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Instrução Normativa

Uma zoonose ?

BOLETIM DO CRIADOURO CAMPO DAS CAVIÚNAS

Nº 5 AGOSTO DE 2003

REDATOR: Dr. JOSÉ CARLOS PEREIRA

RUA JOAQUIM DO PRADO, 49. CRUZEIRO/SP. TELEFAX 0xx12 31443590

Drjosecarlos2000@aol.com

AS INFECÇÕES PELO CAMPYLOBACTER

São bactérias com a forma de vírgula agrupadas no gênero Campylobacter que compreende 14 espécies, das quais, umas sete ou oito produzem doenças no homem. São móveis, têm grande capacidade de adesão às células, poder de invasão e produzem toxinas. As duas espécies mais encontradas no homem são o Campylobacter jejuni, com 50 serotipos, e o Campylobacter fetus. Estão entre as causas mais comuns de diarréia em todo o mundo, sendo em alguns lugares mais encontradas do que as Shigellas e as Salmonellas juntas. Predominam nos meses chuvosos nos países tropicais. As maiores vítimas são as crianças abaixo dos dois anos de idade. Constituem uma zoonose (transmitidas ao homem pelos animais). Os pássaros, tanto os silvestres como os domésticos, os hamsters, os cães, os gatos, as aves aquáticas, os perus, os frangos, os porcos, os carneiros, as cabras e o gado vacum são reservatórios comuns do Campylobacter. Nem totalmente aeróbios e não estritamente anaeróbios, vivem perfeitamente bem no meio gastrintestinal.

Entre as aves, o C. jejuni é a mais freqüente e a mais patogênica; o C. laridis, muito encontrado em gaivotas, tem patogenicidade ainda não bem definida enquanto o C. coli é considerado não patogênico. Além da forma em vírgula, o Campylobacter pode ser encontrado em aves na forma de “s” e na forma degenerativa cocóide.

O homem e outros animais se contaminam pela ingestão de produtos animais, como carne e o leite, pela água, pelo contato pessoal com outras pessoas ou animais, principalmente os jovens, portadores das bactérias. O feto pode ser contaminado durante o parto pela mãe portadora.

As gastrenterites constituem os quadros clínicos mais comuns das infecções pelos Campylobacter e são determinadas quase sempre pelo C. jejuni. Iniciam-se com febre, cefaléia, dores musculares, mal-estar e dor abdominal em cólicas em volta do umbigo que pode ser confundida com apendicite. A diarréia é inicialmente aquosa, talvez determinada por toxinas, podendo em dois a quatro dias evoluir para fezes com catarro e sangue como na Shigellose. As cólicas podem permanecer mesmo após ter cedido a diarréia. As infecções mais leves duram somente um a dois dias e podem ser confundidas com as diarréias por vírus. Em algumas pessoas a diarréia permanece por vários dias e pode voltar após algum tempo de normalidade.

Algumas vezes, principalmente em pessoas com imunidade comprometida, as bactérias, principalmente o C. fetus, podem atingir o sangue (bacteremia) sem produzir infecções localizadas, o que é raro na gastrenterite pelo C. jejuni. O C. fetus pode provocar bacteremia sem diarréia. A bacteremia manifesta-se por febre, calafrios, sudorese, confusão mental, dor abdominal, diarréia, icterícia e aumento do fígado. Quando há infecções localizadas fora do intestino os órgãos mais atingidos são as meninges, o pâncreas, o coração, os pulmões, as articulações, a vesícula biliar e o peritônio. A infecção da mulher grávida, mesmo que seja assintomática, pode causar aborto, natimortalidade, prematuridade ou infecções perinatais muito graves. Duas complicações interessantes são a síndrome de Guillain-Barré, polineuropatia que surge após algumas infecções, e a artrite reacional semelhante a que surge na Yersiniose.

Nas aves os sinais clínicos mais comuns são a diarréia com fezes volumosas, amareladas ou pálidas com aspecto chamado pelos autores anglo-saxões de “popcorn poohs”, letargia, falta de apetite e emaciação (emagrecimento). Esse quadro associa-se aos achados anatomopatológicos de hepatite subaguda ou crônica com infiltração perivascular de células inflamatórias e áreas de necrose num fígado aumentado de volume com coloração pálida ou esverdeada e áreas hemorrágicas. Na parede intestinal é notada inflamação catarral e/ou hemorrágica.. A mortalidade é muito alta, principalmente entre os filhotes; a morte súbita e brutal pode ser conseqüência da ruptura do fígado. Muitas infecções são inaparentes, mas passíveis de serem transmitidas a outras aves. Os quadros sintomáticos dependem, algumas vezes, de fatores que diminuem a imunidade da ave como a concomitância de infestações por coccídeos ou nematódeos e a desnutrição. Entrando num criadouro, o Campylobacter pode permanecer durante semanas determinando quadros sintomáticos, recuperações espontâneas e recaídas até a cessação, por motivos vários, do surto.

O Campylobacter pode ser cultivado em laboratório usando meios de cultura adequados, visualizado no microscópio com técnicas de coloração especiais e identificado por alguns testes sorológicos e pelo DNA. Em meio adequado as colônias desenvolvem-se em 72 a 96 horas a 37-42 ºC.

Há tratamento usando-se os antibióticos macrolídeos, como a eritromicina, a claritromicina e a azitromicina. No tratamento dos pássaros também são citadas as tetraciclinas e a estreptomicina (não deve ser usada em psitacídeos). Volto a afirmar: o tratamento somente deve ser feito seguindo orientação veterinária depois do diagnóstico clínico e/ou laboratorial. Não passe de pato a ganso achando que tem tudo para ser um veterinário, somente faltando o diploma. Cabe aos criadores os cuidados profiláticos.

O controle é relativamente fácil. O principal modo de transmissão é o fecal-oral: saída dos parasitas pelas fezes, contaminação do meio-ambiente e entrada pela boca. Desconhecer esse princípio básico é dar mole para o bandido.

Especificamente, alguns cuidados podem ser tomados pelos passarinheiros para evitar que o seu criatório (criadouro. Na verdade, ainda não achei uma boa e definitiva palavra para definir o local onde são criados pássaros) torne-se foco exportador e importador do Campylobacter:

– Lavar rigorosamente as mãos com água e sabão, sabão mesmo, esfregando as unhas com uma escovinha antes de manusear as frutas, as hortaliças e a água que serão fornecidos aos pássaros. As mãos devem ser lavadas, sempre com água e sabão, antes e depois de manusear pássaros ou os utensílios.

– Lavar rigorosamente, com água e sabão, frutas e as hortaliças que serão dadas aos pássaros e enxágua-las muito bem. Podem ser deixadas por alguns minutos em solução de água e vinagre ou de hipoclorito de sódio, não se esquecendo de enxaguar copiosamente antes de dá-las aos pássaros. Pela simplicidade creio que o lavar as mãos, as frutas e as hortaliças já será uma grande ajuda no controle desses parasitas.

– Oferecer aos pássaros somente água, no mínimo, filtrada. A água fervida seria mais seguro, desde que seja mantida no fogo pelos menos durante 20 minutos após levantar a fervura. Os mesmo cuidados devem ser tomados com a água para os banhos dos pássaros. Esfregar bem os bebedouros para remover o biofilme líquido que fica na superfície e que pode albergar muitas bactérias. O ideal seria ter jogos de dois bebedouros para intercalá-los diariamente, possibilitando a secagem completa de um dia para o outro do que não estiver sendo utilizado. É bom lembrar que as Enterobacteriáceas, entre elas o Campylobacter, adoram uma água, sendo mesmo conhecidas como bactérias dos meios líquidos e, para elas, qualquer filmezinho líquido é um piscinão de Ramos. Lavar, se possível de maneira individualizada, os utensílios também com água filtrada. Se for possível, pelo menos uma vez por mês, ferver os utensílios resistentes à fervura, principalmente as grades e as bandejas do fundo da gaiola. Se for organizada uma rotina, mesmo nos criatórios maiores as atividades profiláticas serão relativamente fáceis. Alguns criadores que dão sementes germinadas aos seus pássaros devem ter cuidado com a água usada para provocar a germinação. O mesmo cuidado deve-se ter com a água usada para umedecer as farinhadas.

– A manutenção higiênica do prédio onde está instalado o criatório deve ser diária, evitando o acúmulo de dejetos e restos alimentares. Ter um jogo de mangueira, pazinha de limpeza, baldes, botas, vassouras, rodos, cestos de lixo, etc. somente para dentro do criatório. Se existirem mais de um ambiente, um jogo para cada um. Verão que vale a pena o investimento. O uso de detergentes e outros produtos de limpeza bactericidas deve ser feito com orientação técnica. Aqui não cabem improvisações. Ainda advogo o uso de vassouras de fogo tendo, é lógico, cuidado para não colocar fogo no prédio e nos pássaros. Sempre usei esse procedimento no canil e é tiro e queda. Nunca houve problemas com parasitas externos e, de quebra, elimino alguns parasitas internos que teimam em viver algum tempo fora do organismo. É método de fácil execução, rápido e não tem ação residual como os produtos químicos. Com técnica adequada não danificará paredes, desde que não se fique com o fogo muito tempo num só lugar como estivesse assando um churrasquinho, e, creio, poderá ser usada nas gaiolas de arame vazias. Tendo-se o cuidado de tirar os pássaros do ambiente, isolando-se as partes combustíveis das instalações, evitando-se a presença de líquidos inflamáveis, etc., o método é seguro. Aconselho procurar informações com alguém que já tenha alguma experiência para não cometer erros de principiante.

– Tratar as fêmeas com Campylobacter é essencialíssimo pela possibilidade delas infectarem verticalmente os filhotes.

– Tratar os machos galadores infectados, pois, por ser comum usá-los com várias fêmeas (poligamia), poderão contaminar o plantel numa proporção geométrica. Não tenho qualquer dado sobre o assunto, mas seria esperada maior possibilidade de contaminação dos machos, devido às grandes aberturas do bico durante os cantos, pela poeira contaminada.

– Manter em observação e isolados todos os filhotes nascidos de mãe e/ou pai contaminados. Os gaiolões com muitos filhotes funcionariam como creches ampliando a disseminação da bactéria.

– Não caia naquela de dar antibióticos com finalidade profilática. São muito poucos os casos em que o uso profilático de antibióticos tem valor comprovado. E a infecção pelo Camnpylobacter não é um deles. Fazendo isso você estará criando cepas resistentes da bactéria, um problema para a sua própria família e para os seus pássaros. Cepas resistentes de uma bactéria que se propaga facilmente num canaril são pragas de sogra (só um xiste, porque a minha era ótima, não tenho queixas).

– Muito cuidado com as fezes das aves. O papel do fundo da gaiola deve ser trocado diariamente. O costume de colocar várias camadas de papel não é bom, pois, o filtrado da parte líquida fecal pode levar os parasitas para a folha de baixo (lembrar que estamos lidando com seres microscópicos). Deve ser usada uma folha de papel e a bandeja deve ser limpa diariamente e colocada ao sol (para isso, seria bom ter, pelo menos, duas bandejas por gaiola). Individualizar as bandejas para evitar usar bandeja usada em gaiola de pássaro contaminado em a gaiola de pássaro não contaminado, criando, assim, condições para disseminação da infecção pelo criatório. Se você usa areia na bandeja, tenha muito cuidado, pois, se não houver troca constante e higiene impecável, será um meio propício para manutenção dos parasitas.

– Muito cuidado com as gaiolas usadas para manter os machos ou levá-los aos torneios. Como ficam a maior parte do tempo fora do criatório, têm maiores possibilidades de ser depósitos de parasitas. São feitas de madeira, com muitos detalhes e têm muitas saliências e reentrâncias que facilitam a vida dos parasitas e dificultam higienizá-las. E, na maioria das vezes, não possuem grade separando a bandeja dos pássaros como acontece com as gaiolas de criação. Creio que, num futuro próximo, poderão ser substituídas por gaiolas feitas somente de arame.

– As vasilhas contendo sementes, farinhadas, minerais e água devem ser colocadas de modo a evitar que sejam atingidas pelos jatos evacuatórios dos pássaros. Inspecioná-las diariamente e, se estiverem sujas com excrementos, desprezar o conteúdo e higienizá-las.

– Muito cuidado com os poleiros. Devem ser colocados de maneira que não possam ser sujos pelas fezes, pois, pelo hábito das aves limparem o bico neles após alimentarem-se, a contaminação será fácil.

– Cuidado especial com pássaros trazidos de fora do canaril, mesmo que seja somente para uma galadinha. Fazer quarentena nem sempre é praticável. Se o galador vier de canaril que mantenha boas condições higiênicas tudo fica mais fácil. Seria ótimo os donos dos bons pássaros galadores manterem os pássaros em ótimas condições de higiene física, social e até mental, pois, eles podem representar um boa fonte de renda para abater nas despesas do criatório.

– Com as aves adquiridas para compor o plantel a quarentena é obrigatória, a não ser que venham de criatório que mantenha rígidas condições de controle sanitário do plantel. Creio que a quarentena de três semanas seja suficiente para a maioria das doenças infecciosas. Não trazer o pássaro em gaiolas do criatório de onde o adquiriu. Manter o pássaro entrante fora das instalações que albergam o plantel. O ideal seria uma pessoa para cuidar somente dele e que não tivesse acesso ao criatório. Se não, usar luvas ou lavar rigorosamente as mãos, com água e sabão, após o trato e cuidados com os utensílios da ave em quarentena. Todos os utensílios, produtos alimentares, vassouras, pazinhas, cestos de lixo, etc. devem ser mantidos separadamente dos usados para o plantel. Ponto de água para lavar os utensílios separado. Muito cuidado com os excrementos. A quarentena deve ser para valer ou nem vale a pena ser feita.

– Cuidado com os machos que vão a torneios ou a outros criatórios para coberturas. Seria interessante ter uma gaiola somente para torneios e outra para a manutenção do pássaro no criatório. Um apresentador de cães do nosso canil colocava nas guias dos cães que iam às exposições uma fitinha vermelha do Senhor do Bonfim; foi bom porque nenhum cão voltou contaminado das expos. Cuidado porque cavalo não desce escadas, como dizia o famoso colunista social carioca.

– Levar água filtrada e/ou fervida quando for a torneios, evitando dar ao pássaro água da torneira sem as condições higiênicas seguidas no criatório. Se esquecer, é preferível dar água de garrafa tipo natural. Nem para o banho deve ser usada água do local dos torneios.

– Cuidado com a água do banho dos pássaros. Deve ser, pelo menos, filtrada e, sempre que possível, fervida. Tirar a vasilha logo que o pássaro terminar o banho.

– Algumas vezes os parasitas podem ser trazidos para o criatório pelas patas de pássaros, como os pardais, ou das moscas. Telar as janelas, portas e as aberturas para a ventilação é medida heróica. Não deixar lixo ou restos de comida expostos é essencial porque eles atraem pássaros, moscas e predadores, inclusive ratos. Muitas plantas também são atrativos para os pássaros soltos visitarem o criadouro. É aconselhável evitar a presença de cães dentro do criadouro, pois eles podem ser o veículo para a entrada do Campylobacter no criadouro.

– E sol, amigos, pois, onde entra o sol não entra o médico, ou o veterinário, como dizia minha avó. Locais escuros, muito quentes e úmidos jogam para os bandidos. Lembrar que, em ambiente seco, o Campylobacter não resiste mais de uma semana.

As medidas profiláticas são econômicas e, tornadas rotinas, de fácil execução. Servem também para evitar muitas outras doenças que infernizam os criadores, como as determinadas por outras bactérias intestinais (Salmonella, Escherichia e Yersinia) e pelos protozoários intestinais.

Escrito por José Carlos Pereira, em 31/8/2003