Criação

Considerações

A criação do Trinca-Ferro / Picharro – (Saltator similis) vem sendo uma das maiores paixões para os passarinheiros de todo o Brasil. O Trinca, nome mais popular, possui a característica de ser muito valente e de muita fibra. De fácil lida, por natureza muito manso e sua adaptação para as disputas nos torneios de fibra e canto é plena. Necessário, então que haja um grande esforço na reprodução doméstica para atender a demanda. Capturar na natureza é proibido – a Lei diz isso – e se queremos continuar contanto com o apoio da sociedade civil temos que procriar em grande quantidade. É uma fonte de rendas segura a demanda é grande para um criadouro comercial ou hobista; Portarias do IBAMA 118 ou 057, não importa o que precisamos é de muitos filhotes. Conhecido também como: Pixarro, Estevão e Bico de Ferro, o Trinca – é um pássaro de porte médio, 216mm de comprimento, cauda 100mm, asa 140 mm. De cor verde olivácea, meio amarelada nas asas, garganta branca e de peito e abdome esbranquiçado. Bico muito forte e grosso. Não há disformismo sexual, o macho tem a mesma cor e o mesmo aspecto da fêmea, mesmo depois de adultos. É uma dificuldade a mais para o criador.

Vive, em quase todo o Brasil, em pequenas matas, notadamente as ciliares que vão descendo morro abaixo, capoeiras e beiras de matas densas e pomares não-racionais. Na natureza, é um pássaro extremamente territorialista, isto é: demarca uma área geográfica em torno do ninho onde o casal não admite a presença de outras aves da espécie. Quando não estão na época da reprodução, contudo, podem ser vistos em pequenos grupos junto com os filhotes, como soe acontecer com quase todos os outros passeriformes brasileiros. Canta muito e assim delimita seu território. Seu canto é forte e melodioso, embora a frase musical tenha poucas notas quatro ou cinco mais o “boi”. Os mais apreciados são o “cu-rru-cu-til-boi” ou o “bom-dia-seu-chico-boi”. Aqueles que não finalizam com “boi” são chamados de lisos. O final com “roque” também muitos gostam. Na parte da tarde costumam mudar o jeito de cantar e a frase musical passando a emitir sons suaves e muito agradáveis. É sua característica, ainda, mudar o canto quando estão em disputa com outro macho. Uns diminuem as notas outros repicam o canto. Existem, ainda, em Minas Gerais, na região de Itabira, alguns raros, que cantam destrocado efetuando a repetição de notas de forma natural, chegando até a 60 batidas. Esses são os mais desejados e os mais procurados para aqueles passarinheiros que admiram o bom canto. Alimenta-se de grãos, mas é vital para a ele a ingestão de frutas/verduras. Então, deve-se alimentá-lo com ração de boa qualidade – como a da Trill – e com frutas verdoengas tipo maçã, banana prata, goiaba, pimentão, beringela e jiló. Ministrar 2 vezes por semana polivitamínico – Orosol, Rovisol ou Protovit – e 3 vezes por semana aminoácidos – aminosol – . Não o deixe cantar exageradamente porque pode adoecer com ataque de mycoplasma e de ácaros, fica rouco, perde a voz e se não for tratado, morre rapidamente. O tratamento é com 100PS e Permozim. O ninho natural é em forma de taça, numa altura de 1 a 5 m do solo, sendo entrelaçado com folhas e ramos. Internamente é forrado com raízes finas. A postura é de 2 ovos e às vezes de 3 de coloração de azul pálido com riscas negras no polo mais obtuso. Pode-se criá-los em gaiolas ou viveiros. As gaiolas de puro arame, dispostas em prateleiras, devem ser de 80 cm de comprimento por 40 cm de largura por 35 cm de altura. Com uma divisória no meio e com um passador lateral. Aconselhamos os criadores adotarem esse método porque de mais fácil manejo e para melhor utilização de espaços. É só adotar o estilo Márcilio – que já produziu muitos deles, assim – , usado na criação de bicudo, curió e canário-da-terra que tudo vai dar certo. Deve-se colocar o macho no momento exato da gala, isto é: quando a fêmea fizer o ninho e tudo o mais. Assim cada macho pode servir a 5 fêmeas. Observar, bem quando ela já estiver “barriguda” aninhando intensamente, senão é briga certa. Neste caso, utilizar ninhos pré-preparados com buchas ou sisal. Embora com o manejo muito mais dificultado, pode-se reproduzi-lo, também, em viveiros de 1m a 2m, aí coloca-se o casal junto, tomando o cuidado para atuar caso haja desentendimentos, muito comum. Eles, assim, poderão fazer o ninho em vasos de xaxim. Para ajudar a fazer o ninho disponibilizar palha de folha de coqueiro desfiadas, crina de cavalo, saco de estopa e raiz de capim. O macho, quase sempre, respeita a fêmea e ela tem sempre a preferência. Por precaução e segurança, dada a agressividade dele, é melhor que se retire o macho após a fêmea estar no quinto dia do choco, especialmente se houver outros machos fogosos e cantadores por perto.

Os filhotes nascem após 13 dias de choco. Aí vem a situação mais difícil da criação, a nutrição do filhote. Deve-se ter o máximo de higiene em todo o ambiente da criação. À mãe dar larvas de tenébrio à razão de – dez de manhã e dez à tarde para cada filhote – frutas verdoengas – maçã, banana prata, goiaba, mamão – tomando todo o cuidado para não deixar nada fermentar evitando-se, assim, a proliferação de fungos. Ao lado da ração da Trill, oferecer ração (comum de pássaro preto/sabiá), ou a de codorna, úmida e adicionar uma colher de aminosol a cada 4 colheres rasas de ração, misture-a com banana até que ela comece a aceitar bem. Adicionar polivitamínico – tipo Protovit – na água de beber da mãe até que os filhotes saiam do ninho, 5 gotas para 50 ml. A anilha pode ser colocada no 9 dia de vida. Os filhotes ficam no ninho até os 13 dias e com mais 15 dias poderão ser separados da mãe. Podem ser colocados juntos em gaiolões tipo voadores até a primeira muda, daí serão separados individualmente. O que nos anima, ainda mais é que se tem a certeza que os pássaros produzidos são muito superiores aos seus irmãos selvagens, face o manejo doméstico nos possibilitar sempre aprimoramento através da seleção genética e cruzamento dos melhores com os melhores, campeões com filhas de campeões. Mãos à obra, precisamos mostrar à sociedade que, em breve, a criação de “Trinca” chegará no nível que estão a de bicudo, curió e canário da terra. Para redigir este artigo, valemo-mo-nos do repasse da experiência e das orientações de Marcílio Picinini, de Antônio Lázaro Fernandes Lobo e de Mário Correia Leite.

Escrito por Aloísio Pacini Tostes, em 2/9/2003

Pingos nos is

Esclarecimento

O Sr. Luis Fernando de A Figueiredo, escreveu o artigo entitulado “O necessário pacto entre os preservacionistas e os criadores de aves silvestres”. Ficamos estarrecidos e muito surpresos com algumas colocações do companheiro Luís. Será que é essa a idéia que fazem de nós? A respeito, pedimos vênia, para tecer alguns comentários sobre o conteúdo do texto. Contudo, deve ficar claro que só falamos pelo segmento dos criadores de pássaros canoros. Assim, temos uma visão um tanto diferente sobre alguns aspectos, embora nosso objetivo seja o mesmo, o da preservação. Concordamos que muitos conhecimentos, a nível de detalhes, adquiridos no manejo diário que os passarinheiros detém sobre determinadas espécies, poderiam ser utilizados por qualquer pesquisador científico, bastaria uma aproximação entre ambos para que isso fosse concretizado. É a teoria e a prática. Seria um grande avanço. Precisamos nos despir de todo tipo de sentimentos negativos para chegarmos a esse diálogo. Quanto ao desaparecimento do bicudo e do curió das várzeas perto das cidades, podemos dizer que não foram só eles os desaparecidos, são muitos outros é todo um ecossistema que foi prejudicado. A caça predatória colaborou, sim, muito para isso, mas não é só, a pulverização com o DDT, a poluição das águas – o maior crime que se pode cometer contra a natureza – e todos os outros tipos de degradação ambiental. Por exemplo, como um pássaro que tem muita exigência com o seu hábitat, igual ao bicudo, poderia viver como outrora, na região de Ribeirão Preto SP, área detentora de um deserto verde, o da monocultura da cana-de-açúcar? Como falar em biodiversidade num lugar desses. Isto para não citar inúmeras regiões idênticas, espalhadas pelo País. E se pensarmos no tamanho do estrago ambiental que está sendo feito em grande parte do Brasil. Em apenas 500 anos quanto já foi destruído da natureza. Foram milhões de anos para a formação e poucas décadas para destruição. É muita irresponsabilidade. O que será daqui a 50 anos, ou daqui a outros 500 anos. Há alguma maneira de deter o passar do tempo? Há alguma maneira de deter o crescimento geométrico da população mundial? Há alguma maneira de fazer com que o homem não ocupe mais espaços? Será que adiantará falar em desenvolvimento sustentado, onde a experiência nos tem mostrado que, só o lucro imediato interessa. Os países mais adiantados falam muito em “preservação do meio-ambiente” – para os outros -, depois que destruíram quase todos os seus recursos naturais. Muito bonito isso. Qual será a solução, então? Como sempre dissemos, são muitas, mas certamente umas serão: a criação sempre crescente de “Unidades de Conservação” , a criação doméstica das espécies ameaçadas ou não, a educação ambiental, repovoamento monitorado, reflorestamento com espécies nativas, e outros procedimentos similares. Falando só de nossa parte; a questão passa, então, muito pelo entendimento correto que a sociedade deve ter sobre os efetivos criadores de pássaros. Do nosso lado, sabemos muito bem que, a sociedade só nos permite deter pássaros porque sabe que perfeitamente que estamos reproduzindo-os, e por isso, realizando uma tarefa das mais importantes para a preservação das espécies. Ninguém pode ter dúvida, como é óbvio, de que nossos criatórios grandes ou pequenos, sejam verdadeiros santuários, onde se pratica com o maior carinho, uma das mais nobres tarefas: a da criação de animais nativos nacionais. É um julgamento muito cruel o que está dito no texto de Luis, mas foi até bom, assim ficamos sabendo o “porque” das eventuais e muitas discriminações de que somos vítimas. Nossa colaboração, ao contrário, tem sido muito grande e ela poderá crescer se tivermos apoio dos autênticos preservacionistas. Apoio não quer dizer autorização para que haja aquele tipo de fiscalização proposta em qualquer de nossos criadouros, a não ser por quem de direito. Queremos sim, uma visita cordial dos companheiros preservacionistas, a começar pelo nosso 016-6721121, pelo do mestre Marcílio Picinini 032-2731346, pelo do Fernando Paz 031-5472756, pelo do Hélio de Paula 016-8311748, pelo de Ito da Fonseca 016-6233492, pelo de José Busnardo 016-6247545, pelo do Reinaldo Guedes 035-3411378, pelo de Brás Anastácio 011-4612802, pelo de Jorge Heusi 048-2349000, entre outros. Isso nos encheria de alegria. Estamos abertos a qualquer tipo de diálogo, queremos trabalhar juntos, em parceria. Estamos de acordo em muitas coisas; lugar de animal silvestre é a natureza. Não precisamos deles, o estoque doméstico existente é suficiente. Não se pode mais admitir a captura, não queremos de forma alguma isso. Seria um enorme contra-senso que os que praticam a reproducão doméstica estivessem a favor da captura de silvestres para comercializá-los. Uma coisa não combina com a outra. Como é que fazemos um grande investimento para montar um criadouro, passamos o dia inteiro cuidando de filhotes; não há domingos e nem feriados; não há férias e não pode haver o menor descuido; e depois estaríamos a favor ou coniventes com o tráfico ilegal de animais. Não faz o menor sentido. Queremos mercado sim, mas para o que estamos produzindo legalmente; quer atividade mais gratificante. Queremos também, mostrar com muito prazer, que estamos tirando pássaros da extinção, notadamente o bicudo e o curió. Queremos fazer o pacto, queremos o apoio de todos. Podem nos convidar para comparecimento em encontros que iremos com muito prazer, dizer o que sabemos e dizer de nossos objetivos. É só convidar quem de direito e quem estiver em condições para debater os eventuais assuntos programados, vamos trocar idéias, seria ótimo que isso acontecesse. Até hoje não tivemos conhecimento de nenhum tipo de convite para comparecermos a evento com o intuito de discutirmos assuntos inerentes. Conversamos com vários outros criadores e dirigentes e eles disseram que desconhecem qualquer tipo de convite. Estamos ansiosos para que, doravante, sejamos efetivamente convidados. Temos muito a falar, temos a dizer sobre nossa história, sobre nossas atividades que só se iniciou no Brasil, há 15 anos. Somos pesquisadores ainda, somos pioneiros, estamos aprendendo ainda e com muitas dificuldades. Só depois do ano de 88 é que, após intensas negociações com os competentes técnicos do IBAMA que duraram 4 longos anos, a questão foi regulamentada; assim mesmo, após eles ficarem convictos de que estávamos efetivamente realizando a reprodução doméstica. Hoje são milhares e milhares de filhotes produzidos. Já temos, portanto, mais de dez gerações criadas, nossos bicudos e nossos curiós passaram a ser pássaros nativos brasileiros domésticos. Tão domésticos como os milhões e milhões de exóticos criados, tipo “ägapornis”, “periquitos australianos” “canários-do-reino” , “mandarins” e muitos outros. Mas podemos fazer muito mais. Saímos da conversa e do querer fazer para a ação. Estamos produzindo muito e cada vez mais, são inúmeros criatórios que estão sendo espalhados pelo Brasil. Debaixo de muitas dificuldades estamos dando um exemplo para o mundo. Sem falar no melhoramento genético que é o grande trunfo, o grande segredo a favor da preservação, ninguém quer exemplares “sem origem” ou de origem desconhecida. Só se quer filhotes, oriundos de campeões, criados domesticamente, segurança de que ele vai aprender o canto que se quer ensinar. Se não fosse por isso, como é que um criador sobreviveria se seus filhotes não tivessem qualidade, quem iria se interessar por eles. Todos os campeões de hoje que disputam torneios são nascidos domesticamente. É preciso que a sociedade conheça o trabalho que estamos fazendo para preservar os cantos mais representativos do bicudo e do curió, tudo isso já estava extinto na natureza. Vale a pena conhecer-se a ciência que está por trás do ensinamento de um determinado canto a um filhote, aí está o “x” de nossa questão. Não estamos atrás de aves raras ou menos possuídas, a colocação não serve para nosso segmento. Pelo contrário, queremos é seleção genética a partir de pássaros muito conhecidos e campeões. Portanto o que estamos procurando, em termos de pássaros canoros é a criação de espécimens de muita qualidade de canto e de repetição. Quanto melhor, quanto mais cantor, quanto mais repetidor e quanto mais bonito cantar, mais valorizado e mais procurado. Só há isso em aves criadas, mateiros ou silvestres não servem. De outro lado, a manutenção de um criadouro custa muito, inclusive muita dedicação, dificilmente se recupera o valor dos recursos investidos, não tem problema. A maioria faz porque ama, porque gosta, porque tem prazer nisso. Como é gratificante segurar um ninho repleto de filhotes. É muita satisfação para nós. É preciso ficar claro, porém que, existem os mantenedores de pássaros que não reproduzem, não têm tempo, não têm jeito para o mister e em suma não têm condições para praticar a procriação. Mas a dedicação deles é muito importante para que todo o sistema funcione, desde que os pássaros mantidos sejam domésticos. O mantenedor, é o braço do criador, seu complemento. Eles manuseiam os pássaros criados, eles os desenvolvem. Eles os levam para passear, É gente que gosta de escutá-los cantar, é gente que gosta de participar de torneios, é gente que gosta de vê-los, de possuí-los. Que mal há nisso, é um pedacinho da natureza perto de si. Teria algum sentido criar-se centenas ou milhares de aves para possuir todas elas, só se for algum tipo de loucura. A ciclo se fecha, somos uma comunidade, o criador produz teoricamente, para o mantenedor manusear, para preservar, para manter estoques, para possibilitar eventuais repovoamentos, e sobretudo por gosta, porque é um apaixonado. Não reproduzimos animais para matá-los e comê-los, ou para arrancar a sua pele. Produzimo-os para ter, principalmente, o direito de conviver com eles. Supomos por todo o trabalho realizado que temos esse direito. E daí, está tudo resolvido? Logicamente que não. Se tem gente que teima em caminhar pela trilha do ilícito e do ilegal? A responsabilidade não é nossa. É um problema de polícia, da justiça, e da própria sociedade. As autoridades precisam agir com bastante rigor, mas deve responsabilizar aqueles que realmente tem culpa no cartório. Não podemos ser confundidos, de forma alguma, com traficantes ilegais, não somos farinha do mesmo saco. Pelo que está escrito no referido artigo e se for esse o sentimento da opinião pública, a coisa está esquisita. Está faltando uma melhor comunicação ou mesmo uma honestidade de propósitos em algum dos segmentos. Estamos muito ruins de marketing. De quem é a culpa. Alguma coisa deve estar errada no contexto. Será o radicalismo de alguns ou talvez falta de diálogo. Será que teríamos que tomar alguma iniciativa para mudar isso, será que os criadores precisariam se unir em torno de objetivos comuns para que passassem a ser devidamente respeitados por todos? Tudo tem que estar esclarecido, urgentemente. Qual é a responsabilidade da imprensa nisso tudo? O que estamos fazendo está sendo entendido como plenamente correto? Se há falhas, onde estão? É isso que a sociedade espera de nós? Onde queremos chegar? Nosso trabalho é ou não importante para a preservação? Sabemos que sim, mas toda a sociedade é que deve saber que sim. Alguém não está sendo claro em suas intenções ou não há muita transparência naquilo que está sendo realizado. Não tem mais jeito vamos sacudir a poeira, conversar muito, dialogar, discutir a questão e de uma vez por todas colocar os pingos nos is. Dessa forma, se tudo isso for feito e se todos os envolvidos participarem do entendimento, certamente, o companheiro Luís não precisará voltar ao assunto daqui a 11 anos.

Escrito por Aloísio Pacini Tostes, em 2/9/2003