Ornitologia e Conservacionismo

Relações entre as Atividades Humanas e as Aves

– As relações entre as Atividades Humanas e as Aves –

Jorge Eduardo de Almeida *

A Classe Aves encontra-se espalhada por todo o Planeta, ocupando os mais diversos habitats: Cordilheiras altíssimas, como os Andes e o Himalaia, florestas tropicais e equatoriais, savanas, desertos, pradarias e campos naturais, a calota polar Ártica e o continente Antártico, rios e lagos e até mesmo os oceanos são habitados por aves que só procuram a terra para a reprodução, afinal, elas precisam de um local que sirva de ninho para chocarem os ovos, normalmente pequenas ilhas oceânicas isoladas e distantes dos continentes, passando o restante da sua vida no próprio oceano, pousando no mar para descansar, praticamente independentes do ambiente terrestre para viver, tal é a capacidade de adaptação as mais diversas condições ambientais da Classe Aves, que mesmo os ambientes antrópicos, ou seja, aqueles modificados pelo homem, em maior ou menor grau, tais como plantações, pastagens, represas e cidades, mesmo as grandes metrópoles, como Rio, São Paulo, Londres, Tóquio etc não deixam de ser colonizados por inúmeras espécies de aves, capazes de sobreviver nas condições artificiais criadas pela civilização.

Os ancestrais das aves surgiram mais de cem milhões de anos antes dos primeiros hominídeos, portanto é bastante natural que atualmente já tenham sido capazes de colonizar quase todos os recantos da Terra… contando-se cerca de nove mil espécies de aves espalhadas por todo o mundo, das quais cerca de um terço são encontradas na América do Sul, sendo o Brasil um dos países com maior número de espécies, mais de mil e seiscentas, só perdendo para a Colômbia.

Portanto, quando o homem surgiu na Terra, as aves já aqui estavam disseminadas por todo canto e diversificadas em milhares de espécies, ou seja, desde o seu primeiro momento o homem conviveu com as aves e dessa convivência surgiram diversas formas de relacionamento e interação entre a espécie humana e a Classe Aves. Essa interação cobriu os mais variados aspectos da cultura humana: economia, artes, religião, lazer, ciência, folclore etc. Vejamos alguns exemplos clássicos:

A íbis sagrada representava o deus Thot no antigo Egito, a águia é até hoje símbolo de poder e força, estando representada no brasão de diversos países, como no passado também se encontrava como símbolo do Império Romano e na mitologia grega acompanhando o deus Zeus. Diversas aves são o animal totêmico de muitas tribos indígenas: corvos, corujas, tucanos, águias, gaviões etc.

Na cultura brasileira, seja indígena ou no folclore, são inúmeras as lendas, contos e tradições que envolvem as aves. Além da tão conhecida arte plumária, que não é exclusividade dos indígenas brasileiros, sendo comum em diversos povos de cultura tradicional espalhados por todo o planeta.

Nas artes propriamente ditas as aves são o tema de escolha ou de inspiração dos mais diversos artistas, seja na música, na pintura, escultura etc. Ainda como atividade lúdica a relação entre o homem e as aves inclui a criação de aves ornamentais, pássaros canoros, pombos correios, a tradicional arte da falcoaria que se preserva até os dias de hoje e ainda a caça amadorística a algumas poucas espécies de aves, em particular marrecos, pombos e perdizes, praticada tradicionalmente em quase todos os países do mundo de forma organizada, sustentável e plenamente legalizada, fazendo parte da cultura destes países de forma corriqueira e absolutamente normal, já que não prejudica em nada a conservação das espécies, auxiliando inclusive na preservação de áreas com vegetação e fauna nativas.

Na economia as aves representaram para o homem desde o período pré-histórico fonte de alimento, que com o advento da agricultura e posterior surgimento das civilizações, com a cada vez maior urbanização da população humana, adquiriu caráter de grande importância alimentar, como finte de proteínas e também puramente econômico, devido ao comércio de animais vivos ou de sua carne tornando-se importante segmento da área comercial.

Atualmente diversas espécies de aves foram domesticadas, algumas como fonte de alimento ou de matéria prima com as mais diversas finalidades, por exemplo, extração de pepsina através dos ovos, plumas para enchimento de agasalhos, travesseiro, edredons etc, utilização de ovos para produção de medicamentos ou a sua casca como fonte de objetos artesanais e artísticos, como a arte da pesanka, tradicional entre muitos povos de origem eslava. As penas também tem seu mercado altamente valorizado, sobretudo as de uso ornamental, como as utilizadas nas fantasias durante o Carnaval.

O Brasil é um dos maiores exportadores de carne de frango do mundo, de modo que a avicultura comercial é parte importante da nossa balança de exportações, contribuindo significativamente na entrada de divisas para o país. Nesta vertente da criação de aves são utilizadas algumas poucas espécies: galinha doméstica, peru, marreco e pato domésticos, ganso, galinha d’angola, também conhecida pelo nome de capote, codornas e em alguns casos os faisões e as perdizes chuckar.

Já na avicultura ornamental o número de espécies é bem maior, embora os criatórios normalmente sejam menores e a sua importância econômica, embora menor do que a da avicultura de corte, também não pode ser considerada desprezível, mas neste caso o Brasil ainda não ocupa um lugar tão destacado quanto diversos países do chamado Primeiro Mundo, países desenvolvidos, onde a avicultura ornamental ocupa lugar de destaque na economia, inclusive nas exportações, tendo desenvolvido técnicas extremamente eficientes de reprodução e manutenção de aves em cativeiro, não interferindo na avifauna dos ecossistemas. Isso significa que esse comércio de aves ornamentais nada tem a ver com o tráfico de animais silvestres, pois as aves não são retiradas da natureza, sendo oriundas de criatórios especializados. Entre as espécies mais criadas com esta finalidade podemos citar: pássaros canoros, tais como o canário doméstico e seus híbridos denominados pintagóis, os pintassilgos de pelo menos quatro espécies diferentes, os curiós, bicudos, trinca-ferros, canários da terra, melro europeu, melro metálico, rouxinol do Japão, rouxinol messias e etc. Pássaros ornamentais, tais como: mandarim, diamante Gould, diamante sparrow, bavete, mainá, etc. Também os psitacídeos formam parte importante neste tipo de avicultura, sobrepujando os demais grupos nas exportações, entre as espécies mais criadas e comercializadas temos: cacatuas, araras, papagaios, agapornes, calopsita, periquitos australianos, etc.

Ainda muitas outras espécies de aves, das mais diversas famílias são criadas como ornamentais, embora sem o mesmo destaque dos grupos apresentados anteriormente. Podemos citar como aves ornamentais especialmente criadas com fins lúdicos as várias espécies de faisões, o pavão, algumas espécies de anatídeos ( marrecos, gansos, tadornas , cisnes etc), codornizes, pombos de várias espécies, tucanos e muitas mais, inclusive colibris, mais conhecidos entre nós como beija-flores.

Mas a interação entre o homem e as aves, mesmo no que concerne a diversos aspectos econômicos, não está apenas ligada aquelas espécies criadas em cativeiro… esta relação se estende e muito com as aves silvestres, pois sendo o homem um elemento da natureza, como todos os demais seres vivos, sofre as interferências dessa natureza ao mesmo tempo que interfere nela… sendo assim as relações ecológicas entre homens e aves são muito amplas e as atividades realizadas por uns e outros acabam tendo reflexos nas suas respectivas populações. Estes reflexos podem ser positivos ou negativos, mas são inevitáveis, tanto da parte do homem sobre as aves, como das aves sobre o homem. Vejamos agora alguns exemplos dessa interação, tanto positiva quanto negativa, das aves com o ser humano: diversas espécies de aves alimentam-se de pragas, geralmente insetos, que atacam as plantações humanas, enquanto outras tantas espécies tornam-se elas mesmas pragas das plantações, em particular as espécies granívoras que atacam plantações de cereais e outros grãos e as frugívoras, que atacam os pomares. As primeiras diminuem os prejuízos dos agricultores, além de representarem uma economia não desprezível no gasto com defensivos agrícolas e ainda beneficiam desta forma o ambiente como um todo, diminuindo a contaminação do solo e da água pelos resíduos químicos daqueles defensivos.

Já o segundo grupo causa prejuízos não raro de grande vulto aos agricultores, representando em alguns casos já estudados uma perda de cerca de quarenta por cento da produção agrícola de certas regiões, ocasionando problemas sociais e econômicos graves, inclusive com diminuição da taxa de grãos exportados por certos países ou agravamento das condições de vida de pequenos agricultores que dependem das suas safras para sobreviverem, sendo assim um fator que interfere na qualidade de vida daquelas populações rurais.

Como podemos observar, pelo que foi exposto anteriormente, as relações entre o homem e as aves são bem mais complexas do que se costuma imaginar, envolvendo múltiplos fatores, que podem interferir e muito tanto na economia de um país como na qualidade de vida da população, mas o inverso também é verdadeiro, ou seja, as atividades humanas interferem de forma acentuada nas populações das diversas espécies de aves, beneficiando algumas e prejudicando outras, devido as atividades e modificações ambientais humanas, por exemplo: para algumas espécies a agricultura pode representar uma fonte extra de alimentos ou de locais para nidificação, como no caso das áreas de florestamento artificial para produção de celulose, produzindo uma explosão populacional de várias espécies de aves, cujas populações foram beneficiadas pelas alterações promovidas pelo homem no ambiente.

Para outras tantas espécies essas alterações ambientais antrópicas representam exatamente o oposto do que foi dito para as espécies acima, ou seja, representam diminuição do habitat, das áreas de nidificação, das fontes de alimento etc, de modo que suas populações, ou pelo menos as densidades populacionais de algumas regiões, diminuem drasticamente e em casos extremos podem representar real ameaça de extinção de algumas espécies.

Em qualquer dos casos, beneficiando ou prejudicando as populações de determinadas espécies, as atividades humanas provocam um desequilíbrio populacional nas aves, mais ou menos significativo, dependendo de diversos fatores, tais como condições do ambiente (deserto, semi-árido, bosque temperado, floresta equatorial, etc) que determinam resultados bastante diversos de uma mesma prática agrícola… ou ainda os aspectos biológicos das próprias espécies envolvidas no processo, já que algumas delas podem apresentar alto potencial reprodutivo, bem como uma alta capacidade de adaptação a novos ambientes, enquanto outras, ao contrário, podem apresentar baixo potencial reprodutivo e igualmente baixa capacidade adaptativa. Em alguns casos certas espécies não suportam alterações, mínimas que sejam, no ambiente e isto pode determinar o início de um processo de extinção, quando as atividades humanas se realizam no habitat destas espécies com baixíssima ou até nenhuma tolerância às modificações, em outras palavras, são espécies com pequena capacidade adaptativa às alterações ambientais, mesmo aquelas que não são provocadas pelo homem… essas espécies são sempre as mais vulneráveis.

Passemos agora a análise das relações das aves com o ambiente, o que explicará em certa medida as interações expostas acima. A temperatura corporal das aves é muito alta, variando entre os trinta e oito e os quarenta e cinco graus Celsius. Para efeito de comparação a temperatura corporal dos mamíferos normalmente varia de trinta e seis até trinta e oito graus Celsius. Isto significa que o seu metabolismo é muito acelerado, por exemplo a freqüência de batimentos cardíacos é muitíssimo elevada, atingindo em pequenas aves cerca de quatrocentos pulsos por minuto e em aves maiores o pulso normal pode estar ao redor de noventa até cem batimentos por minuto, o que é muito quando comparado ao pulso normal de outros vertebrados, quando em atividade este pulso torna-se ainda mais elevado podendo mais que dobrar o número de batimentos.

Decorre daí a necessidade de uma alimentação constante e em grande quantidade, além de possuir um alto valor calórico e energético. Alguns exemplos: certas andorinhas podem consumir em um único dia mais de cem insetos, na sua maioria moscas… algumas espécies de codornas nativas do Brasil consomem em um dia cerca de quarenta insetos, freqüentemente percevejos que atacam diversas plantas… algumas espécies granívoras, ou seja, que se alimentam de sementes consomem por dia o equivalente a trinta por cento do seu próprio peso.. para se ter uma comparação seria como se um homem de setenta quilos comesse por dia vinte e um quilos de alimentos. É claro que sempre há exceções, mas de um modo geral a regra é que as aves por seu metabolismo acelerado tenham um apetite verdadeiramente voraz para suprir suas necessidades energéticas.

Temos então os “ingredientes” que provocam a forte interferência das aves na economia humana e vice-versa. Por mais que nos conscientizemos dessa situação, nem sempre será possível evitar os desequilíbrios ambientais. No máximo poderemos diminuí-los a um mínimo aceitável. Portanto compete ao ser humano procurar e colocar em prática medidas que amenizem os inevitáveis desequilíbrios das interrelações da nossa espécie com o ambiente.

É importante que o leitor tenha em mente que na natureza não existe um equilíbrio estático, ou seja, perfeito, mesmo nos ecossistemas que não sofrem interferência humana ou que estejam em um estágio de grande equilíbrio normalmente designados como ecossistemas clímax. O equilíbrio é dinâmico e não estático, isto significa que as populações de quase todas as espécies estão sempre em constante modificação sobre tudo quanto as suas densidades. Para criar uma imagem fácil de se entender vamos imaginar uma balança de pratos em que os pesos se alternam em cada um dos pratos, de modo que a balança está sempre oscilando, em um momento o prato esquerdo está mais alto, no momento seguinte é o prato direito que se eleva, no entanto essa “gangorra” está sempre oscilando ao redor de um eixo que representa o ponto de equilíbrio. Este é precisamente o equilíbrio dinâmico que ocorre na natureza: as populações aumentam e em seguida diminuem, oscilando, como no exemplo da balança em torno de um eixo de equilíbrio ideal. Como podemos notar o equilíbrio da natureza não é estático, está sempre em movimento, e as aves nas suas múltiplas interações com o ambiente, que inclui a espécie humana com todas as suas atividades que interferem na paisagem ambiental, não são uma exceção a essa regra e suas populações também vão oscilar conforme as condições ambientais independentemente das atividades humanas.

No próximo artigo daremos continuidade a este tema, enfatizando as relações alimentares ou tróficas das aves com o ambiente em que vivem e a forma como isso influi nas suas populações e nas populações de outras espécies, tanto de animais como de vegetais… não deixaremos também de enfatizar as relações do homem com o ambiente e as suas conseqüências, sobretudo no que diz respeito a Classe Aves, porém sempre fazendo questão de lembrar que o homem é parte do ambiente e não um elemento estranho e que por isso não só influencia e interfere como também sofre influência e interferência do ambiente.

* Biólogo. Professor de Ciências Biológicas.

(jorgealmeida@maniadebicho.com.br)

Escrito por Jorge Eduardo Almeida, em 22/12/2006

Bicudos e Curiós Domésticos

A Afetiva Preservação

Publicado no Atualidades Ornitologicas 133 – www.ao.com.br

Aloísio Pacini Tostes – Ribeirão Preto SP

Bicudos e curiós são aves de origem silvestre existentes da América. Em seu estado natural, o gênero Oryzoborus, em suas mais de dez subespécies existe desde o norte da Argentina até o México. No Brasil foram dizimados, à exceção da Amazônia onde há curiós ainda em abundância. Muitos fatores colaboraram para tanto, entre eles: a caça predatória, o tráfico, e principalmente a degradação ambiental. São espécies, notadamente o bicudo, muito dependentes das condições naturais de seu habitat: da existência de água despoluída, de capim navalha (tiririca), de veredas (pindaívas), de grandes alagados e de toda uma vegetação adequada, isso tudo são o mínimo necessário ao processo de vida natural desses pássaros. Por isso, esses bichos nunca foram encontrados por aí, como outras aves que se adaptam com facilidade em qualquer ambiente, mesmo degradado ou modificado, a exemplo do sabiá, canário da terra, coleiro, dentre outros.

Do jeito tudo isso está sendo destruído e consumido, as perspectivas são negras, em termos de sobrevivência dessas espécies, e ainda, se levarmos em consideração a forma que hoje se desenvolve a ocupação de novas glebas rurais, ocasionando: crescente poluição das águas, queimadas devastadoras, enormes barragens dentre outras iniciativas semelhantes. Não estamos vendo saídas para este processo se interrompa, uma dura realidade em nome do desenvolvimento que ameaça todas as formas de vida na terra, inclusive a sua própria. Há notícias de várias fontes que se não houver uma conscientização urgente, em especial das grandes nações sobre o desperdício oriundo de um consumo exagerado que ali se pratica os recursos naturais serão exauridos e a espécie humana não terá como sobreviver, estaremos perto do caos.

Voltando à questão do bicudo e o curió, eles sempre foram pássaros muito cobiçados, por causa de seu belo canto e de seus outros predicados: fácil adaptação aos ambientes domésticos, muita valentia, disposição para cantar, grandes diferenças individuais, capacidade de repetir e de aprender o melhor e mais bonito canto.

Até a década de 70 existiam vastas populações em quase todo o território brasileiro e os exemplares mantidos pelos aficionados eram capturados na natureza e ninguém se importava com isso. Os melhores indivíduos sempre estiveram na posse de pessoas mais abastadas porque eram mais difíceis de encontrar e portanto mais valiosos e como era complicado obter-se um bom pássaro. Em suma pouca gente detinha um pássaro com excelente qualidade. Ficavam perguntas no ar: como se poderia, no futuro, conseguirem-se outros espécimes se na natureza eram visíveis as dificuldades crescentes na obtenção de novos pupilos? Como manter a sobrevivência da prática de manter pássaros e continuar participando dos torneios

A partir dessa época iniciou-se uma crescente conscientização dos amantes desses pássaros para o perigo de extinção. Além do mais, naquele momento começava a vigorar a Lei 5.197 que tratava da Proteção à Fauna. O impacto estava criado, novo pensamento, novas formas de encarar essa realidade, a situação era gravíssima, não havia saída.

Ai se iniciou de forma lenta os trabalhos de reprodução doméstica que aos poucos, a partir da década de 80, tomou impulso para nos anos 90 se alastrar para todo o Brasil e de forma crescente. Hoje se pode dizer que há milhares de criadores que reproduzem o bicudo e o curió de forma a livrá-los da extinção, com certeza. Separa-se a de cunho amadorista que é controlada pelo IBAMA, através do SISPASS e a outra a atividade comercial que produz os pássaros em larga escala para atender a toda a demanda.

O que muito ajuda é a longevidade dos pássaros que podem reproduzir por até a idade de trinta anos, especialmente os machos, há inúmeros desse exemplo. As fêmeas de até 20 anos também produzem ou podem tratar de filhotes. A adoção da poligamia tem ajudado bastante através da utilização de um macho de altíssima linhagem com até dez fêmeas o que ajuda a melhorar a qualidade do plantel na utilização de um só macho campeão. Este procedimento ajuda também em aproveitar os espaços físicos e melhora a relação custo/benefício porque a manutenção de machos de boa genética é onerosa.

Outra questão que por coincidência veio ajudar muito é o desenvolvimento da avicultura industrial e o estágio avançado da criação de aves exóticas, em todo o mundo. Esses segmentos vêm desenvolvendo processos de criação com a adoção de técnicas de manejo se traduzem num incremento substancial para a reprodução de animais em domesticidade. São rações balanceadas, produtos fito sanitários, sequestrantes, pro e pre-bióticos que adicionados à alimentação das aves chega a suprir todas as necessidades de nutrição para uma saúde quase perfeita que acaba por aumentar a produtividade delas.

Além disso as informações chegam a todos os rincões através da Internet, de forma que aqueles que se interessam em “saber mais” tem um veículo ágil, barato e eficaz a sua disposição. Outro fato importante, é que parte da comunidade acadêmica através dos médicos veterinários descobriu e sente que há um enorme campo de trabalho, de atuação técnica e podem muito colaborar com o segmento e afinal ter uma fonte de renda, com isso. A legislação, através da normatização do IBAMA, aos poucos vai se ajustando. Temos algumas dificuldades nesse campo porque estamos ainda com uma nova atividade se desenvolvendo muito de dez anos para cá. Infelizmente, alguns setores da mídia sensacionalista e as pressões de alguns setores da população tem exercido e ajudado a tumultuar a nossa comunicação com a opinião pública. Essa conotação de chamar as aves que criamos de “silvestre” que é sinônimo de “selvagem” tem confundido muita gente que pensam que capturamos e manipulamos animais retirados da natureza.

Estamos torcendo para que, de uma forma continuada, o tráfico seja banido, ou pelo menos diminuído no Brasil. Ele suja a nossa imagem e nos prejudica muito. O trabalho principal para ajudar no combate é o oferecimento à demanda de forma crescente de um indivíduo, criado em domesticidade, no lugar de um ilegal, capturado, de pouca qualidade e que pode ser aprendido e a pessoa que o detém multada pelas autoridades. Podemos e estamos, também, começando a atender a demanda de interessados do exterior auferindo divisas e diminuindo as pressões sobre o tráfico internacional. O curió brasileiro, criado doméstico, está sendo muito requisitado nos Estados Unidos e aqueles oriundos da natureza provenientes das Guianas e da Venezuela estão sendo dispensados porque de qualidade duvidosa e ilegal.

Outra providência que queremos realizar principalmente com o bicudo, óbvio, com o cumprimento de todos os protocolos, é a reintrodução ou repovoamento em regiões escolhidas. O processo está iniciado e se desenvolvendo, já contatamos preliminarmente o IBAMA, prefeitos, ruralistas e Ongs das regiões abrangidas. No momento, estamos desenvolvendo um protótipo de abrigo para servir de modelo aos casais que irão ser eventualmente utilizados. A partir dessa experiência, se efetivamente adotada, poderíamos produzir um manual que serviria de base à adoção de futuras ações desse tipo. Na realidade o mais importante de tudo que fizemos e que falamos até agora é a socialização da manutenção de bicudo e curió. A produção de filhotes é tão intensa que os grandes criadores estão abarrotados de fêmeas jovens e que estão sendo vendidas a preço vil, embora de alta genética. Isso está fazendo com que haja uma enorme transferência na qualidade dos pássaros para as camadas menos favorecidas da população, gerando incremento na produção. Hoje podemos notar que o bicudo e curió de alta qualidade estão, também, em poder de pessoas da periferia e está se tornando cada vez menos oneroso possuir um exemplar através da aquisição de filhotes. Pode-se, agora visitar aficionados que moram por todos os bairros de muitas cidades e de vários estados federativos e observarem-se curiós de alta repetição e bicudos valentes cantadores e de bom canto. Até pouco tempo atrás era privilégio de alguns e impossível fazer-se essa constatação. Quem quiser e puder visitar um torneio de canto dessas aves poderá sentir esse fato. Por analogia, há alguns anos ficávamos admirados com as exposições de canários de cor, domésticos, e da grande capacidade dos criadores de exóticos em chegar ao ponto que chegaram, milhares de aves produzidas nos criatórios. Agora, finalmente conseguimos, quem quiser pode ver, os criadores dos nativos brasileiros também produzem milhares e milhares de bicudos e curiós domésticos.

lagopas@terra.com.br

Escrito por Aloísio Pacini Tostes, em 5/12/2006