A Arte Plumária Indígena é sustentável?

Manejo Sustentável

“A ARTE PLUMÁRIA INDÍGENA É SUSTENTÁVEL ?”

A atual queda-de-braço entre o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a Fundação Nacional do Índio (Funai), motivada pela comercialização de arte plumária, tem implicações muito mais sérias e profundas do que transparece à primeira vista. As discussões em torno da confecção de artesanatos que utilizam peles, penas, unhas e dentes da nossa fauna silvestre não são novas. Há pelo menos 10 anos, técnicos ambientais e indigenistas dos dois órgãos governamentais buscam alternativas, que assegurem o retorno financeiro proveniente da comercialização deste tipo de artesanato, sem ferir a legislação ambiental e, sobretudo, a Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas (CITES). Mas não há consenso, sobretudo porque o limite entre a sustentabilidade e a depredação, nestes casos, é tênue demais e depende de algo que o Brasil ainda não sabe fazer, que é controlar sem proibir.

De acordo com as leis vigentes, os indígenas tem o direito de caçar fauna silvestre para se alimentar e confeccionar seu artesanato cerimonial, mas não podem comercializar peças com produtos ou sub-produtos da fauna silvestre, como é o caso dos cocares e adornos feitos com penas de araras, papagaios e gaviões reais. A proibição é objeto da portaria 93/98, do Ibama, em vigor há dois anos, e se aplica tanto ao comércio interno quanto ao externo, ressalvados os casos de venda a museus ou instituições de pesquisa.

Ocorre que as peças são uma fonte de renda importante para alguns grupos, visto que a arte plumária é mais valorizada do que o artesanato com sementes e fibras. As peças são vendidas nas próprias lojas Arteíndia, da Funai, em diversos pontos do país, onde são adquiridas por estrangeiros. Boa parte deles tem uma ingrata surpresa ao chegar a seu país de origem – sobretudo no Norte da Europa e Estados Unidos – e ter o material apreendido, em respeito à CITES. O fato de terem adquirido as peças legalmente no Brasil, sem serem alertados ou incomodados pela fiscalização, os faz encaminhar pedidosde liberação ao Ibama, que invariavelmente os nega.

O acúmulo destes processos levou o Ibama a divulgar um alerta à imprensa e à Funai, no último dia 20 de setembro, para relembrar a portaria proibitiva. Nos dias seguintes, fiscais também apreenderam peças em alguns pontos de venda, com imediata reação por parte dos indígenas. Novas discussões, comissões e grupos de trabalho já estão na pauta, mas as soluções reais são improváveis se não se atacar o cerne da questão, que é a sustentabilidade do extrativismo indígena e as diferenças gritantes entre grupos, variando entre aqueles que mantêm a cultura e a estreita relação de dependência com o meio ambiente e aqueles que já trocaram as tradições pelo comércio barato e agora só mantém relações de dependência com o branco.

Há uma relação direta entre o grau de aculturamento do grupo indígena e o impacto ambiental de seu extrativismo, quando se trata de arte plumária. Ao invés de confeccionar um cocar cerimonial por ano, para uso próprio ou venda a outros indígenas, como acontece nos grupos menos aculturados, os artesãos mais aculturados passam para uma escala de comércio, em que o limite é o total de penas disponibilizados por caçadores do grupo ou vendidos por outros grupos (o que é muito freqüente).

Segundo Carlos Yamashita, especialista em psitacídeos (araras, papagaios e periquitos) do Ibama, há muitos anos existem caçadas específicas para obtenção de penas. Nestas caçadas, os indígenas se deslocam a até 150 km de distância da aldeia e matam de 50 a 60 araras em seus locais de alimentação. Há casos de indígenas que criam os animais para retirar as penas, mas cada arara só produz uma muda de penas da cauda (mais visadas) por ano, de modo que a retirada precoce ou constante destas penas causa estresse e mata a ave em 2 ou 3 anos de cativeiro.

Vale notar que nem sempre os grupos de caçadores são os mesmos que dominam a arte plumária. Ainda segundo Yamashita, os caiapós (Pará) estão entre os maiores fornecedores de penas para outros grupos indígenas – como os urubu-kaapor (Maranhão/Pará), erekibatsa (Mato Grosso), tapirapé (Tocantins) e kamaiurá (Pará) – que se destacam pelo artesanato. O comércio entre grupos indígenas não é recente, é anterior ao contato com o branco. Mas a escala comercial para atender ao mercado dos brancos é que potencializa o impacto sobre a população silvestre de aves.

Na verdade, se houvesse disposição governamental para gerir adequadamente o comércio de arte plumária indígena, o caminho adotado nos Estados Unidos seria uma opção. Lá existe uma campanha permanente de arrecadação de penas junto a criadores e zoológicos, que as enviam aos artesãos certificados, após pulverização para evitar a disseminação de pragas e doenças. As penas são recolhidas durante a muda e não arrancadas. No Brasil, há até um precendente para este tipo de acordo, aberto pelo antigo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal, IBDF. Nos anos 80, o órgão autorizou o uso de peles de felinos apreendidas para confecção de adornos cerimoniais dos bororos, de Mato Grosso, porque este tipo de caça havia desaparecido de sua região.

O problema é que um acordo entre criadores e indígenas para manter a arte plumária com penas doadas, teria de ser precedido de um levantamento da real importância deste artesanato para cada grupo indígena e dos respectivos impactos sobre a fauna, para depois se estabelecerem cotas e formas de certificação do artesanato, para posterior controle. Porém, aí, esbarramos novamente na palavra mágica – controle – que o país ainda não sabe fazer senão na forma da proibição radical. E o resultado é o de sempre: ilegalidade sem sustentabilidade.

Por: Liana John, Jornalista

Originalmente publicado no Estado de São Paulo em 05.10.2000

Escrito por Liana John, em 2/9/2003

 

O enigma do aprendizado

Canto

Se o criador amigo observar bem, vai notar que:

Quando usamos o curio apenas para galar, a fêmea, nas madrugadas, cantam na beira do ninho fazendo o papel do pai, e os filhotes acabam assimilando o seu canto. Isto ocorre com a maioria das fêmeas mais fogosas, e de boa qualidade, produto da seleção natural que o próprio criador faz. Eu já adquiri filhotes de bons criatórios, com trinta dias de nascido, levei para casa, criei com carinho em ambiente propicio com equipamento de som profissional, e o filhote veio abrindo o arremate. No mato, o macho fica no galho próximo ao ninho, cantando para os seus filhotes.

Antigamente, se caçavam quase a totalidade dos filhotes, e alguns aprendiam. Por mais novo que seja o filhote caçado, tinha no mínimo dois a três meses de idade, três meses ouvindo o pai cantar e mesmo assim, com uma vitrola com uma mola retornando o braço que o sr. Ildo da Penha fabricava, alguns filhotes aprendiam. Outros provindos do nosso nordeste, quase nunca aprendiam a cantar.

Realmente os curiós de algumas regiões tem a tendência no sangue a aprender um determinado canto. O tipo de canto, totalmente diferente como o do praia grande, faz com que tenham uma certa dificuldade no aprendizado. Eu comprei uns curiós do finado Raimundo Reis da Bahia, filho do Mossoró, e não consegui encartar a contento o canto praia em seus filhotes. Na primeira vez que ouve o canto regional do nordeste, volta ao canto de seu pai. Basta deixar um dia ouvindo o curio pai cantar, que esquece todo o aprendizado de meses e as vezes, de anos. Mesmo a mistura destes com o curio praia, a tendência é prevalecer o sangue mais forte. A mistura do japonês ou negro com qualquer outra descendência, a tendência é nascerem filhos com traços típicos pois são raças tradicionalmente mais fortes, por serem milenares.

Sempre se falou em curio inteligente, cabeça mole e etc, aos filhotes que aprendem a cantar aquilo que apresentamos. O fruto da seleção genética tem contribuído para que cada vez saiam mais filhotes cantando o praia grande clássico. A linha soberano é uma delas. O índice de aprendizado é muito grande, mas dificilmente encontramos curiós desta linhagem, cantando correto por muito tempo. O próprio Junichi e Julio, grandes conhecedores da raça e canto, juizes de curio em sampa, afirmam que o curió é pássaro para 4 a 5 anos, porque depois vão perdendo notas. A persistência na genética de pais com canto praia é importante, para desfazer esta afirmativa, pois seus filhotes tem a tendência, cada vez mais, a não esquecer e gravar para sempre as notas. A grande dificuldade está no fato de muitos criam dado a facilidade de criar, farinhadas que se encontram em cada esquina e etc, mas a grande maioria não conhece com perfeição as notas que o curio deve dar, o timbre de voz desejado e etc, e como resultado, vemos poucos curiós aproveitaveis nos torneios. Os criadores de curiós com cantos regionais, com certeza levam uma vantagem imensa. Na época em que o curio Sorocaba e Piracicaba, eram valorizados, este problema não existia.

Mesmo no nordeste, Maranhão mais especificamente, já notei curió repetidor com canto regional muito semelhante ao nosso praia grande clássico, com uma nota muito próximo ao samaritá e os seus filhotes encartam o canto praia grande com facilidade. Isto eu vi solto no mato. Na Bahia, numa região se não me falha a memória, denominado Nazareth das Farinhas da Ladeira, uma cidade histórica pelos folclores, eu pessoalmente presenciei curiós com o canto muito semelhante ao praia grande.

Então, eu concluo que os curiós de sangue forte, que por milênios ouviram e entoaram a mesma melodia, e canto original ainda por cima, como o vitetel do nordeste, que tem o canto original e não artificial como o praia grande, pela própria facilidade das notas, tem tendência a se impor Outros, por um motivo ou outro, o filhote deve ter ouvido um determinado canto mais fácil de ser assimilado acaba partindo para o obvio.

Há que salientar que tudo na vida há exceções. Mesmo o ser humano tem tendência a falar errado, pela própria facilidade e dificuldade da língua portuguesa. Quantos podem se gabar de usar o português correto e clássico, sem gírias ou termos incorretos ou inapropriados? Eu tiro por mim, descendente de orientais, nascido no Brasil, que tenho uma dificuldade natural no aprendizado da lingua portuguesa, coisa que não acontece com a língua japonesa. Quando sou convidado a fazer um discurso em português, tenho que dar uma preparada, e pensada, mas quando em japonês, as palavras fluem naturalmente. Faço discursos sem a necessidade de preparar nada antecipadamente.

Embora o Isair afirme que os filhotes só aprendam a cantar após três dias de nascido, eu discordo. A primeira fêmea que eu tive em 1954, foi galada por um curio do vizinho próximo. Era um praia grande, caçado na região de Pedro de Barros que dava inclusive o Kim Kim, mas que tinha assimilado algumas notas de outro passaro. O vizinho vendeu o curio, quando a fêmea estava no último dia do choco, e o novo proprietário levou para local distante, desconhecido. Os filhotes vieram cantando exatamente o canto do pai, com o defeito e tudo, embora nunca tenha ouvido após o nascimento. Quantos e quantos criadores não possuem exemplos similares? A fêmea foi caçado na região de Parelheiros, na época era permitido, de canto origem santo amaro, conhecido pelos antigos de curio bico de machado, que em nada se assemelha ao praia grande. Era uma curiola de porte majestoso, bico enorme como o bicudo. Muitos falam que os pássaros aprendem no ovo. Eu conheço um senhor de nome Arlindo, na região de Parelheiros, que era caçador de curiós Santo Amaro. Quando a fêmea estava chocando, o mesmo caçou o pai, e os filhotes vieram com o mesmo canto do pai, embora na região não existisse mais curios.

Por enquanto a criação de curiós é um mistério. Não é uma ciência exata. Ao contrario do bicudo do norte, que, se desvirtua um pouco o canto, numa muda de penas, é possível fazer retornar ao canto original, com o curio o mesmo salvo raríssimas excessões isto não acontece, talvez por ter um canto quase que totalmente artificial. 0s criadores de bicudo levam uma grande vantagem neste aspecto.

Escrito por Katsuhito Wada, em 2/9/2003