Carta do Zé agricultor para Luis da cidade

Pois aqui a multa é grande, e dá prisão

Carta do Zé agricultor para Luis da cidade

Luciano Pizzatto (*)

Luis,

Quanto tempo. Sou o Zé, seu colega de ginásio, que chegava sempre atrasado, pois a Kombi que pegava no ponto perto do sítio atrasava um pouco. Lembra, né, o do sapato sujo. A professora nunca entendeu que tinha de caminhar 4 km até o ponto da Kombi na ida e volta e o sapato sujava.

Lembra? Se não, sou o Zé com sono… hehe. A Kombi parava às onze da noite no ponto de volta, e com a caminhada ia dormi lá pela uma, e o pai precisava de ajuda para ordenhá as vaca às 5h30 toda manhã. Dava um sono. Agora lembra, né Luis?!

Pois é. Tô pensando em mudá ai com você.

Não que seja ruim o sítio, aqui é uma maravilha. Mato, passarinho, ar bom. Só que acho que tô estragando a vida de você Luis, e teus amigo ai na cidade. To vendo todo mundo fala que nóis da agricultura estamo destruindo o meio ambiente.

Veja só. O sitio do pai, que agora é meu (não te contei, ele morreu e tive que pará de estuda) fica só a meia hora ai da Capital, e depois dos 4 km a pé, só 10 minuto da sede do município. Mas continuo sem Luz porque os Poste não podem passar por uma tal de APPA que criaram aqui. A água vem do poço, uma maravilha, mas um homem veio e falo que tenho que faze uma outorga e paga uma taxa de uso, porque a água vai acabá. Se falo deve ser verdade.

Pra ajudá com as 12 vaca de leite (o pai foi, né …) contratei o Juca, filho do vizinho, carteira assinada, salário mínimo, morava no fundo de casa, comia com a gente, tudo de bão. Mas também veio outro homem aqui, e falo que se o Juca fosse ordenha as 5:30 tinha que recebe mais, e não podia trabalha sábado e domingo (mas as vaca não param de faze leite no fim de semana). Também visito a casinha dele, e disse que o beliche tava 2 cm menor do que devia, e a lâmpada (tenho gerador, não te contei !) estava em cima do fogão era do tipo que se esquentasse podia explodi (não entendi ?). A comida que nóis fazia junto tinha que faze parte do salário dele. Bom, Luis tive que pedi pro Juca voltá pra casa, desempregado, mas protegido agora pelo tal homem. Só que acho que não deu certo, soube que foi preso na cidade roubando comida. Do tal homem que veio protege ele, não sei se tava junto.

Na Capital também é assim né, Luis? Tua empregada vai pra uma casa boa toda noite, de carro, tranquila. Você não deixa ela morá nas tal favela, ou beira de rio, porque senão te multam ou o homem vai aí mandar você dar casa boa, e um montão de outras coisa. É tudo igual aí né?

Mas agora, eu e a Maria (lembra dela, casei ) fazemo a ordenha as 5:30, levamo o leite de carroça até onde era o ponto da Kombi, e a cooperativa pega todo dia, se não chove. Se chove, perco o leite e dô pros porco.

Té que o Juca fez economia pra nóis, pois antes me sobrava só um salário por mês, e agora eu e Maria temos sobrado dois salário por mês. Melhoro. Os porco não, pois também veio outro homem e disse que a distancia do Rio não podia ser 20 metro e tinha que derruba tudo e fazer a 30 metro. Também colocá umas coisa pra protege o Rio. Achei que ele tava certo e disse que ia fazê, e sozinho ia demorá uns trinta dia, só que mesmo assim ele me multo, e pra pagá vendi os porco e a pocilga, e fiquei só com as vaca. O promotor disse que desta vez por este crime não vai me prendê, e fez eu dá cesta básica pro orfanato.

O Luis, ai quando vocês sujam o Rio também paga multa né?

Agora a água do poço posso pagá, mas to preocupado com a água do Rio. Todo ele aqui deve ser como na tua cidade Luis, protegido, tem mato dos dois lado, as vaca não chegam nele, não tem erosão, a pocilga acabo …. Só que algo tá errado, pois ele fede e a água é preta e já subi o Rio até a divisa da Capital, e ele vem todo sujo e fedendo ai da tua terra.

Mas vocês não fazem isto né Luis. Pois aqui a multa é grande, e dá prisão.

Cortá árvore então, vige. Tinha uma árvore grande que murcho e ia morre, então pedi pra eu tira, aproveitá a madeira pois até podia cair em cima da casa. Como ninguém respondeu ai do escritório que fui, pedi na Capital (não tem aqui não), depois de uns 8 mes, quando a árvore morreu e tava apodrecendo, resolvi tirar, e veja Luis, no outro dia já tinha um fiscal aqui e levei uma multa. Acho que desta vez me prende.

Tô preocupado Luis, pois no radio deu que a nova Lei vai dá multa de 500,00 a 20.000,00 por hectare e por dia da propriedade que tenha algo errado por aqui. Calculei por 500,00 e vi que perco o sitio em uma semana. Então é melhor vende, e ir morá onde todo mundo cuida da ecologia, pois não tem multa ai. Tem luz, carro, comida, rio limpo. Olha, não quero fazê nada errado, só falei das coisa por ter certeza que a Lei é pra todos nois.

E vou morar com vc, Luis. Mais fique tranqüilo, vou usá o dinheiro primeiro pra compra aquela coisa branca, a geladeira, que aqui no sitio eu encho com tudo que produzo na roça, no pomar, com as vaquinha, e ai na cidade, diz que é fácil, é só abri e a comida tá lá, prontinha, fresquinha, sem precisá de nóis, os criminoso aqui da roça.

Até Luis.

Ah, desculpe Luis, não pude mandar a carta com papel reciclado pois não existe por aqui, mas não conte até eu vendê o sitio.

(Todos os fatos e situações de multas e exigências são baseados em dados verdadeiros. A sátira não visa atenuar responsabilidades, mas alertar o quanto o tratamento ambiental é desiqual e discricionário entre o meio rural e o meio urbano.)

* É engenheiro florestal, especialista em direito socioambiental e empresário, diretor de Parques Nacionais e Reservas do IBDF/IBAMA 88/89, deputado desde 1989, detentor do 1º Prêmio Nacional de Ecologia.

Escrito por Luciano Pizzato, em 28/11/2008

Resposta a Reportagem

A criação doméstica deve ser incentivada

Resposta à Reportagem

 

Meu nome é José Bernardino, nascido e residente em Guarulhos, onde estabeleci minha vida, constitui minha família, onde crio meu filho, onde trabalho e constitui meu patrimonio, ou seja, sou um cidadão deste município. Neste sábado, 22/11/2008, assisti em vosso canal de TV a reportagem que exibia os abnegados criadores de canários doméstico(Serinus canaria), onde foram mostrados algumas raças de porte e postura.

Fui criador de S.canaria durante muitos anos, também sendo premiado em concursos de clubes e campeonato brasileiro e sei do esforço e de todas as dificuldades e preconceitos que criadores de pássaros passam e sofrem neste nosso Brasil. Por isso, emocionei-me pela oportunidade dada aos criadores para demonstrar a criação e manejo destas belas aves. Porém tenho alguns comentários sobre a abordagem dada a criação e informações dadas durante o programa. Por exemplo, um dos criadores entrevistados informou que os canários sofreram modificações genéticas impostas pelos criadores. Isso é em parte verdade pois, com o tempo(já se fazem mais de seis séculos) foram aparecendo mutações que atingiram as cores que foram devidamente fixadas e multiplicadas. As mutações ocorrem o tempo todo em nosso mundo e são responsáveis pela variabilidade genética e pela imensa quantidade de espécies existentes em nosso mundo. Num outro caminho, em determinadas regiões da Europa ocorreram seleções de uma ou mais caracterísitcas físicas que deram origem a todas as raças hoje existentes de canários de porte e postura. Entretanto, informação importante é que a ave original era silvestre, originária das ilhas canárias, ou seja, o processo acontecido com o Serinus canária ou canarius, foi o mesmo que hoje acontece com espécies nativas brasileiras que estão sendo criadas de forma legal em nosso país.

Em outro momento, outro criador falava de manejo nutricional, porém não falou que a maioria dos criadores ainda maneja seus pássaros de maneira empírica pois, a maioria deles não tem formação em veterinária, zootecnica e nem mesmo procuram profissionais dessas áreas para orientação. Visto, por exemplo, a falta de um número maior veterinários especialistas em aves ornamentais.

Outro fato é que notamos um certo tom de repreensão sobre a criação de animais oriundos de nosa fauna. O repórter em determinado momento, toca no assunto pedindo a um criador tecer comentários para separar a criação de canários domésticos dos pássaros nativos brasileiros e do tráfico. Nesse momento, como meio de formação de opinião e elemento educativo, a comunicação televisiva deveria fazer diferenciação entre tráfico de animais silvestres, crime hediondo e que deve ser punido no rigor da lei e a criação legalizada de, por exemplo, passeriformes nativos brasileiros. Existem várias espécies nativas brasileiras que são criadas há décadas e que o manejo higiênico, nutricional, reprodutivo e genético vem sendo cada vez mais dominados pelos criadores sérios nesse país. Acredito que seria uma oportunidade, inclusive de exercício democrático, se a vossa emissora realizasse também um programa onde fosse exposta a criação legalizada de animais originários de nossa fauna e que tem sido marginalizada pelos orgãos governamentais que deveriam normatizá-la e fiscalizá-la de maneira imparcial. Também informaria ao cidadão comum que existe uma legislação que rege essa área e que permite a qualquer pessoa física ou jurídica possuir animais de nossa fauna desde que possuam origem na criação legal. Existem trabalhos sérios sendo realizados por esse país a fora e que deveriam ser divulgados pois, a criação em ambiente controlado é elemento coadjuvante ao combate do tráfico. Entendemos que se o cidadão comum tiver conhecimento da legislação e a ele forem disponibilizados, a exemplo do canário doméstico, exemplares nativos de comprovada origem em criatórios registrados junto ao IBAMA, esses mesmos cidadãos que buscam hoje um coleirinha, pintassilgo, canário-da-terra, azulão, entre tantas espécies, no tráfico, virão a adquirir pássaros de criadores legalizados e ai, o tráfico acabará tomando um golpe fatal e tenderá a desaparecer.

Citando o que o próprio Congresso Nacional Brasileiro que na conclusão da CPI do tráfico de Animais Silvestres recomenda “a criação e comércio de animais silvestres, como uma atividade regular, que observe todos os requisitos das normas ambientais e a legislação como um todo, deve ser incentivada pelo Poder Público”.

E também citando a CITES(Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e da Flora Selvagens Ameaçadas de Extinção), para quem a atividade comercial legalizada de animais da fauna nativa “pode favorecer a conservação de espécies e ecossistemas e/ou o desenvolvimento da população local se si efetua a níveis que não prejudiquem a sobrevivência das espécies em questão” (Resolução da 8ª Reunião da Conferência das Partes, Kyoto, 1992).”

Existem muita desinformação em nosso país, visto que a maioria das matérias televisivas e escritas que tratem de nossa fauna, divulgam tão somente o tráfico e de forma, intensional ou não, conectam a figura do criador de animais de nossa fauna aos meliantes e ao crime rupgnante do tráfico. Aliado a isso, existem programas de cunho educacional ambiental, onde formadores de opinião vão a escolas para realizar palestras, porém esses profissionais também não tem divulgado a nossas crianças e adolescentes toda a situação que separa o tráfico da criação legalizada, o que acaba transparecendo para esses pequenos cidadãos que “tudo é a mesma coisa”.

Agindo de forma parcial e informando apenas que ter animais de nossa fauna nas residências é crime. Verdade, como dito. parcial pois, como já explanado, existe a forma legal de possuir-se tais animais e tê-los na observância da lei não constituindo crime.

Para finalizar informo que hoje, cria Canários-da-Terra(Sicalis flaveola brasiliensis), sendo criador cadastrado no IBAMA/CTF e tendo todos os meus pássaros oriundos de criação legalizada, em concorndância com o que reza a legislação.

Isto posto, coloco-me a vosso dispor para eventuais esclarecimentos e orientação,

J.Bernardino.

CTF 438118

jb.bernardino@gmail.com

 José Bernardino