do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Ele percorreu as florestas do Acre, Rondônia, Mato Grosso e sul do Pará para elaborar o mais completo raio-x da exploração madeireira do País. “Quem apostou na impunidade perdeu dinheiro. Só vai ficar nesse negócio quem quiser trabalhar a sério”, diz Veríssimo.

Escrito por Darlene Menconi e Leonel Rocha, em 20/9/2003

Queimadas, valoração e biodiversidade

Evitar queimadas

ARTIGOS – terça-feira, 27 de maio de 2003 11:50 por Redação

Gazeta/José Manuel – O comportamento econômico do detentor de áreas com florestas, capões de mato, ou restos de florestas, ao não saber ou não reconhecer o uso econômico das espécies, acaba tomando a providência que lhe parece mais razoável e de menor custo: pôr fogo nas derrubadas ou nas áreas onde já houve a extração de espécies comerciais.

Note-se que antes de \’pôr fogo\’ tira as espécies comerciais, portanto que conhece.

Ao \’utilizar\’ a mata, ainda formada, o proprietário reconhece nela algumas espécies madeireiras, cujo uso industrial e comercial apresenta-se ao longo do tempo como matérias-primas para serrarias e industrias da madeira ou como fonte de calor e outras formas de energia e é admitido como importante fonte de emprego e renda em Mato Grosso. Dessa maneira, em diversas operações extrai a madeira e a vende.

Restam na floresta as mudas e árvores de menor porte das espécies extraídas, as espécies de ervas, arbustos, cipós e outras árvores sem uso comercial, por não se saber qual a sua utilidade.

O problema, portanto, é como criar valor às florestas, matas e cerrado remanescente e evitar a queimada de uma maneira conseqüentemente científica e econômica.

Aparentemente é simples, mas as variedades de espécies não reconhecidas e queimadas são centenas, milhares mesmo, e os recursos humanos para o seu processamento são muito escassos.

Essa discussão do ponto de vista econômico-teórico vem sendo discutido por diversos autores como Serôa da Mota e Peter May, entre outros, procurando interpretar as diversas alternativas para a valoração.

Do ponto de vista empírico, parece importante realizar ensaios, permitindo avaliar as diversas espécies remanescentes e ampliando o leque de opções para se considerar a queimada como a alternativa mais \’econômica\’ como \’tecnologia\’ de preparo do campo para agricultura e pecuária.

É relevante mesmo para se comparar técnicas de manejo com o desenvolvimento de agricultura e pecuária extensiva e muitas vezes, predatória em relação a plantios e reformas anuais.

Dessa maneira, uma metodologia geral de trabalho permitiria avaliar algumas espécies de forma a aumentar o valor econômico do ecossistema, não se avaliando, entretanto, o valor do ecossistema na perspectiva biológica.

Essa delimitação é importante por se ter consciência do processo de produção da natureza e suas alterações em função das precações.

Certamente a vocação da agricultura e pecuária poderia ser menos determinista e alterações apareceriam com formas mais ambientadas no cerrado, na mata e nos pantanais como manejos agro-silvo-pastoris.

Com algum grau de certeza teríamos outros produtos na pauta das exportações mato-grossenses, como flores e frutos exóticos, gomas e resinas que hoje são apenas cinzas.

Quem sabe, receberíamos alguns recursos para realizar seqüestro de carbono.

*José Manuel Carvalho Marta é professor Adjunto do Departamento de Economia da Universidade Federal de Mato Grosso [UFMT] e Doutor em Planejamento de Sistemas Energéticos pela Universidade de Campainas [Unicamp].

Escrito por José Manoel Carvalho Marta, em 20/9/2003