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Pingos nos is

Esclarecimento

O Sr. Luis Fernando de A Figueiredo, escreveu o artigo entitulado “O necessário pacto entre os preservacionistas e os criadores de aves silvestres”. Ficamos estarrecidos e muito surpresos com algumas colocações do companheiro Luís. Será que é essa a idéia que fazem de nós? A respeito, pedimos vênia, para tecer alguns comentários sobre o conteúdo do texto. Contudo, deve ficar claro que só falamos pelo segmento dos criadores de pássaros canoros. Assim, temos uma visão um tanto diferente sobre alguns aspectos, embora nosso objetivo seja o mesmo, o da preservação. Concordamos que muitos conhecimentos, a nível de detalhes, adquiridos no manejo diário que os passarinheiros detém sobre determinadas espécies, poderiam ser utilizados por qualquer pesquisador científico, bastaria uma aproximação entre ambos para que isso fosse concretizado. É a teoria e a prática. Seria um grande avanço. Precisamos nos despir de todo tipo de sentimentos negativos para chegarmos a esse diálogo. Quanto ao desaparecimento do bicudo e do curió das várzeas perto das cidades, podemos dizer que não foram só eles os desaparecidos, são muitos outros é todo um ecossistema que foi prejudicado. A caça predatória colaborou, sim, muito para isso, mas não é só, a pulverização com o DDT, a poluição das águas – o maior crime que se pode cometer contra a natureza – e todos os outros tipos de degradação ambiental. Por exemplo, como um pássaro que tem muita exigência com o seu hábitat, igual ao bicudo, poderia viver como outrora, na região de Ribeirão Preto SP, área detentora de um deserto verde, o da monocultura da cana-de-açúcar? Como falar em biodiversidade num lugar desses. Isto para não citar inúmeras regiões idênticas, espalhadas pelo País. E se pensarmos no tamanho do estrago ambiental que está sendo feito em grande parte do Brasil. Em apenas 500 anos quanto já foi destruído da natureza. Foram milhões de anos para a formação e poucas décadas para destruição. É muita irresponsabilidade. O que será daqui a 50 anos, ou daqui a outros 500 anos. Há alguma maneira de deter o passar do tempo? Há alguma maneira de deter o crescimento geométrico da população mundial? Há alguma maneira de fazer com que o homem não ocupe mais espaços? Será que adiantará falar em desenvolvimento sustentado, onde a experiência nos tem mostrado que, só o lucro imediato interessa. Os países mais adiantados falam muito em “preservação do meio-ambiente” – para os outros -, depois que destruíram quase todos os seus recursos naturais. Muito bonito isso. Qual será a solução, então? Como sempre dissemos, são muitas, mas certamente umas serão: a criação sempre crescente de “Unidades de Conservação” , a criação doméstica das espécies ameaçadas ou não, a educação ambiental, repovoamento monitorado, reflorestamento com espécies nativas, e outros procedimentos similares. Falando só de nossa parte; a questão passa, então, muito pelo entendimento correto que a sociedade deve ter sobre os efetivos criadores de pássaros. Do nosso lado, sabemos muito bem que, a sociedade só nos permite deter pássaros porque sabe que perfeitamente que estamos reproduzindo-os, e por isso, realizando uma tarefa das mais importantes para a preservação das espécies. Ninguém pode ter dúvida, como é óbvio, de que nossos criatórios grandes ou pequenos, sejam verdadeiros santuários, onde se pratica com o maior carinho, uma das mais nobres tarefas: a da criação de animais nativos nacionais. É um julgamento muito cruel o que está dito no texto de Luis, mas foi até bom, assim ficamos sabendo o “porque” das eventuais e muitas discriminações de que somos vítimas. Nossa colaboração, ao contrário, tem sido muito grande e ela poderá crescer se tivermos apoio dos autênticos preservacionistas. Apoio não quer dizer autorização para que haja aquele tipo de fiscalização proposta em qualquer de nossos criadouros, a não ser por quem de direito. Queremos sim, uma visita cordial dos companheiros preservacionistas, a começar pelo nosso 016-6721121, pelo do mestre Marcílio Picinini 032-2731346, pelo do Fernando Paz 031-5472756, pelo do Hélio de Paula 016-8311748, pelo de Ito da Fonseca 016-6233492, pelo de José Busnardo 016-6247545, pelo do Reinaldo Guedes 035-3411378, pelo de Brás Anastácio 011-4612802, pelo de Jorge Heusi 048-2349000, entre outros. Isso nos encheria de alegria. Estamos abertos a qualquer tipo de diálogo, queremos trabalhar juntos, em parceria. Estamos de acordo em muitas coisas; lugar de animal silvestre é a natureza. Não precisamos deles, o estoque doméstico existente é suficiente. Não se pode mais admitir a captura, não queremos de forma alguma isso. Seria um enorme contra-senso que os que praticam a reproducão doméstica estivessem a favor da captura de silvestres para comercializá-los. Uma coisa não combina com a outra. Como é que fazemos um grande investimento para montar um criadouro, passamos o dia inteiro cuidando de filhotes; não há domingos e nem feriados; não há férias e não pode haver o menor descuido; e depois estaríamos a favor ou coniventes com o tráfico ilegal de animais. Não faz o menor sentido. Queremos mercado sim, mas para o que estamos produzindo legalmente; quer atividade mais gratificante. Queremos também, mostrar com muito prazer, que estamos tirando pássaros da extinção, notadamente o bicudo e o curió. Queremos fazer o pacto, queremos o apoio de todos. Podem nos convidar para comparecimento em encontros que iremos com muito prazer, dizer o que sabemos e dizer de nossos objetivos. É só convidar quem de direito e quem estiver em condições para debater os eventuais assuntos programados, vamos trocar idéias, seria ótimo que isso acontecesse. Até hoje não tivemos conhecimento de nenhum tipo de convite para comparecermos a evento com o intuito de discutirmos assuntos inerentes. Conversamos com vários outros criadores e dirigentes e eles disseram que desconhecem qualquer tipo de convite. Estamos ansiosos para que, doravante, sejamos efetivamente convidados. Temos muito a falar, temos a dizer sobre nossa história, sobre nossas atividades que só se iniciou no Brasil, há 15 anos. Somos pesquisadores ainda, somos pioneiros, estamos aprendendo ainda e com muitas dificuldades. Só depois do ano de 88 é que, após intensas negociações com os competentes técnicos do IBAMA que duraram 4 longos anos, a questão foi regulamentada; assim mesmo, após eles ficarem convictos de que estávamos efetivamente realizando a reprodução doméstica. Hoje são milhares e milhares de filhotes produzidos. Já temos, portanto, mais de dez gerações criadas, nossos bicudos e nossos curiós passaram a ser pássaros nativos brasileiros domésticos. Tão domésticos como os milhões e milhões de exóticos criados, tipo “ägapornis”, “periquitos australianos” “canários-do-reino” , “mandarins” e muitos outros. Mas podemos fazer muito mais. Saímos da conversa e do querer fazer para a ação. Estamos produzindo muito e cada vez mais, são inúmeros criatórios que estão sendo espalhados pelo Brasil. Debaixo de muitas dificuldades estamos dando um exemplo para o mundo. Sem falar no melhoramento genético que é o grande trunfo, o grande segredo a favor da preservação, ninguém quer exemplares “sem origem” ou de origem desconhecida. Só se quer filhotes, oriundos de campeões, criados domesticamente, segurança de que ele vai aprender o canto que se quer ensinar. Se não fosse por isso, como é que um criador sobreviveria se seus filhotes não tivessem qualidade, quem iria se interessar por eles. Todos os campeões de hoje que disputam torneios são nascidos domesticamente. É preciso que a sociedade conheça o trabalho que estamos fazendo para preservar os cantos mais representativos do bicudo e do curió, tudo isso já estava extinto na natureza. Vale a pena conhecer-se a ciência que está por trás do ensinamento de um determinado canto a um filhote, aí está o “x” de nossa questão. Não estamos atrás de aves raras ou menos possuídas, a colocação não serve para nosso segmento. Pelo contrário, queremos é seleção genética a partir de pássaros muito conhecidos e campeões. Portanto o que estamos procurando, em termos de pássaros canoros é a criação de espécimens de muita qualidade de canto e de repetição. Quanto melhor, quanto mais cantor, quanto mais repetidor e quanto mais bonito cantar, mais valorizado e mais procurado. Só há isso em aves criadas, mateiros ou silvestres não servem. De outro lado, a manutenção de um criadouro custa muito, inclusive muita dedicação, dificilmente se recupera o valor dos recursos investidos, não tem problema. A maioria faz porque ama, porque gosta, porque tem prazer nisso. Como é gratificante segurar um ninho repleto de filhotes. É muita satisfação para nós. É preciso ficar claro, porém que, existem os mantenedores de pássaros que não reproduzem, não têm tempo, não têm jeito para o mister e em suma não têm condições para praticar a procriação. Mas a dedicação deles é muito importante para que todo o sistema funcione, desde que os pássaros mantidos sejam domésticos. O mantenedor, é o braço do criador, seu complemento. Eles manuseiam os pássaros criados, eles os desenvolvem. Eles os levam para passear, É gente que gosta de escutá-los cantar, é gente que gosta de participar de torneios, é gente que gosta de vê-los, de possuí-los. Que mal há nisso, é um pedacinho da natureza perto de si. Teria algum sentido criar-se centenas ou milhares de aves para possuir todas elas, só se for algum tipo de loucura. A ciclo se fecha, somos uma comunidade, o criador produz teoricamente, para o mantenedor manusear, para preservar, para manter estoques, para possibilitar eventuais repovoamentos, e sobretudo por gosta, porque é um apaixonado. Não reproduzimos animais para matá-los e comê-los, ou para arrancar a sua pele. Produzimo-os para ter, principalmente, o direito de conviver com eles. Supomos por todo o trabalho realizado que temos esse direito. E daí, está tudo resolvido? Logicamente que não. Se tem gente que teima em caminhar pela trilha do ilícito e do ilegal? A responsabilidade não é nossa. É um problema de polícia, da justiça, e da própria sociedade. As autoridades precisam agir com bastante rigor, mas deve responsabilizar aqueles que realmente tem culpa no cartório. Não podemos ser confundidos, de forma alguma, com traficantes ilegais, não somos farinha do mesmo saco. Pelo que está escrito no referido artigo e se for esse o sentimento da opinião pública, a coisa está esquisita. Está faltando uma melhor comunicação ou mesmo uma honestidade de propósitos em algum dos segmentos. Estamos muito ruins de marketing. De quem é a culpa. Alguma coisa deve estar errada no contexto. Será o radicalismo de alguns ou talvez falta de diálogo. Será que teríamos que tomar alguma iniciativa para mudar isso, será que os criadores precisariam se unir em torno de objetivos comuns para que passassem a ser devidamente respeitados por todos? Tudo tem que estar esclarecido, urgentemente. Qual é a responsabilidade da imprensa nisso tudo? O que estamos fazendo está sendo entendido como plenamente correto? Se há falhas, onde estão? É isso que a sociedade espera de nós? Onde queremos chegar? Nosso trabalho é ou não importante para a preservação? Sabemos que sim, mas toda a sociedade é que deve saber que sim. Alguém não está sendo claro em suas intenções ou não há muita transparência naquilo que está sendo realizado. Não tem mais jeito vamos sacudir a poeira, conversar muito, dialogar, discutir a questão e de uma vez por todas colocar os pingos nos is. Dessa forma, se tudo isso for feito e se todos os envolvidos participarem do entendimento, certamente, o companheiro Luís não precisará voltar ao assunto daqui a 11 anos.

Escrito por Aloísio Pacini Tostes, em 2/9/2003

Os criadores no combate

ASPECTOS GERAIS DA PARTICIPAÇÃO DOS CRIADORES NO COMBATE AO TRÁFICO DE PASSERIFORMES

Nas apreensões de animais do tráfico, o maior problema é, sem dúvida, o encaminhamento e tratamento corretos, urgentes e imediatos, porque a morte e o sofrimento não esperam, nem o animal que sofre pode esperar. A dor dói na hora; não aguarda o socorro chegar.

Confesso que não tenho – nunca tive – interesse em pássaros ou quaisquer aves caçados, selvagens, de origem duvidosa ou maltratados, de tráfico ou não, pelo risco

que oferece aos nossos plantéis. De minha parte, sinto que é preciso mais do que nunca tratar dessa questão com honestidade, assumindo a verdade e não ficar com falácias, para demonstrar que meu objetivo maior seria a preservação e o combate ao tráfico. Não é!

Eu crio passarinhos porque gosto deles e a ajuda que presto na preservação e no combate ao tráfico, neste aspecto, é mera conseqüência. Para ser mais sincero, nem trabalhar com objetivo econômico eu aprendi ainda, porque a minha principal preocupação é de buscar sempre encontrar e criar pássaros

melhores, que mais me agradem; é evidente que lucrar é bom, mas quanto mim fica em segundo plano.

Que a criação doméstica combate efetivamente o tráfico e contribui sobremaneira para a preservação não há mais dúvidas, mas esta atribuição não pode e não deve ser imposta ao criador, obrigatoriamente, como objetivo maior, mesmo porque não tem ele o reconhecimento devido nem lhe é dada a legitimidade de atuar diretamente nessa área. Qualquer órgão ou organização não governamental pode participar diretamente das apreensões, conduzir e alojar animais, mesmo que para isso não haja previsão legal. Já o criador, se estiver apreendendo, transportando ou alojando animais, com a finalidade de disponibilizá-los ‘a autoridade competente, será tratado como traficante. Não se discute que houve precedentes que autorizam essa interpretação. O que se impõe é o conhecimento de que, até por esses precedentes, ao criador não é dado o poder de atuar e não deve se envolver diretamente nessas ações e, portanto, não lhe pode ser cobrada a função precípua de combater o tráfico.

A criação de passeriformes, como de aves ornamentais ou qualquer outra espécie animal, deve ser encarada tal como ela é, a utilização sustentável de recursos naturais, seja por hobby, com finalidade econômica, como terapia ocupacional, todas elas com capacidade de gerar receita, tributos e empregos, direta ou indiretamente, movimentando a economia ao longo de toda a cadeia de produção, envolvendo a agricultura, a indústria, o transporte, o comércio, fontes de riqueza ou divisas para o país. Nas comunidades carentes, a utilização racional desses recursos podem ter um importante papel social, de modo a promover o sustento necessário das respectivas populações, minimizando os efeitos da pobreza.

Falo por mim, mas acredito haja outros criadores que, como eu, não têm interesse em aves de origem selvagem, vindos do tráfico ou da caça, ou procedentes de criadouros ou mantenedores clandestinos, em ambos os casos ocultos aos olhos da lei, longe ou escondidos do alcance das autoridades, em ambientes possivelmente infectos e imundos, portadores das mais diversas moléstias. Aceitar essas aves implicaria na necessidade de possuir ou construir ambientes separados do plantel, para quarentena e hospedagem, que não podem ser o mesmo, de modo a separar doentes ou com suspeita de doença, ou novos acolhimentos, daqueles sadios e já tratados e curados, mesmo assim com risco de contaminação dos nossos criadouros.

Normalmente a falta de espaço é um dos maiores problemas para o criador, pela necessidade de se manter uma área ideal para cada indivíduo, o que o impede muitas vezes de ampliar a criação. São bem poucos os que dispõem de instalações já prontas e adequadas, ou de possibilidade de construí-las, para receber aves apreendidas.

Em se tratando de aves de canto, os passeriformes, geralmente esses pássaros interferem no canto dos pássaros criados, por diversificação de espécies ou por má qualidade de canto, tornando necessário o isolamento acústico ou a manutenção em lugar distante. Isso implica em disposição de área e em segurança, pela responsabilidade que gera ao protetor provisório.

Para todo tipo de ave, sumiços – até por ataque de predadores-, furtos e roubos – hoje fato um tanto constante -, fugas e óbitos devem ser comprovados. Ainda com possibilidade da comprovação não ser reconhecida e aceita.

Disponibilidade de tempo ou mão-de-obra de tratadores, despesas com alimentos, remédios e médicos-veterinários, nem sempre suportáveis pelo criador que já tem tantos encargos, tantas despesas, e ainda tendo de provar pelo menos uma vez por ano, no caso de amadoristas, ou duas, no caso dos comerciais, a licitude de sua atividade.

A provisoriedade do abrigo e dos cuidados necessários também é uma incógnita. O procedimento legal e os entraves burocráticos, no mais das vezes morosos ou intermináveis, tornam a ave domesticada demais para a soltura, com a perda das características naturais, quando assim já não chega da apreensão.

Temos ainda a resistência contra a soltura. Alegam-se o perigo de transmissão de doenças aos selvagens ou a possibilidade de prejudicar o ecossistema. Particularmente eu acredito que essas preocupações não devem

ser consideradas com tanto rigor quanto as aves, principalmente os passeriformes. No Brasil, a grande maioria das espécies de passeriformes e algumas outras aves de boa aceitação no mercado, portanto de interesse para o traficante, ocorrem em todo ou quase todo o território nacional, onde as populações se acomodam conforme a necessidade, os predadores naturais existem por toda parte e não existem pontos intermitentes de modo a evitar que as moléstias se transmitam naturalmente. Se assim não for, a Natureza é sábia e fornece meios naturais de combate das doenças e de desenvolvimentos da defesas naturais do organismo. Algumas espécies alienígenas foram introduzidas no país e nem por isso nossa avifauna foi prejudicada, como ocorre com espécies invasoras de outros tipos de vida. Mas nada impede que as aves apreendidas sejam devidamente tratadas e soltas já livre de quaisquer doenças. As aves de ocorrência regional, depois de tratadas e fortalecidas, se suportaram as agruras do tráfico, podem suportar o deslocamento para suas regiões de origem. Não acredito, pois, em desequilíbrio ambiental por soltura de aves. No entanto, a resistência existe. Um obstáculo a mais para uma destinação rápida dessas aves.

Os cuidados devem ser dispensados com zelo e dedicação. Ou faz , ou não faz; se fizer, tem de ser bem feito. Mas o Poder Público não oferece incentivos para que o criador possa dedicar-se na nobre tarefa de salvar e proteger os animais apreendidos. Antes apresenta impecilhos difíceis de serem contornados.

No final de tudo, a ave acaba ficando com o criador, que acaba se tornando um escravo dela, tendo de cuidar da coisa pública sem poder utilizá-la para a reprodução porque, dependendo da espécie, não tem a

qualidade genética ideal ou porque não é permitido reproduzi-la, já que não tem a posse definitiva, documento ou lei que aprove sua utilização. Em reconhecimento, o abnegado protetor daquela vida recebe a denúncia contra si, a desconfiança da autoridade e a perseguição da Imprensa. É colocado como um execrando diante a sociedade, no mesmo nível do traficante, quando não confundido com aquele.

No entanto, isso não quer dizer que eu não seja também adepto da preservação e do combate ao tráfico. Lutar pela preservação da nossa biodiversidade, combatendo o tráfico e a depredação ambiental, é um dever de todo cidadão.

Mas eu penso que cada um deve fazer a sua parte e todos agirem em conjunto, num trabalho planejado e integrado com todos os setores que atuam nessa área, porque os atos isolados de cada grupo não fazem mais do que confundir e embaraçar qualquer trabalho que pudesse ser a solução para o problema. É

muita gente fazendo tudo e fazendo nada. E essa tarefa, racionalizada como deve ser, não será fácil de ser efetivada, dado aquilo que a mim parece, por alguns, mais interesse em aparecer na midia ou na comunidade, reclamando para si ou louros até de um mal serviço, e conseqüentemente de um mal resultado, do que a efetiva solução do

problema. Isso inviabiliza qualquer tentativa de um resultado ao menos satisfatório no trato dessa questão, tanto quanto uma satisfação sobre o destino das aves apreendidas.

É o que temos visto. Na pressa de ser o primeiro, no afã desesperado de se declarar o salvador, o sujeito recolhe os animais mesmo sem ter pensado antes no seu socorro, sem ter tido a noção de onde abrigá-los, sem vislumbre qualquer quanto a sua destinação. Não é de se duvidar que esses animais acabem sofrendo mais com seus salvadores do que já sofriam com os delinqüentes. Depois não é apresentada de forma clara, com a mesma difusão, a destinação das aves, quais foram soltas, quais ficaram com quem, qual o estado atual, se estão sendo reproduzidas e preservadas. Isso pode acarretar uma desconfiança, porque o destino, a vida e o bem estar desses animais – o futuro deles -, são tão importantes quanto os motivos que levaram ‘a sua apreensão.

Acredito, por isso, que a função ou tarefa de apreensão seja determinada com exclusividade a um só órgão da Administração Pública, extingüindo-se de vez

a mesma competência atribuída a diferentes personalidades: Polícia Ambiental, Polícia Federal, Polícia Civil, Polícia Militar, IBAMA, ONGs, autoridade federal, autoridade estadual, autoridade municipal, centros de triagem, zoológicos – todos com idêntica competência para apreender e não saber o que fazer com o produto da apreensão. Fica aquele corre-corre, telefonemas daqui e de lá, animais presos o dia todo, sob sol ou sob chuva, diante das Delegacias, aguardando interrogatórios, aguardando abrigo, aguardando veículo adequado para transporte, e quando mal-e-mal as coisas se resolvem, já morreram mais do que morreriam, talvez, em poder do traficante.

Isso tem de acabar. É preciso planejamento e organização, pré-estabelecidos, já prontos antes da ocorrência do ato criminoso. Não é, pois, somente antes de uma apreensão determinada, mas constantemente preparados, para o fato futuro que, obviamente, ainda vai acontecer. Ora, sabemos que crime de tráfico pode ocorrer num local estabelecido, como um depósito ou uma feira, ou em locais interligados, como pontos de coleta, pontos de apoio e pontos de

distribuição administrados por quadrilhas organizadas, ou, ainda em trânsito entre um e outro desses pontos. Sendo assim, em determinados casos não se pode aguardar um planejamento rápido e eficaz de apreensão, socorro, deslocamento e guarida, sem que haja um sistema pré-organizado para esses

fins. Para isso, é preciso estabelecer as competências e distribuir as funções, hierarquicamente, de modo a um assumir a autoridade e o comando da operação apenas na falta do outro.

Assim, ao IBAMA cabe legislar e dirigir a destinação dos animais. ‘A Polícia Ambiental, por seu poder de força e de armas, executar a apreensão e entregá-la a quem de direito, que prestará os primeiros socorros, o transporte rápido e o alojamento confortável e seguro. Na falta dela, pela ordem, as Polícias Federal, Civil e Militar, todas com a mesma capacidade e em substituição uma da outra, quando necessário. Em caso de apoio ou

reforço, o comando da operação deve seguir a ordem estabelecida. As autoridades federais, estaduais e municipais, os centros de triagem e os zôos, também pela ordem, oferecerão o apoio necessário ao sucesso da

operação. ‘As ONGs e ‘a Imprensa caberão a denúncia e o acompanhamento apenas e tão somente visual da operação, sem se envolverem diretamente no trabalho das autoridades.

Resta saber com quem ficaria a tarefa mais importante e mais urgente, de prestar os primeiros socorros, providenciar o transporte rápido e o alojamento adequado.

Não é novidade que o Estado nem sempre possui recursos suficientes para financiar inovações desse porte, em que se exige instalações e veículos adequados e pessoal especializado, distribuídos nas mais diversas localidades. Tanto é verdade que até hoje não existe uma definição quanto aos animais apreendidos, sendo a questão tratada sempre de maneira circunstancial, provisória, improvisada. A solução está, pois, na execução desses serviços, de interesse público, por particulares ou empresas privadas, por delegação do Poder Público, através da concessão, permissão ou autorização, o instituto que mais se adequar ao caso.

A proposta é delegar a pessoas físicas ou jurídicas de direito privado a tarefa de prestar os primeiros socorros, o transporte e o abrigo adequados para os passeriformes apreendidos, como serviço tarifado.

Mediante uma discussão ampla, mas urgente, com os setores interessados, com a participação de experientes criadores de pássaros e aves ornamentais, o IBAMA, assessorado por profissionais especializados em primeiros socorros, nutrição, manejo, reprodução e soltura, e outros que se fizerem necessários, estabeleceria através de ato normativo um programa básico de atendimento, transporte, alojamento, tratamento médico, manutenção, distribuição e entrega para soltura, onde se especificariam as exigências quanto a veículos de resgate dotados de viveiros, equipamentos de primeiros socorros, medicamentos, alimentação e água, instalações adequadas para a guarda e cuidados necessários, com água potável, alimentação, tratadores, veterinários e pessoal necessário ‘a prestação do serviço.

Os profissionais, veterinário e tratador, acompanhariam o trabalho desde o início, no local da apreensão, assumindo a partir daí a responsabilidade, já prestando os socorros necessários in loco e fariam os pássaros chegar em segurança até o abrigo, fazendo-se acompanhar de um agente da Polícia Ambiental ou substituto, onde seriam separados, relacionados, colocados em viveiros ou gaiolas individuais, conforme a característica da espécie, cuidando adequadamente até a destinação final. Das relações seriam extraídas vias para a autoridade responsável pela apreensão e o IBAMA, que se encarregaria de providenciar a soltura o mais depressa possível, cuidando desde logo do local e da autorização judical, podendo o veículo de resgate do concessionário, permissionário ou autorizatário conduzir as aves até o local escolhido.

Os pássaros que não se encontrassem em condições de soltura seriam relacionados, marcados e disponibilizados primeiramente a criadores, visando a reprodução e preservação, e em seguida a outros intessados, todos devidamente legalizados e cadastrados no CTF, de tudo devidamente informado o IBAMA para fins de fiscalização e controle.

A prestação do serviço não teria finalidade lucrativa, mas receberia uma tarifa diária a ser paga pelos destinatários dos pássaros que não podem ser soltos. O valor dessa tarifa seria fixado de acordo com o valor da espécie, pela média de despesas com cada ave, o tempo que ficou em depósito, o capital empregado, a remuneração do pessoal e o pro-labore dos dirigentes ou responsáveis pelo empreendimento, além das despesas indiretas, como fornecimento de água e energia elétrica, combustível, impostos e outros encargos, sem olvidar a necessidade de expansão do empreendimento. Todavia sua receita não seria tributada, em razão da natureza do serviço prestado.

Um banco de dados teria cadastrado todos os animais apreendidos, todas ocorrências e a destinação dos sobreviventes. Concomitantemente seriam cadastradas todas as espécies e respectivos interessados, comprovada a capacidade de cada um.

Recebida uma denúncia ou em posse de qualquer informação sobre aves canoras ou ornamentais em poder do tráfico, o alojamento comunicaria de imediato a autoridade competente, ou esta ‘aquele, para uma ação conjunta, quando o pessoal do alojamento já estaria no local no momento imediato após a apreensão para as providências necessárias.

Prestados os primeiros socorros, aguardar-se-ia a liberação e tão logo fosse possível as aves seriam encaminhadas ao alojamento onde seriam separadas na forma já descrita. Constatada pela autoridade competente a existência de aves consideradas inaptas para a soltura, estas, após examinadas, marcadas e devidamente tratadas ficariam ‘a disposição dos interessados por aquelas espécies, que seriam avisados para se apresentarem, conforme critérios previamente estabelecidos. Paga a tarifa esses interessados poderiam retirar as aves de seu interesse, receberia um documento de posse e ficaria obrigado a prestar conta anualmente ‘a autoridade competente sobre a situação geral das aves recebidas.

Assim organizadas, as apreensões dariam uma solução rápida e eficaz ao sofrimento, com cuidados e tratamentos urgentes para mitigar a dor, a sede e a fome, depois um tratamento mais minucioso visando a cura de lesões e a eliminação de doenças, de forma que pudessem ser soltas ou repassadas totalmente livres de parasitas e doenças.

Haveria, assim, um tratamento digno e humano e uma destinação adequada e transparente das aves apreendidas.

Enfim a preservação do patrimônio genético.

Essas medidas não podem ficar enternamente no papel. Vontade, ação e pressa são imprescindíveis.

O cadastramento dos interessados nas páginas da COBRAP, do IBAMA e de outras entidades seria uma medida de importante divulgação e muita ajuda em todo o processo.

Caberia estudar também a possibilidade de lançar nos dados do RENAVES os pássaros transferidos e os respectivos detentores.

A proposta de cadastrar interessados no portal da COBRAP, para receber aves apreendidas, é uma iniciativa digna dos mais efusivos louvores, muito importante como medida de urgência, mas eu penso que não deve ser definitiva, pois temo que por mais que se faça somente através da COBRAP, muito pouco estará sendo feito e muito mais restará a fazer para a solução definitiva do problema.

A proposta ora apresentada pode parecer inviável, difícil de se instalar e de se manter, por falta de recursos ou de interessados, pois parece uma medida antieconômica, de muitas despesas e pouco retorno. Eu mesmo, confesso, tive muitas dúvidas em apresentar ou não a proposta. Mas considerando os vultosos números divulgados sobre o tráfico, em quantidade de aves, mercado e movimentação financeira, com uma tarifa justa essa atividade pode se manter e até se expandir, e ainda concorrer com o tráfico, podendo o interessado obter e reproduzir as aves que desejar com o pagamento de uma tarifa inferior ao preço do traficante, com a segurança de estar de posse de um animal saudável e legal.

Ora, se temos aves legais de R$ 1.500,00, 3.000,00, 6.000,00, 12.000,00; se temos nas feiras aves ilegais de R$ 10,00, 20,00, 30,00; mas se é verdade que também temos aves comercializadas ilegalmente pelos traficantes a R$ 3.000,00, 5.000,00, 10.000,00, 15.000,00, seja para o tráfico interno, seja para o exterior; se é verdade que no Brasil o tráfico movimenta milhões de dólares, com uma tarifa proporcional o empreendimento se manteria tranqüilamente, até com reservas para expansão ou instalação de novas unidades do modelo. Ou então os números divulgados não são verdadeiros.

Evidentemente muitos ajustes terão de ser feitos durante a execução do projeto, mas nada que a criatividade da nossa gente não possa resolver.

Escrito por Valdemir Roberto Barros, em 2/9/2003