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Bicudos e Curiós Domésticos

A Afetiva Preservação

Publicado no Atualidades Ornitologicas 133 – www.ao.com.br

Aloísio Pacini Tostes – Ribeirão Preto SP

Bicudos e curiós são aves de origem silvestre existentes da América. Em seu estado natural, o gênero Oryzoborus, em suas mais de dez subespécies existe desde o norte da Argentina até o México. No Brasil foram dizimados, à exceção da Amazônia onde há curiós ainda em abundância. Muitos fatores colaboraram para tanto, entre eles: a caça predatória, o tráfico, e principalmente a degradação ambiental. São espécies, notadamente o bicudo, muito dependentes das condições naturais de seu habitat: da existência de água despoluída, de capim navalha (tiririca), de veredas (pindaívas), de grandes alagados e de toda uma vegetação adequada, isso tudo são o mínimo necessário ao processo de vida natural desses pássaros. Por isso, esses bichos nunca foram encontrados por aí, como outras aves que se adaptam com facilidade em qualquer ambiente, mesmo degradado ou modificado, a exemplo do sabiá, canário da terra, coleiro, dentre outros.

Do jeito tudo isso está sendo destruído e consumido, as perspectivas são negras, em termos de sobrevivência dessas espécies, e ainda, se levarmos em consideração a forma que hoje se desenvolve a ocupação de novas glebas rurais, ocasionando: crescente poluição das águas, queimadas devastadoras, enormes barragens dentre outras iniciativas semelhantes. Não estamos vendo saídas para este processo se interrompa, uma dura realidade em nome do desenvolvimento que ameaça todas as formas de vida na terra, inclusive a sua própria. Há notícias de várias fontes que se não houver uma conscientização urgente, em especial das grandes nações sobre o desperdício oriundo de um consumo exagerado que ali se pratica os recursos naturais serão exauridos e a espécie humana não terá como sobreviver, estaremos perto do caos.

Voltando à questão do bicudo e o curió, eles sempre foram pássaros muito cobiçados, por causa de seu belo canto e de seus outros predicados: fácil adaptação aos ambientes domésticos, muita valentia, disposição para cantar, grandes diferenças individuais, capacidade de repetir e de aprender o melhor e mais bonito canto.

Até a década de 70 existiam vastas populações em quase todo o território brasileiro e os exemplares mantidos pelos aficionados eram capturados na natureza e ninguém se importava com isso. Os melhores indivíduos sempre estiveram na posse de pessoas mais abastadas porque eram mais difíceis de encontrar e portanto mais valiosos e como era complicado obter-se um bom pássaro. Em suma pouca gente detinha um pássaro com excelente qualidade. Ficavam perguntas no ar: como se poderia, no futuro, conseguirem-se outros espécimes se na natureza eram visíveis as dificuldades crescentes na obtenção de novos pupilos? Como manter a sobrevivência da prática de manter pássaros e continuar participando dos torneios

A partir dessa época iniciou-se uma crescente conscientização dos amantes desses pássaros para o perigo de extinção. Além do mais, naquele momento começava a vigorar a Lei 5.197 que tratava da Proteção à Fauna. O impacto estava criado, novo pensamento, novas formas de encarar essa realidade, a situação era gravíssima, não havia saída.

Ai se iniciou de forma lenta os trabalhos de reprodução doméstica que aos poucos, a partir da década de 80, tomou impulso para nos anos 90 se alastrar para todo o Brasil e de forma crescente. Hoje se pode dizer que há milhares de criadores que reproduzem o bicudo e o curió de forma a livrá-los da extinção, com certeza. Separa-se a de cunho amadorista que é controlada pelo IBAMA, através do SISPASS e a outra a atividade comercial que produz os pássaros em larga escala para atender a toda a demanda.

O que muito ajuda é a longevidade dos pássaros que podem reproduzir por até a idade de trinta anos, especialmente os machos, há inúmeros desse exemplo. As fêmeas de até 20 anos também produzem ou podem tratar de filhotes. A adoção da poligamia tem ajudado bastante através da utilização de um macho de altíssima linhagem com até dez fêmeas o que ajuda a melhorar a qualidade do plantel na utilização de um só macho campeão. Este procedimento ajuda também em aproveitar os espaços físicos e melhora a relação custo/benefício porque a manutenção de machos de boa genética é onerosa.

Outra questão que por coincidência veio ajudar muito é o desenvolvimento da avicultura industrial e o estágio avançado da criação de aves exóticas, em todo o mundo. Esses segmentos vêm desenvolvendo processos de criação com a adoção de técnicas de manejo se traduzem num incremento substancial para a reprodução de animais em domesticidade. São rações balanceadas, produtos fito sanitários, sequestrantes, pro e pre-bióticos que adicionados à alimentação das aves chega a suprir todas as necessidades de nutrição para uma saúde quase perfeita que acaba por aumentar a produtividade delas.

Além disso as informações chegam a todos os rincões através da Internet, de forma que aqueles que se interessam em “saber mais” tem um veículo ágil, barato e eficaz a sua disposição. Outro fato importante, é que parte da comunidade acadêmica através dos médicos veterinários descobriu e sente que há um enorme campo de trabalho, de atuação técnica e podem muito colaborar com o segmento e afinal ter uma fonte de renda, com isso. A legislação, através da normatização do IBAMA, aos poucos vai se ajustando. Temos algumas dificuldades nesse campo porque estamos ainda com uma nova atividade se desenvolvendo muito de dez anos para cá. Infelizmente, alguns setores da mídia sensacionalista e as pressões de alguns setores da população tem exercido e ajudado a tumultuar a nossa comunicação com a opinião pública. Essa conotação de chamar as aves que criamos de “silvestre” que é sinônimo de “selvagem” tem confundido muita gente que pensam que capturamos e manipulamos animais retirados da natureza.

Estamos torcendo para que, de uma forma continuada, o tráfico seja banido, ou pelo menos diminuído no Brasil. Ele suja a nossa imagem e nos prejudica muito. O trabalho principal para ajudar no combate é o oferecimento à demanda de forma crescente de um indivíduo, criado em domesticidade, no lugar de um ilegal, capturado, de pouca qualidade e que pode ser aprendido e a pessoa que o detém multada pelas autoridades. Podemos e estamos, também, começando a atender a demanda de interessados do exterior auferindo divisas e diminuindo as pressões sobre o tráfico internacional. O curió brasileiro, criado doméstico, está sendo muito requisitado nos Estados Unidos e aqueles oriundos da natureza provenientes das Guianas e da Venezuela estão sendo dispensados porque de qualidade duvidosa e ilegal.

Outra providência que queremos realizar principalmente com o bicudo, óbvio, com o cumprimento de todos os protocolos, é a reintrodução ou repovoamento em regiões escolhidas. O processo está iniciado e se desenvolvendo, já contatamos preliminarmente o IBAMA, prefeitos, ruralistas e Ongs das regiões abrangidas. No momento, estamos desenvolvendo um protótipo de abrigo para servir de modelo aos casais que irão ser eventualmente utilizados. A partir dessa experiência, se efetivamente adotada, poderíamos produzir um manual que serviria de base à adoção de futuras ações desse tipo. Na realidade o mais importante de tudo que fizemos e que falamos até agora é a socialização da manutenção de bicudo e curió. A produção de filhotes é tão intensa que os grandes criadores estão abarrotados de fêmeas jovens e que estão sendo vendidas a preço vil, embora de alta genética. Isso está fazendo com que haja uma enorme transferência na qualidade dos pássaros para as camadas menos favorecidas da população, gerando incremento na produção. Hoje podemos notar que o bicudo e curió de alta qualidade estão, também, em poder de pessoas da periferia e está se tornando cada vez menos oneroso possuir um exemplar através da aquisição de filhotes. Pode-se, agora visitar aficionados que moram por todos os bairros de muitas cidades e de vários estados federativos e observarem-se curiós de alta repetição e bicudos valentes cantadores e de bom canto. Até pouco tempo atrás era privilégio de alguns e impossível fazer-se essa constatação. Quem quiser e puder visitar um torneio de canto dessas aves poderá sentir esse fato. Por analogia, há alguns anos ficávamos admirados com as exposições de canários de cor, domésticos, e da grande capacidade dos criadores de exóticos em chegar ao ponto que chegaram, milhares de aves produzidas nos criatórios. Agora, finalmente conseguimos, quem quiser pode ver, os criadores dos nativos brasileiros também produzem milhares e milhares de bicudos e curiós domésticos.

lagopas@terra.com.br

Escrito por Aloísio Pacini Tostes, em 5/12/2006

Produzir ou Não

Precisamos de bom senso

A economia, de forma simplificada, pode se resumir como produção e comércio.

O Brasil, reconhecidamente abençoado por suas riquezas naturais, extensão e localização territorial e clima favorável, vem alcançando seus objetivos , principalmente nos setores agrícolas – plantio de cana de açúcar, soja; Pecuários – gado de corte, leiteiro. Pesca. Extrativistas -seringais, madeireiras, alem de jazidas de minérios e outros mais.

Tem feito uso sustentável de seus recursos naturais com uma crescente preocupação com a manutenção do meio ambiente, procurando o manejo adequado de forma a respeitar e preservar a bio diversidade.

Todos os setores têm ajustes reguladores a serem feitos, de forma a coibir os abusos e de forma que a exploração seja feito de forma racional e preocupado com o futuro.

Assim os investimentos diretos são cada vez maiores, em questões de infra-estrutura, tecnologias de ponta, recursos humanos, e de produtividades próximas à excelência.

Mesmo com todos os cuidados e preocupações, o impacto sobre o meio ambiente é inevitável, com um custo cada vez maior.

Áreas de plantio, de pasto, ocupam áreas cada vez maiores, sacrificando a mata e/ou vegetação nativa e todo o bioma nela existentes, dizimando inúmeras espécies de animais silvestres e impedindo a perpetuação das mesmas.

As indústrias e os centros urbanos seguem o mesmo caminho, a sociedade moderna considera normais os “custos ambientais” que tem de absorver.

O verde passou a ser produto de marketing para vendas de áreas residências em forma de condomínios, edifícios com áreas arborizadas. Combustíveis alternativos, e de fontes renováveis, com emissão de resíduos menos poluentes são enaltecidos e consagrados até no exterior, mesmo porque não é por lá que tais combustíveis são produzidos, não tendo eles que arcar com o prejuízo da fertilidade das terras e a forma extremamente nociva ao meio ambiente até chegarmos ao combustível “limpo”

Todos os contra pontos são exaustivamente negociados, de forma que novos projetos possam ser aprovados procurando minimizar o impacto ambiental, mas em vias de regras, atendendo a interesses econômicos. É preciso gerar renda.

Nosso país é ainda abençoado pela sua rica fauna silvestre. Nossos pássaros são cantados em verso e proza pelos poetas e escritores de todas as vertentes , uns dos mais emblemáticos versos são os da Canção do exílio:”Minha terra tem Palmeiras, onde canta o Sabiá, as aves que aqui gorjeiam,

Não gorjeiam como lá. (Gonçalves Dias). O nosso cancioneiro popular é repleto de menções às nossas aves, não raro sendo a principal fonte de inspiração.

Nossos escritores fazem os pássaros presentes em suas estórias e histórias. Alçapões e gaiolas, ilustram a cultura popular por estes animais. Herança cultural de nossos ancestrais, que em suas terras de origem já cultivavam esse gosto.

Assim como em todas as atividades, a caça em tempos outros eram considerados normais, e a adaptabilidade desses animais foi formando a seleção dos pássaros mais mantidos em lares. O brasileiro passou a ter nos pássaros canoros sua maior concentração: coleirinhas, canários da terra, bicudos, curiós, trinca ferros, dentre outros.

Os europeus vem se dedicando à reprodução de pássaros a mais de 500 anos, sendo uma das primeiras atividades preservacionistas que temos conhecimento, em tempos que a preocupação com a ecologia e o meio ambiente eram suplantados por imaginários como Julio Verne (1828 – 1905), mais preocupados com as inovações tecnológicas. Percebemos esta realidade e sua conseqüência vendo a atual fauna e a flora do continente europeu .

No Brasil, essa atividade – criação/reprodução de pássaros- tomou gosto há cerca de cinco décadas, inicialmente com os exóticos – pássaros de origem externa- e, até pouco tempo, a caça predatória era de nossos silvestres era considerado “normal” e até mesmo admitido pela legislação.

Rapidamente, principalmente pelas intervenções humanas em seus habitats naturais, os admiradores destes pássaros foram se apercebendo que eles em estado selvagem eram cada vez mais raros. A consciência e a percepção fizeram ver de forma ágil e dinâmica que as atitudes deviam ser revistas. Aliados a isto, perceberam que para se conseguir um pássaro de qualidade era necessário a seleção entre centenas de silvestres. Ora, o aculturamento tomando como com base a criação dos exóticos e mesmo de outros animais, já que seleção genética é universal e aplicado a todos os seres vivos, foi um ponto fundamental de incentivo ã reprodução destes pássaros em domesticidade. Assim, aqueles exemplares que mais se destacavam passaram a ser usados como reprodutores e matrizes e tal atividade logrou tamanho êxito, que hoje, animais praticamente extintos em determinadas regiões, são hoje salvos desta má sorte – o da extinção- pela crença e investimento realizados por pioneiros abnegados, que se dedicaram à tal empreita de forma auto didata e na base das tentativas, erros e acertos. Tinham ainda que combater a crença de que os silvestres não iriam se reproduzir em domesticidade. Assim, o cenário da ornitofilia nacional foi sofrendo mudanças e progressos a olhos vistos. A legislação, até então complacente mas condizente com a realidade da época, foi sofrendo modificações, evoluindo de forma a ir educando os criadores, criando uma consciência da necessidade da preservação. E, de forma intuitiva, os próprios criadores foram formando esta consciência e criando e se adaptando às novas condições.

Hoje, a criação de pássaros é seguramente uma atividade econômica a ser considerada e respeitada. Envolve fabricantes de insumos – gaiolas, comedouros, bebedouros, ninhos e outros acessórios. Fez com que a industria de alimentação animal despertasse interesse nesse segmento, desenvolvendo alimentos específicos e suplementos vitamínicos. As faculdades de Biologia, Veterinária e Zootecnia passaram a formas profissionais com especialidades nesta área. Publicações especializadas surgiram, varias comunidades virtuais foram criadas na Internet, assim como sites específicos sobre assuntos ligados à ornitofilia. Tecnologias de D.N.A. para sexagem de pássaros e comprovação de paternidades. Exames de laboratórios para identificação de doenças. Setores acadêmicos que se dedicam ao estudo do canto de pássaros de forma cientificam e fornecem dados e elementos para que os dialetos originais sejam preservados. Técnicas de ensinamento de canto a filhotes, com seus respectivos aparelhos. Grupos extra curriculares se dedicando a estudos para reintrodução de pássaros na natureza. Lojas especializadas.

Essa atividade, a de criação de passeriformes, sintetizando:

Gera empregos diretos e indiretos;

Não é predatória nem extrativista, mas de reprodução.

É preservacionista.

Inibe o trafico ilegal.

Ocupa pequenas áreas, inclusive em centros urbanos, não havendo necessidade para a construção de criadouros, desmatamentos ou atos afins.

De baixo, ou nenhum impacto ambiental pela pequena quantidade de dejetos que produz.

Temos hoje 180.000 criadores “amadores” inscritos regularmente no IBAMA, com um plantel de 1.885.414 pássaros registrados, afora a categoria dos criadores comerciais.

Esse número hoje só não é maior pelas dificuldades que o IBAMA vem apresentando, com a legislação sendo aplicada através de Instruções Normativas que vão restringindo cada vez mais a atividade, notadamente do ano de 2001 para cá.

Tais Instruções –sem mesmo adentrar no mérito de sua legalidade- vem desestimulando a criação, a reprodução e o desenvolvimento dos criadouros.

Como principal conseqüência deste quadro pode-se citar a falta de reconhecimento da importância econômica, social e ambiental das atividades produtivas e culturais, tão exaltadas pelas autoridades, tão necessárias para o País.

É o desestímulo à produção e geração de riquezas.

Os ornitófilos criadores não querem extrair, subtrair. Pelo contrário, querem produzir, gerando filhotes em consonância ao que apregoa a Ministra Marina e Silva:

“O bom desempenho do CONAMA bem como dos demais conselhos que compartilham a formulação da Política Ambiental Integrada, atende a uma das prioridades do atual Governo que é a participação e o controle social como condição essencial para sustentabilidade sócio-ambiental do desenvolvimento. Desenvolver nosso País de maneira justa, democrática e sustentável é a utopia do nosso tempo.”

Marina Silva

Trecho de discurso à 76a. Reunião Ordinária CONAMA

É o que desejamos.

Rogério Fujiura

www.fujipass.com.br

11 3735 6982 11 8160 5330

Escrito por Rogério Fujiura, em 8/8/2006