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O Rogério de Gravataí

Apelido Passarinho

16/12/2002

por Rosane Linhares

Passarinho é um motorista de ônibus muito conhecido pelos moradores do bairro Passo das Pedras, zona norte de Porto Alegre, devido ao seu bom humor e ao carinho com que sempre tratou seus passageiros, durante os dez anos que trabalhou nesse itinerário (linha 656). Há dois anos, devido a um ajuste das empresas de transportes coletivos municipal, ele foi transferido para outro bairro, deixando muitas saudades.

O apelido, “Passarinho”, é porque ele está sempre assobiando, imitando passarinho. Ele cria pássaros, e é membro do Clube Gaúcho de Criadores de Bicudo e Curió com autorização do IBAMA para manter, em sua casa, uma criação de 34 pássaros. O nome dele é Rogério José da Silva, nasceu em 11 de novembro de 1952, mora em Gravataí, é casado, tem 3 filhos e um netinho de 3 anos. O filho mais velho tem 27 anos e também é motorista, a filha do meio tem 21 anos e faz faculdade de Direito e o caçula de 18 anos está se preparando para o vestibular.

No ano 2000, Rogério ganhou o prêmio Destaque da empresa. Ele é muito querido pelos colegas. Florentino, João e Laudir falam que “ele é um motorista padrão que tem muito bom senso”, “está sempre de bom humor”, “se dá bem com todo mundo.” As professoras da Escola Presidente Vargas, usuárias da linha, demonstram uma grande simpatia por ele. Comentam que eram tratadas carinhosamente de “princesa” ou “minha linda”, sempre com muito respeito. Nilce, professora de Filosofia diz que ele é uma pessoa especial “às vezes eu corria para pegar o ônibus e ele, brincando, me perguntava por que eu não fui para as olimpíadas”. Muitas professoras testemunharam o seu carinho com os idosos “ele se levantava do banco do motorista, para ajudar as senhoras a subir no ônibus”. Lembram também que ele era muito brincalhão com as crianças. Há alguns anos atrás, para homenageá-lo no Dia do Motorista, as professoras pararam o ônibus, na rua em frente à escola, seu itinerário, cantaram “Parabéns a você” e o presentearam com uma placa de prata. O “Alemão”, cobrador que acompanhava Passarinho, também foi lembrado pelas professoras “ele participava de tudo e era muito atencioso com as pessoas”.

Rogério conta que no bairro Parque dos Maias (linha 631), onde trabalha atualmente, também fez amizade com as pessoas, e para confirmar, lembra que recebeu de presente uma camisa, de uma moça que não conhecia, em agradecimento pelo carinho e atenção com que trata os pais dela quando pega o seu ônibus. Ele se sente muito querido pelas pessoas e diz que é porque reconhece que todos os passageiros são iguais, “não tenho preconceitos de cor, raça nem idade e trato todos com muito respeito”. Está contente na Nortran, empresa em que trabalha, e gosta muito dos colegas. Para o motorista estressado, ele sugere descansar, se alimentar bem, ser alegre, cumprimentar todos e tratar muito bem os idosos.

As professoras da escola Presidente Vargas e os colegas de Passarinho são pessoas muito atenciosas e simpáticas, também são pessoas especiais. No nosso cotidiano, estamos tão voltados para nós mesmos, para os nossos problemas, que deixamos de ver as pessoas ao nosso lado. Nos encontramos freqüentemente, mas não nos cumprimentamos, nem ao menos trocamos um sorrimos. Isto é muito triste.

Mas pode ser diferente. Só depende de nós. Todos somos pessoas especiais. Muitas vezes, basta apenas um sorriso para fazer bem aos outros e com isso, fazer bem a nós mesmos. O bom humor contagia e faz com que as pessoas se cumprimentem sem se conhecer, sorriem mais freqüentemente, sejam mais gentis umas com as outras, usem mais as palavras “oi”, “como vai”, “com licença”, “me desculpe”. Estas simples atitudes fazem toda a diferença no nosso dia-a-dia, e servem para qualquer lugar: dentro do ônibus, nas ruas, nas lojas, nos supermercados, enfim… é maravilhoso! E até passarinho sabe disso….

Escrito por Rosane Linhares, em 26/8/2004

A vingança do velho curió

A natureza é perfeita

João Soares costumava ir a Minas no Mês de abril a um mesmo brejo pegar apenas um filhote macho de um determinado casal de curió. 0 “velho curió” pai – como João o chamava – só dava um canto (não repetia) tinha o canto horrível e “grego” assemelhado com o de uma garrincha ou tico-tico. Ficava sempre muito agitado com a presença de João pois sabia das intenções dele. Se pudesse falar certamente diria: “com tantos casais por aí, por que será que esse homem tem marcação comigo e sempre me leva um filhote?”. João contudo, só queria filhotes do “velho curió” porque eram depois de adultos comprovadamente excelentes matrizes para reprodução em seu criadouro e porque aprendiam com facilidade o canto estilo “ribeirão”.

Naquele dia do outono de 1948, especialmente, conseguiu coletar um filhote extremamente bonito, cabeçudo e de porte elegante que se adaptou facilmente ao novo ambiente doméstico. Com apenas 1 mês de gaiola cantava alegremente e comia todos os tipos de alimentos que lhe eram ministrados. Com o nome de “Diamante” aos dez meses de idade era um “mestre” do canto “ribeirão” que aprendera com os outros curiós de seu dono. Cantava até 2 minutos sem parar repetindo até 35 vezes. Além disso, muito valente, produzia filhotes de excelente qualidade que aprendiam seu próprio canto naturalmente. Nunca se tinha visto um curió semelhante naquela região. Na opinião unânime dos entendidos era o “mosca branca”, “o maioral” e “o melhor curió do mundo”.

Anos depois, chegada a época, João – que havia decidido a só possuir curiós de sua própria e excelente criação – iria, pela última vez, ao brejo de Minas pegar um pardo. Resolveu levar consigo “Diamante” para “chamar”. Lá chegando imediatamente encontrou o “velho curió” que indignado como sempre, assentou perto da gaiola do filho “Diamante” e em uma atitude estranha pôs-se a cantar insistentemente até o momento de João ir embora.

Ao voltar para casa à noite João acomodou “Diamante” e foi dormir. No outro dia bem cedinho acordou sobressaltado; parecia que estava sonhando ao escutar o canto “grego” do “velho curió” em sua casa. Logo constatou que o canto que ouvia era real e que “Diamante” naquelas horas de ontem, havia aprendido por herança atávica o desagradável canto do pai. Parou de repetir e, até morrer, no ano de 1976, não mais conseguiu cantar o estilo “ribeirão”.

Escrito por Aloísio Pacini Tostes, em 29/3/2004