Ter seriedade não adianta, é o mesmo que traficante
Aloísio Pacini Tostes
Ribeirão Preto SP
Estivemos recentemente visitando o Criadouro Picinini de Marcílio Picinini e filhos na cidade de Matias Barbosa MG e, como sempre, nos deparamos com uma intensa reprodução de pássaros da fauna brasileira. Resumindo: mais de 200 bicudas, todas com filhotes, a maioria com três; curiólas, também mais de trezentas, com filhotes; trinca ferros , sabiás baianas e tiés-sangue reproduzindo com alta taxa de natalidade. No final da temporada, com certeza se obterá, mais de 2.000 filhotes saudáveis que estarão à disposição dos interessados.
Este é um trabalho ininterrupto feito há muitos anos. Ali se empregam técnicas das mais avançadas no manejo das aves durante todo o ciclo reprodutivo. Alguns poucos filhotes passam por tratamento individualizado no trato, através de seringa no bico e incubadora para manter em níveis adequados a temperatura e umidade, exigências essas que não se pode desprezar nos primeiros dias de vida dos filhotes que eventualmente necessitem desse cuidado, reduzindo o índice de mortalidade a quase zero.
Além disso, o cuidado com a higiene e a nutrição é constante. O mais impressionante, contudo, é a dedicação do Mestre Marcílio, que ao lado de seis empregados, levanta antes do amanhecer e só sai dos criatórios após o anoitece. Essa tarefa é dura e cansativa, mas ele se diz realizado e recompensado. Realmente, este é um trabalho que só faz quem ama, quem gosta do que faz, não sair de casa nem para fazer compras ou passear é a regra auto-imposta. Obter sucesso na criação de pássaros não é tarefa fácil para qualquer um. Não é criar galinhas como antigamente. Os sacrifícios são muitos e quando a família não aceita/participa é difícil conseguir-se resultados satisfatórios. Este não é o caso dos Picinini. Outra constatação é a obtenção da alta linhagem que está sendo perseguida nos curiós há 30 anos e nos bicudos há 20. Os filhotes, muitas vezes são frutos de décima geração. Por isso ali se tem produzido inúmeros campeões nas diversas modalidades de torneios.
Depois de todas essas constatações, ficamos extremamente indignados quando nos deparamos com publicações escritas ou televisadas, como aconteceu recentemente em revista de grande circulação e TV não menos famosa, nos dando conta que no exterior se exerce um trabalho de reprodução de aves brasileiras, desprezando menção aos nossos criadores, como o Marcílio e muitos outros que são um exemplo para o mundo.
Não sabemos se de influência negativa de algum segmento radical que se diz mais iguais dos que os outros e que se julga Juiz e defensor da verdade e da vida. Essa gente parece verdadeira deusa de sapiência. O objetivo parece ser claro: não divulgar as boas as ações dos criadores brasileiros que obtêm sucesso na criação de aves nativas, a fim não informar a opinião pública causando desgaste na imagem desses criadores. Além disso, levam à nação matérias escandalosas sobre apreensões, maus tratos e outras perversidades. Assim misturam nossas legítimas e atividades com as do tráfico. É uma grande covardia que fazem com os criadores legalizados.
Talvez seja por isso é que sentimos uma preocupação no semblante do Mestre Marcílio, em especial quando nos comentou sobre o futuro e a continuidade das atividades do criadouro e de sua família que está engajada em torno de tudo que se produz por ali. Essa preocupação tem sentido, pois com o espetacular trabalho de preservação que executa, e que não é de hoje, às vezes ele é alvo de vistoria investigativa dos órgãos públicos. E tudo isso acontece mesmo havendo o reconhecimento e admiração de todos que o conhecem, de toda a população da região e dos criadores de pássaros nativos do Brasil, bem como de organismos internacionais. Por isso, nosso Mestre, fica em sua singela Matias Barbosa, preocupado e cabisbaixo, pressentindo o que está para vir.
Na verdade, ele deveria estar feliz por saber que o sucesso de muitos, foi possível a partir de suas investigações e da qualidade do manejo que descobriu e que adotou, tendo passado o modelo, sem segredos, aos outros criadores de todo o Brasil. Ele motivou e ensinou inúmeros criadores e isso possibilitou que hoje haja centenas de criadouros que praticam a reprodução de forma intensiva e que obtém sucesso na empreita. Além disso tudo, nos cobra a todo momento, quando é que poderemos fazer um trabalho de reintrodução; “quero fornecer muitos de meus pássaros para esse fim”, diz ele. São milhares de filhotes de várias regiões que estão aí à disposição, a despeito de todas as dificuldades. E que seriam muitos mais, se não fosse a burocracia exagerada e a má vontade de alguns escritórios regionais do IBAMA.
É de doer, ver aquele nosso venerável Mestre sofrendo dessa maneira. Ele é uma pessoa que deveria ser, por parte das autoridades públicas, cultivada, reverenciada e considerada oficialmente como um dos maiores preservadores de nosso País. Importante e dignificante exemplo a todos que se preocupam com o meio ambiente.
Em suma, ele faz, executa, ensina, pratica a preservação e talvez, por isso, acaba gerando ciúmes em quem só sabe falar, dizer, propor, dificultar e não fazer nada de efetivo em favor do meio ambiente. Ah, se ele fosse americano ou inglês, seria o Mister Marcílio, teria inúmeros vídeos no Animal Planet , receberia homenagens, subsídios e tantas mais honrarias que um ser humano poderia obter. Seria um verdadeiro mito, um herói.
Mas o Mestre Márcilio, brasileiro que é, na sua inteligência tinha razão em sua preocupação, estava antevendo o que poderia advir. Com efeito, nos deparamos agora, com a Instrução Normativa 169 do IBAMA. Instituindo o SISFAUNA que na sua essência só atrapalha o criador. Se fosse para informatizar as atividades, para melhorar o controle, tudo bem nada que opor.
O problema é que está por trás, a nosso ver, é uma normatização que complica enormemente os procedimentos da criação. Isto sugere que há um objetivo muito grande em dificultar ou mesmo inviabilizar a criação doméstica. Digo isto porque, há um movimento interno de servidores radicais do IBAMA, contra a Lei, configurando ideologia que funcionários públicos não podem ter – Órgão Público não é ONG – no sentido de enviar uma lista vazia ou mínima de animais de estimação passíveis de reprodução para atender a Resolução CONAMA 394.
Não estamos, nesse momento, entendendo direito. O IBAMA, tem uma Diretoria de Uso da Biodiversidade. A Lei fala: “O Poder Público estimulará: “A construção de criadouros destinados à criação de animais silvestres para fins econômicos e industriais”. A CPI do Tráfico Recomenda: “A criação e comércio de animais silvestres como uma atividade regular, que observe todos os requisitos das normas ambientais e a legislação como um todo, deve ser incentivada pelo Poder Público” . Vejam também alguns trechos descritos em texto da conceituada e insuspeita jornalista Liana Jonh – “Quando a População Toma Partido do Tráfico” : “Como no caso do tráfico de drogas, para colocar freios no tráfico de animais e plantas silvestres é preciso, primeiro, separar o cidadão comum do traficante. E prever procedimentos diferentes em relação a um e outro; Estas medidas amplas devem ser complementadas com as propostas mais específicas para o tráfico de animais, que constam no documento, como linhas de financiamentos para criadouros comunitários nas localidades de onde hoje saem exemplares retirados da natureza e agilização da documentação necessária para o estabelecimento de criadouros legais, hoje travados pela burocracia. Para que esta população deixe de tomar o partido do traficante e se coloque do lado da polícia, é necessário criar oportunidades de regularização dos mascotes e, sobretudo, de criação de animais nativos para comercialização legal. Se a população não precisar mais se abastecer no tráfico, se não for mais denunciada apenas por ter uma arara no quintal, então, a polícia e os órgãos de fiscalização poderão deixar o varejo e se ocupar com o atacado, que é o crime organizado, com graves impactos sobre a biodiversidade brasileira. Passarão a ter na população não mais cúmplices silenciosos dos traficantes, mas uma rede de fiscais mais eficiente do que qualquer uma, que o dinheiro público possa montar.” A par das pertinências destes textos, existe ainda uma enquete efetuada pelo site “Ambiente Brasil” , no endereço Internet : http://www.ambientebrasil.com.br/enquete/index.php?action=results&poll_ident=59 que trouxe o seguinte resultado final sobre a questão que enfocamos:
Qual sua opinião sobre a lei que autoriza criação de animais silvestres como domésticos?
É positiva, o estímulo a criatórios legalizados pode livrar espécies da extinção 42.9%
É negativa, animais silvestres devem ficar é na floresta, habitat natural deles 18.5%
É negativa, não vão conseguir fiscalizar direito e isso vai estimular o tráfico 17.3%
É positiva, isso já faz parte da cultura dos brasileiros e agora foi regulamentado 15.3%
Depende da relação de animais autorizados que está sendo feita pelo Ibama 6.0%
Total de Votos: 878
Ademais, a todo o momento se diz sobre exploração de um recurso natural de forma sustentada, Esse é o parâmetro a ser seguido para a criação legalizada. Ao contrário, o texto da IN 169 desconhece e desconsidera tudo isso para exigir um retrocesso ou procedimentos inexeqüíveis, um verdadeiro contra-senso, pois está clara a intenção de inviabilizar a criação doméstica. E o pior, deixou para depois o golpe final que serão as instruções para uma nova IN sobre o manejo e procedimentos que virá, provavelmente, radicalizar mais ainda.
Ou seja, exigir necropsia de todos os animais; proibição de venda de matrizes inservíveis à reprodução, nascidas domésticas; e enquadrar os amadoristas como mantenedores (proibidos de reproduzir). Tudo isso é inviável para o criador, é um verdadeiro absurdo.
Infelizmente, não temos tido mais diálogo com o IBAMA, pois o elo, com o nosso segmento, foi rompido após quase trinta anos de conversações e negociações até com o órgão antecessor, o IBDF. Em 2007 o segmento organizado dos criadores de aves nativas fez um acordo com a Diretoria da Fauna sobre a prorrogação do cadastramento de novos criadores do SISPASS. Pois bem. Esse acordo foi rompido unilateralmente, sem que fôssemos consultados ou mesmos informados. E tudo isso intempestivamente. Sentimos que fomos enganados pelos servidores do órgão público. Depois argumentaram que o motivo seria o de acertar o arquivo do SISPASS e retirar os entulhos para poder o sistema fluir de forma mais tranqüila
Em outra situação tivemos que responder à Consulta Pública sobre a criação comercial. Após longa discussão entre os criadores elaboramos nossa posição com a maior isenção e muito cuidado. Parece que todo o nosso trabalho não foi nem considerado, pois não tivemos nenhuma notícia. Aparentemente, foi relegada a um fundo de lata de lixo como tantas outras sugestões isentas e pertinentes que enviamos nos últimos anos. Sentimos que tudo isso é uma grande opressão.
Ao fim de tudo isso sentimos que nossa confiança traída. Fomos transformados em bonecos, joguetes, inúteis ou indivíduos perniciosos. Ficou um gosto muito amargo. Se houve anteriormente muitas questões mal conduzidas, sim, reconhecemos; e de todos os lados, em especial por falta de ações de fiscalização do Órgão que não tinha a menor estrutura para tanto. Agora culpar exclusivamente os passarinheiros por tudo de negativo que possa ter acontecido ou venha acontecendo está incorreto.
Se há uma banda podre entre nós, fato que não é privilégio de ninguém e nem de nenhuma entidade ou classe, é como se igualmente os criadores responsabilizassem algum órgão público pelas corrupções apuradas pela Polícia Federal, em face de uma quadrilha criminosos que lá se estabeleça para assaltar os cofres públicos. Não. Para nós a idoneidade e a respeitabilidade do respectivo órgão continua intacta, pessoas inescrupulosas não podem manchar a honra e imagem dos que nada tem a ver com eventuais atitudes indevidas dos outros.
Os inocentes têm que ser protegidos e defendidos, ainda mais se for uma questão envolvendo a opinião pública. Isto é um acinte aos criadores e ao povo brasileiro pois vai contra a Constituição que garante o atendimento adequado a quem procure os serviços de um órgão público.
Quem será que está por trás desta má qualidade no atendimento não sabemos bem mas, de uma coisa temos certeza o tráfico está deitando e rolando de satisfação.Ele terá um campo grande para agir cada vez mais. Quem sabe a anarquia se estabelecerá muito mais enraizada. Aí. É só subir aos morros, ir ás periferias e, mais fácil ainda, ir àqueles que estão cadastrados e registrados para apreender os milhões de pássaros incinerá-los ou deixá-los morrer em alguns depósitos infectos que existem por aí e ponto final.
Porque então, Diretoria, Coordenação de Uso e Núcleos de Fauna. Do jeito que vai é só deixar a de Fiscalização para radicalizar, apreender, punir, prender, multar e tudo resolvido.
Na verdade, temos 25 anos de experiência nesse modelo de reprodução doméstica e intensiva de passeriformes num amadurecimento gradativo de toda a classe dos criadores. Muito sucesso se tem obtido na reprodução de passeriforme. Está tudo aí pelo Brasil afora para quem quiser constatar.
Antes da década de 80, num país praticamente rural a depredação era grande e desenfreada, não havia grandes preocupações com a preservação da biodiversidade. Até pouco tempo, então, era ir às feiras, aviculturas e avistar gaiolões repletos de pássaros silvestres à disposição de quem quisesse; e ninguém se preocupava com isso.
Pois bem, não é da noite para o dia que se muda pensamentos e modos de agir de um povo; não havia fiscalização; a sociedade não se importava. Tudo era considerado normal, num País que mudou do campo para as cidades e trouxe consigo usos e costumes.
Ora, como se aceita, de repente, uma mudança de costume em nossa cultura e tradição, de forma obrigatória e empurrada de goela abaixo, contra a legislação e nos moldes que só o Talibam exigiu da população, com um pouco mais de ênfase e autenticidade: “Proibe-se a criação de pombos”.
Ao contrário, hoje estamos numa fase de transição e muito bem direcionada. Diria que o sucesso está garantido até pela visão correta, pela maioria dos criadores, das normativas que estão em vigor, a exploração de forma sustentada na geração de vidas, rendas e empregos. Falando apenas do mercado formal, há uma grande movimentação da economia envolvida. Centenas de empresas: fábrica de gaiolas, de rações, de produtos e lojas especializadas, dependem logicamente da normal funcionamento de toda a estrutura existente.
O fato é que, nunca houve nenhuma concessão absurda por parte do IBAMA. O que houve foi falta de estrutura e de postura conjunta e amadurecimento. Hoje são novos tempos e tudo muito mais organizado, na iminência de um melhor …controle, o que não somos contra, de forma alguma. Achamos o SISFAUNA um avanço, mas sem interferências negativas na criação. Mas, o mal é que serão os criadores e amantes de pássaros, os mais humildes e desprovidos, os que mais sofrerão, “pagarão o pato” . De tão pouco direitos que têm mais este estará tirado.
Isto não é mais possível. O criador tem que ser cadastrado como mantenedor na Internet, senão a polícia vai na sua casa, taxa-o como criminoso e leva o seu bicho. E ninguém saberá para onde. O patrimônio genético que vá para a lixeira. De sã consciência: não dá para entender porque tanta perseguição e desconsideração. A situação de hoje deveria ser motivo de alegria para todos nós, sociedade e poder público. Se temos centenas de criadores que estão fazendo um bom trabalho, vamos cumprir a lei, prestigiá-los e considerá-los agentes benéficos e parceiros.
Estamos oferecendo e mantendo emprego para inúmeros técnicos como médicos-veterinários e zootecnistas, que com nossas atividades têm como desempenhar suas nobres funções acadêmicas, atuando na prevenção e tratamento de doenças, bem como auxiliando na concepção de projeto de criadouros, prestando assistência especializada, a busca da alta genética e outros serviços.
Podemos ainda intensificar e implementar os planos de reintrodução em áreas monitoradas. Afora o Marcílio, dezenas de criadores – já consultados – estão dispostos a liberar indivíduos para esse fim. É um desafio que fazemos e que está mais para o IBAMA definir e montar o projeto que nós gostaríamos muito de realizar. A nossa principal parte é fornecer animais sadios, em plenas condições de se adaptar à vida livre com o mais absoluto sucesso. Queremos muito colaborar nesse tipo de ação.
Então, gostaríamos de viver um Brasil melhor, onde o bom-senso prevaleça. Um País do futuro, onde pudéssemos conviver em harmonia e não ficar uns contra os outros, perdendo o nosso tempo nesse incessante e dispensável desgaste. Lógico, não podemos admitir são atitudes anti-democráticas, próprias de ditaduras, regimes sectários, de exceção ou de funcionários radicais que, infelizmente, detêm o poder onde não existe o sentimento o entendimento, só autoritarismo. Estamos nessa situação amargurados, decepcionados. O que vamos fazer não sabemos ainda. Quem sabe, não trabalhar mais, só criar galinhas. O certo é que conforme Rui Barbosa, de tanto ver assunto mal conduzido parece que o Marcílio, e muitos de nós criadores, está com vergonha de ser pessoa honesta.
Escrito por Aloisio Pacini Tostes , em 25/3/2008