Postagens relacionadas com Genética

Consanguinidade – Os benefícios que traz na Criação

Stéphane Vansteelant

Utilidade e utilização da consangüinidade na criação

Muito elogiado por alguns que declaram ser esse método excelente se as linhagens são de boa qualidade, por vezes ele é execrado por outros experts. Os criadores foram por muito tempo geralmente hostis ao método da consangüinidade, muitas vezes com veemência, apesar de que muitas raças de animais foram desenvolvidas inteiramente desta forma.

A consangüinidade é um método de reprodução no qual são associados reprodutores de uma mesma família, aparentados por graus mais ou menos próximos. Efetivamente, segundo uma codificação precisa, há tantos graus de parentesco de gerações em linha direta quanto em linha colateral, remontando ao mesmo ancestral.

Assim, entre um pai e seu filho há um parentesco dito de 1º grau. Da mesma forma, o parentesco dito de 2º grau entre um avô e seu neto, mas também entre um irmão e sua irmã.

O parentesco será de 4º grau entre primos-irmãos. A consangüinidade será portanto decrescente na ordem seguinte: irmão x irmã, meio-irmão x irmã, sobrinho x tia.

A partir daí, a consangüinidade colateral é utilizada freqüentemente com muito bons resultados, sob a condição de que os exemplares utilizados sejam “de elite”. Ela permite realmente um alto grau de uniformidade no tipo e em algumas outras características.

Através da consangüinidade, pode-se concentrar nos indivíduos reproduzidos os genes de um ancestral que já tenha sido utilizado muitas vezes naquela linhagem.

A consangüinidade, também, tende a separar em famílias distintas, cada uma remontando a um determinado ancestral, do qual se tenha desejado fixar as características.

Entre essas famílias é impossível praticar uma seleção familiar. A consangüinidade linear aumenta notavelmente a homozigose e o “poder raçador”. Nós retornaremos posteriormente a estes dois pontos.

As aplicações práticas da consangüinidade linear são interessantes para se considerar. É evidente que se um certo macho produziu, com fêmeas diferentes, filhotes de qualidade superior à de suas mães, não se deve hesitar em utilizar o poder raçador deste reprodutor e fixar suas características.

Deve-se, portanto, aumentar a relação de parentesco entre seus descendentes e ele mesmo por utilização de consangüinidade em linha direta. Se o reprodutor tiver morrido, poderá ser utilizado indiretamente através de seus descendentes: nesse caso, sempre é importante aplicar rapidamente o método de consangüinidade em linha antes que a relação de parentesco entre os ditos descendentes daquele reprodutor torne-se mais baixa. Será mesmo conveniente recorrer à consangüinidade colateral entre primos-irmão.

Uma outra aplicação da consangüinidade linear é o estabelecimento de uma linhagem, problema que pode se apresentar a alguém que começar uma criação.

Para estabelecer a linhagem, é necessário inicialmente adquirir exemplares de excelente qualidade, em perfeitas condições de saúde e plenamente de acordo com os padrões da raça.

As fêmeas deverão ser acasaladas com um único macho, originando da mesma linhagem que elas, descendente portanto de um mesmo reprodutor.Esses cruzamentos permitirão a obtenção de filhotes dentre os quais se poderão selecionar os melhores.

Nos casos em que esse procedimento não seja possível, poderíamos partir de uma única fêmea como base. Ela deverá ser acasalada inicialmente com um excelente macho de uma linha de sangue diferente e depois com outro macho igualmente bom, mas com algum grau de parentesco com aquele utilizado da primeira vez.

Deveremos selecionar os melhores filhotes dessas duas ninhadas, que na temporada seguinte serão acasalados entre si e produzirão filhotes de qualidade homogênea, teoricamente muito boa.

Se após algum tempo de utilização de consangüinidade em linha aparecerem sinais de que ela tornou-se muito estreita na linhagem (os sinais de alarme mais comuns são o aparecimento de indivíduos instáveis, doentes e também a diminuição da vitalidade reprodutora dos jovens exemplares produzidos), poderá ser necessário introduzir “sangue” novo. É o chamado “outbreeding”. A melhor maneira de fazê-lo sem danificar o trabalho anteriormente desenvolvido será procurar um reprodutor com 50% de sangue diferente.

Na prática, deveremos reintroduzir na linhagem um macho que seja filho de um reprodutor da linhagem desenvolvida por consangüinidade com uma fêmea de linhagem totalmente diferente. A consangüinidade que tende a aumentar o número de produtos homozigotos faz também aparecer todas as taras e todas as características defeituosas que por ventura existam na linhagem no estado recessivo.

Assim, quando essas características aparecem deve-se proceder a uma seleção implacável e guardar para reprodução apenas os indivíduos que tenham produzido os filhotes mais saudáveis, melhor constituídos, os mais próximos do padrão.As possibilidades de se alcançar o progresso almejado são maiores quando se utilizam para a reprodução em consangüinidade exemplares escolhidos segundo a observação do genótipo de seus descendentes, pois só assim teremos certeza de que eles possuem os genes desejados.

A porcentagem de indivíduos homozigotos aumenta dentro de uma determinada população com os acasalamentos consangüíneos (lei de Hardy) na mesma proporção em que aumentam as chances da transmissão de um determinado caractere dos genitores ancestrais, macho ou fêmea.

Por uma estreita consangüinidade a probabilidade de obtenção de indivíduos heterozigotos diminui sensivelmente: eles tendem a desaparecer devido à utilização dos acasalamentos consangüíneos, pois só os indivíduos subsistem enquanto se aproxima mais a homogeneidade da população.

É evidente que a consangüinidade estreita, mais ou menos incestuosa, como a indicada nos exemplos anteriormente citados é a chamada “in and in” dos anglo-saxões, consistindo em acasalamentos entre pai e filha, filho e mãe, irmão e irmã.

O risco de aparecimento de taras recessivas é evidente o mesmo do surgimento das características desejadas, e é isso que justifica o aforimo de lush: A consangüinidade não é crime, ela descobre o crime. As taras, os defeitos e as qualidades são condicionados por genes que, por vezes recessivos, aparecem graças à homozigose, já que estavam mascarados anteriormente pela heterozigose dos genitores ancestrais.

Utilidade e utilização da consangüinidade na criação II

Uma consangüinidade distante consiste no manejo de indivíduos pouco aparentados. O inbreeding ou cruzamento entre parentes é a aliança de dois indivíduos que estão separados por três a quatro degraus de parentesco. O “line breeding” é aquele em que os exemplares acasalados estão separados por quatro ou cinco degraus de parentesco. Então, quando se fala de consangüinidade distante, significa que mais de cinco degraus de parentesco separam os reprodutores acasalados.

Os resultados da consangüinidade são sempre rápidos, contrariamente aos obtidos por simples seleção. A rapidez é mesmo chocante quando se trata de cruzamentos de “inbreeding” repetidos.

A utilização da consangüinidade gera controvérsias há muito tempo, e o problema é pouco esclarecido devido à parcialidade dos criadores e à inexatidão dos ensinamentos tirados de experimentos e ensaios práticos. A utilização prática da consangüinidade exige certas precauções, resultantes da estrita observação de regras bem codificadas pelo Dr. Roplet, que serão apresentadas nas linhas a seguir:

– Regra 1:

A consangüinidade que tende à homozigose produz a pureza, mas somente para a qualidade considerada pelo criador. Isso quer dizer que se os caracteres que o criador deseja melhorar beneficiam-se efetivamente desse método, outros caracteres não considerados irão degenerar-se. Isso pode acontecer por negligência, por escolha ou por impossibilidade material (números de casais utilizados) de eliminar os pássaros recessivos para esses caracteres secundários.

Portanto, deve-se absolutamente evitar o abandono provisório da melhoria de certos caracteres considerados como secundários e também a concentração de espécies de esforços unicamente na melhoria das qualidades primordiais, contando reverter posteriormente a situação, para então voltar a trabalhar aquilo que se tenha momentaneamente desconsiderado.

Efetivamente, se uma determinada característica é negligenciada, os indivíduos criados não mais a portarão, por resultado da homozigose (lei de Hardy) e não será mais possível reintroduzi-la, exceto pela infusão de “sangue novo” que, invariavelmente, provocará a destruição de todo o trabalho já realizado.

Há evidentemente necessidade de considerar-se numerosas características, uma vez que ocupando-se unicamente de trabalhar as qualidades de tipo (melanina), podem ser pioradas outras características (forma, lipocromo, etc…).

– Regra 2:

Os efeitos nocivos da consangüinidade podem ser decorrentes da heterozigose, sempre devido a cruzamentos em “outbreeding” nas gerações anteriores.

Paradoxalmente, a consangüinidade aumenta nesse caso a variabilidade e a freqüência do aparecimento de características indesejáveis, mas o grande erro seria voltar aos acasalamentos com outros indivíduos portadores de uma variabilidade de caracteres ainda maior.

O único remédio consiste na continuação de uma consangüinidade estreita com seleção rigorosa dos recessivos e sua eliminação da reprodução.

Na prática, a aplicação da consangüinidade em cruzamentos com linhagens estranhas (outbreeding) produz indivíduos com características indesejáveis. Portanto, a única solução é continuar a usar a consangüinidade.

Pode-se concluir daí que a consangüinidade é muito mais vantajosa e benéfica em curto tempo se praticada com exemplares já relativamente aparentados ao invés de uma população com linhagens diversas.

Podemos inferir que o criador terá o maior interesse em testar a descendência para evitar a heterozigose. O resultado será uma produção de grande homogeneidade, com alta porcentagem de indivíduos de boa qualidade. Esses indivíduos serão quase idênticos e formarão facilmente quartetos de muita harmonia.

– Regra 3:

Não se deve jamais utilizar reprodutores inferiores ao ideal desejado pelo criador.

A consangüinidade não traz bons resultados quando a freqüência genética de uma característica desejada é baixa.

É claro que o criador busca fixar essa característica favorável.

Ele deve , portanto, fazer acasalamentos entre famílias aparentadas, até que produzam um número suficiente de indivíduos excelentes para, só então, começar a utilizar a consangüinidade planejada.

O número de indivíduos excelentes deverá ser grande, porque sempre haverá muitos exemplares de fenótipo inferior para se eliminar.

Durante as quatro ou cinco primeiras gerações, deve-se acompanhar cuidadosamente não a qualidade particular de um único indivíduo, mas sim a qualidade dos melhores exemplares, que serão os únicos utilizados como reprodutores.

– Regra 4:

Não se deve nunca utilizar exemplares defeituosos (homozigotos recessivos para uma determinada característica indesejável), uma vez que o acasalamento de dois pássaros defeituosos produzirá com certeza apenas indivíduos defeituosos, e não se poderá jamais voltar à dominância heterozigótica sem “outbreeding”.

Por outro lado, a obtenção de uma característica dominante homozigota dispensa a seleção posterior de tal característica.

– Regra 5:

É desejável que os criadores trabalhem em estreito acordo, em parceria mesmo, cada um selecionando linhagens diferentes mais de características igualmente boas.

O desenvolvimento simultâneo de várias linhagens é efetiva garantia contra a involuntária mas inevitável perda de genes resultante da consangüinidade.

Poder introduzir um macho ou fêmea de excelente qualidade nessas diferentes linhagens permitirá a superação de eventuais problemas, assim como evitará chegar-se a um impasse definitivo.

Por outro lado, coisa muito comum na criação, a data de separação de diversas linhagens não é nunca muito antiga, e facilmente podemos perceber que muitos exemplares em nossas criações têm ancestrais comuns, provenientes de um criador líder na época da aquisição do plantel.

Desta forma, se o criador não praticou continuadamente o “outbreeding”, a impureza resultante dos acasalamentos de exemplares de diferentes linhagens não será jamais muito grande ou muito grave, assim como os cruzamentos com pássaros estranhos não produzirão perturbações muito importantes.

Utiliza-se, portanto, a consangüinidade quando se deseja produzir exemplares muito próximos daqueles que admiramos.

Desta forma, aumenta-se o coeficiente de parentesco que naturalmente seria reduzido à metade a cada geração, se não utilizarmos a consangüinidade.

Além disso, a consangüinidade apresenta uma enorme vantagem que justamente vem sendo desconsiderada pelos criadores há muito tempo: ela ajuda na seleção de genes desfavoráveis, ao fazer aparecerem indivíduos portadores dessas características.

Essa concentração de características indesejáveis em determinados indivíduos facilita a sua eliminação: basta retirar da reprodução esses exemplares.

O ideal seria que um filhote de cada ninhada acumulasse todos os defeitos.

A consangüinidade permite igualmente a formação de famílias distintas, oferecendo-nos assim a possibilidade de uma seleção mais severa que aquela feita entre indivíduos quaisquer, sobretudo quando consideramos as características de difícil transmissão.

A consangüinidade permite, enfim, testar o valor hereditário de um macho [b]”raçador”.[/b]

O teste da consangüinidade incestuosa serve como prova e constitui o teste mais rigoroso do valor hereditário de um macho. Esse é o maior mérito do método, permitir a criação de indivíduos fortemente homozigotos, qualificados como “raçadores”.

O poder raçador de um reprodutor é a capacidade de imprimir em seus descendentes características tais que os façam parecer-se com seus pais e entre si, mais que o normal.

Utilidade e utilização da consangüinidade na criação III

Em zootecnia, é comum designar-se pelo termo “hereditariedade unilateral” o fato de um produto parecer-se unicamente com um de seus pais.

Apenas um dos seus ascendentes transmitiu as características visíveis. Tudo se passa como se esse ascendente agisse sozinho,como se o produto fosse fruto unicamente de seus genes, quase um clone.

Um reprodutor que possua essa qualidade é evidentemente um excelente raçador, possuindo a capacidade de transmitir suas características a toda sua descendência, sendo chamado por isso de um marcador de linhagem.

Em contrapartida, alguns exemplares que brilham nos concursos, apesar de belos, não passam de reprodutores medíocres.

A qualidade de “raçador”, como bem define o Prof. Jean Blain, não é outra coisa senão a posse, por um reprodutor, de caracteres dominantes que se transmitem na primeira geração. É capacidade à qual se deve saber atribuir limitações e que a simples seleção não permite manter.

Se a consangüinidade não for utilizada, não há qualquer razão, segundo o Prof. Blain, para que as características dominantes continuem a aparecer na totalidade dos sujeitos da segunda geração.

Se as boas características de um raçador persistem após várias gerações pode-se dizer que os sujeitos portadores de caracteres recessivos não considerados foram eliminados.

Como nós vimos, é melhor usar a consangüinidade estreita a partir de um bom reprodutor que a consangüinidade distante a partir de um reprodutor médio.

Na prática, não existem reprodutores que transmitam apenas suas características, mas há reprodutores quepossuem características que se impõem.

Reportando-nos às leis de Mendel, o abecedário da criação, é fácil constatar que um reprodutor que possua caracteres dominantes em dose dupla (homozigose) os transmitirá obrigatoriamente à sua descendência, ao passo que um reprodutor que possua esses mesmos caracteres em dose simples (heterozigose) os transmitirá a apenas 50% de seus descendentes.

Basta que o número de filhotes seja pequeno, para que o acaso faça com que nenhum deles se pareça com seu pai heterozigoto.

De tudo que foi visto até aqui, podemos afirmar que as diversas causas do poder “raçador” de um indivíduo são:

– a homozigose – se o reprodutor for homozigoto, ele produzirá apenas os genes que nós selecionamos. Portanto, o poder “raçador” é diretamente proporcional ao número de genes desejáveis para os quais o pássaro é homozigoto.

– a dominância – um descendente que receba um gen dominante exteriorizará apenas o efeito desse gen. Portanto, o valor reprodutor será máximo se todos os genes desejáveis forem dominantes, e em estado de homozigose.

– a epistasia – fenômeno pelo qual um determinado caractere depende de uma combinação de vários genes que individualmente produziriam um efeito nulo ou defeituoso. Normalmente, essa combinação epistática tende a rarear a cada nova geração, e portanto a consangüinidade linear permite aumentar sua probabilidade de acontecer.

O valor do poder “raçador” de um indivíduo é função dos acasalamentos praticados. Os defeitos são freqüentemente devidos a genes recessivos, e um reprodutor “raçador” pode possuí-los em heterozigose.

Em caso de acasalamento com um outro exemplar qualquer, aparentemente não defeituoso, mas igualmente heterozigoto para o defeito considerado, esse defeito poderá manifestar-se como em qualquer outro acasalamento entre pássaros heterozigotos.

Enfim, o poder “raçador” é transmissível apenas naquelas características concernentes à dominância.

A homozigose de um macho reprodutor não se repetirá em seus filhos, a não ser que as fêmeas com as quais for acasalado também sejam homozigotas para as características desejadas.

Conclui-se que um alto grau de homozigose só pode ser obtido após numerosas gerações sucessivas, e pode ser facilmente destruído por um único cruzamento em “outbreeding”.

Vemos, portanto, que na criação deve-se buscar um equilíbrio entre as características procuradas e as indesejáveis. este equilíbrio depende da habilidade do criador e de seus conhecimentos, mas depende também do seu “capital inicial” e em particular da abundância de genes indesejáveis.

Em fim, o criador deve preservar esse equilíbrio reservando-se o direito de recorrer a outras linhagens consangüíneas, para corrigir eventuais problemas e para reintroduzir genes favoráveis perdidos em sua própria linhagem, devido a erros de manejo ou a situações imprevistas.

É conveniente lembrar que fundar uma linhagem é praticar a consangüinidade “in” e “in”. Perpetuar uma linhagem, fixar um novo caractere ou melhorar uma raça decorrem da prática de uma consangüinidade mais ou menos estreita, que não se deve hesitar em usar.

O coeficiente de consangüinidade a partir do qual começa o perigo é função do objetivo, da exatidão dos testes, da abundância dos genes indesejáveis, da porcentagem de eliminação possível, da velocidade de reprodução e das habilidades do criador.

A consangüinidade ajuda na seleção contra os genes desfavoráveis ao fazê-los aparecer, e ao permitir a eliminação dos exemplares que os possuam.

Se o número de genes recessivos é muito grande, a consangüinidade revelar-se-á impossível e a seleção não poderá ser levada a seu termo, uma vez que não será possível alcançar o objetivo desejado.

O criador de animais, qualquer que seja a espécie ou raça, deve convencer-se de que não há seleção possível ou válida sem consangüinidade, assim como não há consangüinidade benéfica sem seleção.

A produção é uma arte sutil que exige competência e habilidade, paciência e dinamismo, e também um permanente questionamento.

Finalmente, é de uma judiciosa utilização da seleção, da consangüinidade e do “outbreeding” que depende o desenvolvimento de cada raça de pássaros que criamos, fazendo-nos incansáveis pesquisadores/criadores, permitindo a nós, humanos que somos, reencontrarmo-nos e desenvolvermos calorosas relações de amizade.

fonte: Revista Brasil Ornitológico – Publicada pela FOB – Federação Ornitológica Brasileira

Editado por Ivan de Sousa Neto

Escrito por Stéphane Vansteelant, em 12/4/2004

Heterose

Cruzamento entre diferentes

BOLETIM DO CRIADOURO CAMPO DAS CAVIÚNAS

Nº 13 JANEIRO DE 2004

REDATOR: Dr. JOSÉ CARLOS PEREIRA

RUA JOAQUIM DO PRADO, 49. CRUZEIRO/SP. TELEFAX 0xx12 31443590

Drjosecarlos2000@aol.com

Prezado Diego.

Vamos lá para a heterose. Deve-se levar em conta que ainda há dificuldades até na definição.

Sempre que deparar com o prefixo hetero deve pensar em diferente, contrastando com homo, que leva-nos ao igual ou semelhante.

Qualquer processo genético seletivo tem que passar pelo conceito básico da eliminação dos piores. Sempre se deve usar os melhores padreadores para, a cada geração, conseguir melhorias no plantel para as qualidades que se busca. Se não forem afastados os piores, não se chegará a lugar nenhum. Essa eliminação deve alcançar membros da progênie que fujam do padrão estabelecido pelo criador e também os padreadores (masculinos e femininos) que não marquem a progênie com o padrão desejado. Ah, o sonho de um padrão para os nossos Sicalis flaveola brasiliensis!

Vários são os métodos de seleção que podem ser usados, todos com as suas vantagens e desvantagens:

1- Inbreeding. Cruzamento (fala-se em acasalamento quando juntam-se macho e fêmea da mesma raça) entre parentes, procurando-se fixar características de determinados ancestrais (ou ancestral) na progênie. Dão origem a linhagens muito bem estabelecidas e prepotentes com o aumento do número de homozigose (alelos idênticos de um par de genes de determinado lócus, por exemplo, olho preto/olho preto, sendo cada alelo transmitido por um dos pais). Vamos aos pastores, pois, no seu desenvolvimento genético, há todas as variantes necessárias para exemplos: as linhas ditas de estrutura ou de show mantêm grande semelhança feno/genotípica dos seus membros graças a um grande número de homozigoses determinadas por fortíssimas consangüinidades. No inbreeding, os pontos negativos são as possibilidades do aparecimento de características indesejáveis, como a reduzida resistência às doenças e a queda da fertilidade (embora eu não tenha trabalhos sobre o assunto, muitos criadores mais antigos de pastores show notaram que, através dos anos, diminuíram não só o índice de fertilidade das suas fêmeas como o tamanho das ninhadas). É bom notar que muitos genes que afetam o vigor e a fertilidade são recessivos, portanto, somente manifestando-se em homozigose. No inbreeding, os portadores de características indesejáveis devem ser eliminados definitivamente dos cruzamentos para evitar danos irreparáveis para o plantel. O closebreeding é o exagero do inbreeding, cruzando-se parentes muito próximos, como pai com filha e irmão com irmã, desaconselhado em muitas raças de animais, proibida em outras como os pastores, por aumentar muito os efeitos indesejáveis do inbreeding, embora, em poucos casos, possa gerar animais excepcionais;

2- Linebreeding. Também conhecido por consangüinidade linear. Usa, o máximo possível, a presença de um indivíduo no pedigree (CRO), evitando quanto possível a consangüinidade. Por não causar aumento rápido da homozigose, não expõe muitos genes recessivos indesejáveis. É um sistema bem seguro, desde que a seleção dos indivíduos explorados seja severa. Foi muito usado no início da seleção da linha de pastores alemães de estrutura, criando-se linhas excepcionais capitaneadas por cães como Quando e Canto Wienerau (com o tempo essas linhas evoluíram, para o bem para uns e para o mal para outros, para o sistema inbreeding com um número enorme de consangüinidades) e ainda muito usado por alguns criadores de pastores da linha de trabalho. Exige o uso de raçadores excepcionais como líderes das linhas sangüíneas. Creio que é o que o Taddei vem fazendo com o Jép e que, no futuro, se continuar com os cruzamentos programados evoluirá para duas vertentes: a-Continuar o linebreeding, usando outros raçadores, o que, lhe permitirá no futuro o cruzamento entre as linhas criadas, até, em algumas delas, a heterose ou b-Evoluirá para o inbreeding. No momento tenho um filhote com forte closebreeding 1-2 no Jép (Jép-Jép, filho do Jép com Caçula, uma filha do próprio Jép). Outra alternativa para o grande selecionador para fibra seria o crossbreeding, usando os melhores entre as linhas de sangue diferentes que formará;

3-Outcrossing. Nada mais é do que a heterose. É o cruzamento de indivíduos não relacionados. Hoje, aceita-se como cruzamento entre indivíduos da mesma raça, desde que não relacionados geneticamente. Usa-se muito para o controle qualitativo de características determinadas por mais de um gene (poligênico) como tamanho, velocidade, temperamento e fertilidade. Como nesse método é muito difícil que se cruze dois indivíduos portadores dos mesmos alelos para uma característica indesejável, há o melhoramento genético ou vigor híbrido que, por definição é o mesmo que heterose. Portanto, a heterose somente pode ser considerada se o resultante for mais forte do que os pais. Se for bem combinado com o inbreeding, pode controlar alelos recessivos indesejáveis. Nesse ponto encontramos o desejo do Diego de fazer inbreedings até uma certa geração, formando um bom número de homozigoses, que favoreceriam a manifestação de alelos recessivos indesejáveis e, então, partir para a heterose para melhorar a qualidade, aumentar a taxa de fertilidade, o vigor híbrido e controlar os alelos indesejáveis. Não é muito fácil e exigirá muitos anos de perfeito controle do plantel e uma consciência selecionadora que não poderá jamais transigir com o ruim ou mesmo com o mediano. É trabalho para gente jovem. Eu, na idade que estou, não posso pensar muito no longo prazo. Assim, irei de linebreeding com uma heterosezinha básica complementar. Existem alguns subtipos de heterose: a-Cruzamento linear, entre duas linhas inbreeding, procurando somar as qualidades das duas; b-Grading, também conhecido por cruzamento absorvente, entre um garanhão de ótima qualidade com fêmeas de qualidade abaixo da média. Não aconselho a ninguém; c- Crossbreeding, que permite uma seleção muito interessante: faz-se crossbreeding entre duas raças, seleciona-se os animais com as características desejadas e faz-se inbreedings entre eles para fixar essas qualidades. Também pode ser usado somente para produzir heteroses para melhorar fertilidade, resistência às doenças e bom temperamento. Como sempre, há a necessidade de padreadores altamente qualitativos, não se admitindo jamais o meia boca; d -Hibridação. É a heterose radical, o vigor híbrido no topo, mas, por não haver pareamento cromossômico, esterilidade. O cruzamento entre espécies diferentes: cavalo ou égua(Equus caballus) x jumenta ou jumento(Equus asinus) = mulo(a) ou Serinus(Serinus canarius) fêmea x pintassilgo (Spinus magellanicus ictericus) = pintagol.

Prezado, essas são algumas pinceladas sobre a heterose. Não esgota o assunto, pelo contrário, está muito longe disso, mas cria condições para o debate. Tenho comigo algumas regrinhas essenciais para qualquer metodologia de criação: 1-Criar sempre com o melhor possível; 2- Alta seleção das fêmeas para as qualidades que se quer, pois, além de ter 50% da responsabilidade genética da progênie, vai imprintar, se me permite o termo, os filhotes; 3- Ter muito cuidado com os extremos do inbreeding e do outcrossing; 4- Ter um planejamento para não se perder na genética e escorregar na maionese; 5- Ter humildade para voltar atrás e replanejar o programa de cruzamentos, pois, teimosia e genética são incompatíveis; 6- Não ter vergonha de “copiar” o que um criador já fez ou faz com sucesso. Dizem que ninguém é tão gênio para não precisar aprender e tão burrinho a ponto de não ter nada a ensinar; 7- Não viver enclausurado, ermitão que não troca informações. O caranguejo ermitão vive entocado, na dele, mas quase sempre termina no fundo de uma panela. Nenhum criador vai conseguir alguma coisa com a genética sem trocas constantes de informações. Uma vida não é suficiente para, trabalhando isolados, conseguirmos os resultados almejados. E, como não temos sete vidas como os gatos…!; 8- Ter olho, e cérebro é claro, isentos para julgar com imparcialidade necessária as qualidades do plantel de outros criadores e as deficiências do nosso plantel. Aqui, a cegueira do criadouro é fatal; 9- Nem sempre o bom padreador para as qualidades que se quer acrescentar ao plantel está nas estacas dos torneios. Pode estar numa gaiola de um criador pouco conhecido nesses cantões do nosso grande Brasil; 10- Capacidade para avaliar as deficiências e as qualidades do plantel, facilitando a busca do padreador, ou da matriz, capazes de corrigi-las ou melhora-las; 11- Ter na cabeça que correções de várias deficiências do plantel dificilmente serão resolvidas por um só padreador, ou matriz, e, principalmente, numa só geração. Somente o trabalho seqüencial qualitativo, persistente e imparcial poderá levar a algum lugar;12- Selecionar pela genética é trabalho de longo prazo. No curto prazo, somente comprando os ganhadores dos torneios por altas somas. E, assim mesmo, é um caminho mais de incertezas do que certezas. Curto prazo, nem ações da Vale, sô! e 13- Jamais tentar uma heterose sem conhecer a fundo a genética dos pássaros a ser usados, com consangüinidades ou homozigoses confiáveis.

Não poderia deixar de citar um outcrossing que seria muito interessante e que, ao meu ver, ainda muito pouco explorado. O cruzamento entre as 4 subespécies reconhecidas do Sicalis flaveola (flaveola flaveola, o venezuelano, flaveola valida, o peruano, flaveola brasiliensis, o nosso querido e flaveola pelzelni, muito querido e conhecido no sul brasileiro). Pô, que mico sô, deve estar pensando muita gente, será que não sabe que já houve e há muitos desses cruzamentos heteróticos (não confundir com erótico. Nada demais, porque alguns passarinheiros estão mais assanhados com a passarinheira do que criador quando recebe anilhas do IBAMA) entre essas subespécies? Realmente há, mas, na grande maioria das vezes, os resultados são frustrantes. É comum ouvirmos: os mestiços, resultantes do cruzamento de brasiliensis com peruanos e, mesmo os peruanos puros, não rendem nas rodas de fibra e outras quizumbas mais. A culpa é fácil de ser colocada nos pobres peruanos. Afinal, não falam e não sabem tirar o deles da reta. Vejo dois erros elementares, mesmo para o Watson: 1- Usamos na criação os bons brasiliensis, mas quase sempre os peruanos que aqui aportam não são os melhores andinos e 2- Teríamos que criar uma linhagem com bons peruanos, cruzando os melhores que aqui temos entre eles formando uma linha qualitativa pelo inbreeding e, depois, partirmos para a heterose linear, cruzando os melhores do inbreeding com peruanos com os melhores de um inbreeding entre os brasiliensis, ou pelzelnis para não desgostar os amigos do Sul. O mesmo poderia ser feito entre venezuelanos e peruanos, pelzelnis ou brasiliensis, entre basiliensis e pelzelnis, etc. Estaríamos, assim, copiando os bons trabalhos já realizados com zebuínos, bubalinos e eqüinos. Sempre lembrando que a heterose visa melhorar a progênie, devendo os mestiços ser melhores do que os pais para as qualidades que se quer fixar. Se assim não for, ela perde a conceituação e a graça. Para atiçar: sendo brasiliensis e valida subespécies da espécie Sicalis flaveola, os filhos não seriam sub-híbridos?

Escrito por Jose Carlos Pereira, em 9/1/2004