Paracambi – Um Grito de Alerta

Preparação de juízes

Escrevo este artigo tendo como fato motivador a ignorância dos ditos “juízes de canto” com relação ao canto Paracambi em algumas cidades do país.

Um exemplo é Brasília.

Pessoas escolhidas, ou indicadas, pelas organizações dos torneios daqui não têm a mínima qualificação para “marcar cantos” que não seja o canto Praia Grande.

Qualquer outro tipo de canto, incluindo o Paracambi, é completamente desconhecido dos que se dizem experts em cantos de curiós.

Tal fato é lamentável e preocupante, por se tratar de um canto NACIONAL, que por muitas vezes foi confundido com o próprio pássaro, e que corre o risco de desaparecer pela ignorãncia de quem deveria, pelo menos em tese, conhecer todos os tipos de canto.

E o pior de tudo: criaram um “Paracambi daqui”, que não tem uma nota sequer deste maravilhoso canto, famoso pelo desempenho inesquecível de pássaros da estirpe de Carijó, Rompe Nuvem, Caboclo, Coroado, Asinha e muitos outros… Aliás, se não fosse a iniciativa pioneira dos proprietários destes pássaros grandiosos com relação à reprodução de seus cantos em fitas e CDs, hoje já não mais haveria um curió sequer cantando o Paracambi.

O canto Praia Grande tem se espalhado pelo Brasil inteiro, tendo o Estado de São Paulo como seu maior divulgador, por intermédio dos grandes criadores locais. Com isso, há um natural (em termos) desconhecimeto dos outros cantos. Digo isso porque, em termos, pode sim o criador amadorista desconhecer outros tipos de canto, embora não deva. Todavia um juiz de canto não pode e não deve desconhecer, principalmente, os principais e mais divulgados. E tem que sabê-lo com exatidão: quando começa e quando termina, quando se faz a passagem do canto e quais as notas obrigatórias que caracterizam tal canto.

Se não há competência para tal, então não se institua a categoria no torneio, por falta de marcadores. É até melhor do que assistir a um curió vencer uma categoria sem ter uma única nota do canto em que está sendo premiado.

Isso é um absurdo. E é preocupante. Em breve, este criador, reproduzindo seu pássaro, vai negociar seus filhotes como verdadeiros representantes da categoria em que foi vencedor no passado, sem ter a real legitimidade para tal. Será a substituição de um canto por outro, uma temeridade.

O canto Paracambi, originário da cidade de Paracambi, no interior do Rio de Janeiro, é muito comum naquele estado, em Minas Gerais e no Espírito Santo. Muitos foram aqueles que fizeram longas viagens ao criatório do Mestre Marcílio Piccinini, em Matias Barbosa – MG, na tentativa de obter o melhor exemplar de Paracambi que houvesse à época, evidenciando o encanto que este belo canto exercia sobre aqueles que o conheceram.

Antigamente, o canto Paracambi São José era sinônimo do mais belo canto que a natureza poderia produzir. Hoje, temos outros cantos Paracambi de excelente qualidade, todos gravados em mídias eletrônicas, como o Paracambi Rompe Nuvem, o Paracambi Caboclo, o Paracambi Coroado, além do Paracambi Tradicional, o mais comum deles, facilmente encontrado na Cidade do Rio de Janeiro. A diferença básica entre os cantos acima descritos reside, principalmente, no andamento do canto, tendo todos eles a mesma melodia.

A confusão é tamanha que, após ter sido premiado em primeiro lugar em uma etapa do ESTADUAL do Rio de janeiro, em 2003, na categoria Pardo Paracambi e ter obtido a mesma classificação na categoria Paracambi Clássico com repetição, na etapa do torneio NACIONAL da COBRAP em Taguatinga-DF, em 10 de outubro deste ano, meu pássaro foi classificado como “grego” num torneio local aqui de Brasília, realizado pela SODF nesta data. E não houve quem reconhecesse o canto do meu pássaro como Paracambi. Aconteceu, ainda, o pior: pássaros se apresentando como Paracambi sem dar uma nota sequer do canto e sendo referendados pelo “juiz de canto”.

Inicialmente, fiquei indignado; depois, pensando com mais calma, preocupado. Será que o Paracambi caminha para o esquecimento por ignorância daqueles que deveriam preservá-lo?

Sou honesto e sincero em afirmar que este tipo de coisa me afasta dos torneios. E não estou só neste entendimento. Conheço vários amigos que não participam mais destes eventos por causa destas barbaridades. E, lamentavelmente, são pessoas sérias, honestas e conhecedoras de pássaros, que poderiam, e muito, contribuir para um aprimoramento das competições, dar maior respeitabilidade a estes encontros.

Em sua grande maioria, as pessoas que se dedicam aos pássaros o são conforme descrevi acima. Mas suas opiniões não têm prevalecido, e isto, a meu ver, tem causado um prejuízo enorme, talvez irreversível, a esta atividade.

O meu objetivo é tão somente provocar aqueles que hoje são responsáveis pela organização destes eventos, os quais reconheço são trabalhosos, mas que correm o risco de se “esvaziarem” por completo ou perderem totalmente a sua credibilidade, em função destas questões, que são de COMPETÊNCIA e LEGITIMIDADE.

Não deixem que os CANTOS DO BRASIL (Praia Grande, Paracambi, Paranaguá, Florianópolis, Vovô-Viu, Vi-Vi-Te-Téu, Timbira, Icoaraci,…) se percam pela ação de inéptos; não ratifiquem estas ações por omissão.

Brasília, DF, 12 de dezembro de 2004.

Francisco Reis

Escrito por Francisco Reis, em 13/12/2004

 

O que é Imprinting em Aves

É preciso compartilhar

ALOÍSIO PACINI TOSTES – Ribeirão Preto-SP

Imprinting é uma palavra da língua inglesa que poderia ser “gravando na mente” e não há tradução exata para o português; costuma-se utilizar essa expressão quando se detecta um comportamento diferente da ave no seu relacionamento com o ambiente. Assunto, a nosso ver, com respeito a aves brasileiras, muito pouco estudado e que deveria merecer uma atenção mais acurada por parte de quem de direito; será que estaria aí uma das bases dos processos de surgimento de novas espécies?

Na realidade, o imprinting poderia ter origem em algum tipo de interferência sofrida por algo não habitual no desenvolvimento da ave; isto é, por fatores aleatórios, o indivíduo estaria debaixo de uma ação estranha às condições normais no processo de sua vida, em especial no seu primeiro ano de vida.

Após mais de cinqüenta anos de observações que fizemos no que se refere à vida das aves e que pudemos constatar de uma forma ou de outra, vamos tentar resumir nesse texto o que depreendemos com respeito a esta questão. Assim, na natureza, este fenômeno pode acontecer a partir de alguns fatores favoráveis que teriam sua origem na caça predatória e degradação ambiental ou seria também, uma forma de evolução natural, por exemplo: um filhote fruto de cruzamento entre espécies diferentes. Isto mais ocorre em locais onde a fêmea de uma espécie não encontra um macho para pareamento e aceita a gala de um estranho, não convivem, mas geram os filhotes advindos da respectiva cópula. Não se acasalam por causa da linguagem que é diferente, não conseguem se comunicar ou se integrar, bem como se alimentam diversamente, por isso é que apenas exercem o ato sexual pela libido despertada na fêmea, independente da normal acasalação com um macho de igual espécie.

A explicação dessa inexistência do acasalamento, nesses casos, seria uma das formas naturais de se manter as espécies em pureza. No entanto, no caso dos passeriformes, diante do exercício de uma longa experiência, convivência e observação, podemos afirmar que conhecemos dezenas desse tipo de anomalia oriunda de ambientes naturais. Naqueles que pudemos examinar e pesquisar notamos que assumem a linguagem e o comportamento da espécie da mãe. Por exemplo: se for criado por uma bicuda (cruzamento de curió -Oryzoborus angolensis- macho x bicudo -Oryzoborus maximiliani- fêmea) ele aprende com facilidade o canto do bicudo; se for criado por uma chorona (cruzamento do chorão -Sporophila leucoptera- macho com curió fêmea) aprende com facilidade o canto do curió. O interessante é que todos os passeriformes dos gêneros Oryzoborus e Sporophilas cruzam entre si e esses híbridos ou mestiços são férteis em cem por cento dos casos. Provindos da natureza, tivemos a oportunidade de conhecer, vimos, examinamos e pesquisamos sobre muitos deles, por exemplo: Curió X Coleira do Brejo (Sporophila collaris); Curió x Bigodinho (Sporophila lineolar); Curió x Coleiro (Sporophila cearulescens); Curió x Caboclinho (Sporophila bouvreuil); Curió x Patativa (Sporophila plumbea), entre outros. Ainda mais: quase sempre o mestiço de Sporophila com curió advêm de cruzamento com o curió fêmea, a exceção com o bicudo quando a fêmea, em sua maioria é a do bicudo.

Todos esses espécimes ficam imprintados e têm, como dissemos, propensão a cantar os dialetos da espécie de sua mãe, que tem com o filhote, ainda no ninho, interação de linguagem e afeto. O fato, porém de serem férteis e de aprenderem a linguagem da mãe nos leva a perguntas: Por quê seria? Quem sabe a natureza, trabalhando em função da preservação, isto é, um filhote mestiço cruzando com sua mãe, iria, depois de quatro, cinco gerações, conseguir buscar a recomposição da respectiva população? Ou seria daí que poderiam surgir novas formas de indivíduos, as novas espécies ou subespécies?

Nos ambientes domésticos há alguns poucos criadores que se dedicam a obter ou manter esse tipo de pássaro, e daí as observações que fazemos encontram respaldo na pesquisa que fizemos nos exemplares que estão em poder dos ornitofilistas, para qualquer tipo de comprovação, quanto ao aprendizado de canto e à fertilidade. Assim, vimos que são plenamente férteis os produtos dos cruzamentos curió x bicudo, curió x chorão e curió x coleiro do brejo, mesmo que acasalados entre si. Explicando melhor: há casos em que, experimentalmente, foi cruzado um Chorió (Chorão x Curió) fêmea, com um Bicurió (Bicudo x Curió) macho e os filhotes nasceram e ficaram como a mãe imprintados para o Curió.

Outro fato interessante: alguns criadores, para salvar ovos de curió (em pureza) fecundados e abandonados, por falta de opção os colocaram para serem chocados por bicudas. Invariavelmente ficaram,por causa do processo adotado no choco, imprintados pelas bicudas. Também acontece o contrário, quando filhotes de bicudos são criados por fêmea de curió. Esse tipo de animal, embora geneticamente puro, não entende a linguagem da sua própria espécie, canta o dialeto e só acasala com a raça de sua mãe adotiva. Nessas condições, conhecemos alguns curiós que cantam bicudo e vice-versa. Outro caso estranho: conhecemos curiós que foram cuidados e chocados por fêmea de canário da terra – Sicalis flaveola – e assim igualmente ficaram imprintados cantando de estalo, cortejando e manifestando a libido apenas para fêmeas de canários. Numa ocorrência, mais esquisita ainda, com bicudos domésticos, que totalmente isolados quando filhotes em locais onde presenciavam em torno de si, a movimentação e a algazarra de colônias de pardais – Passer domesticus -, assumiram, na fase adulta, a linguagem e se interaram com eles. Passaram a cantar os trinados estranhos e só fazem a corte (ritual de acasalamento) para pardal. Vimos, inclusive, bicudos machos aceitando somente como parceira fêmea de pardal. Causa-nos, todavia, outra indagação, o fato de não haver interferência no comportamento de um Chupim (Molothrus bonariensis) com o Tico-Tico (Zanotrichia capensis). Supomos que o motivo é que eles, logo após se separarem de sua mãe postiça, por instinto, se juntam em grandes bandos nômades e ficam muito tempo nessa situação, e aí encontrariam a necessária interação com a sua respectiva espécie.

Há ainda o imprinting de aves com o ser humano, papagaios, araras, periquitos, tucanos são exemplos maiores dessa anormalidade. Criados desde filhotinhos como pets “na mão” aprendem até a balbuciar e repetir palavras que lhe são ensinadas, o que vem a comprovar a possibilidade do estranho aprendizado da linguagem e do estreito relacionamento de carinho e de acasalamento. Já para os passeriformes, o Pássaro Preto – Gnorimopsar chopi e o Corrupião – Icterus jamacaii, são os mais susceptíveis a serem imprintados; aprendem a cantar hinos, chamam cachorro, reconhecem as pessoas e assim por diante. Essas constatações lhes causa uma dependência muito grande e ficam assim fragilizados na eventual falta do seu amo. Por isso, sentem muita dificuldade no caso de eventuais devoluções à natureza; é preciso muita paciência, instalações apropriadas, técnicos e expertos que estejam dispostos a efetivar as ações necessárias ao intento. Quanto à utilização para a reprodução doméstica, há também dificuldades adicionais porque os indivíduos muitas vezes não reconhecem como par um outro exemplar de sua espécie; todavia, levando em conta que o instinto é um guia maior, que explorado juntamente com um manejo adequado, podem levar a se obter sucesso na empreitada.

Acreditamos, finalmente, que esse nosso relato sobre o imprinting servirá pelo menos para despertar o interesse ou a discussão sobre este importante e eventual tipo de comportamento das aves e que assim, conhecendo-as melhor, possamos todos unir esforços para trabalhar no sentido da preservação de todas elas.

lagopas@terra.com.br

Escrito por Aloísio Pacini Tostes, em 16/11/2004