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Lei para flora e fauna

A Constituição Federal garante aos brasileiros e às futuras gerações um meio-ambiente equilibrado. O conceito de meio-ambiente equilibrado varia, mas o ponto central deve ser alicerçado sobre valores como o pluralismo, a universalidade e a biodiversidade.

Ao longo dos anos, de 1988 para cá, construiu-se uma selva de normas, com a culpa de todos, cidadãos, Governos, ONGs, IBAMA.

Pela nossa Constituição Federal a União, os Estados-membros e os Municípios podem legislar sobre fauna e flora.

As competências são concorrentes.

A União só deve, como regra, editar normas gerais.

Normas sobre como produzir normas. Esse papel é do Congresso Nacional. E o veículo apropriado seria a lei complementar.

Esta lei complementar seria nacional e não simplesmente federal. Ou seja, seria de observância obrigatória para a Administração Federal, Estadual e Municipal.

Com base nela teríamos de ter leis federais, leis estaduais e leis municipais.

Não é uma questão de hierarquia de leis, mas de competência. A competência é concorrente. A União pode (deve) editar normas gerais. Isto significa que cada Estado, de acordo com a Constituição Federal pode (deve) editar leis ordinárias sobre fauna e flora. E a União não deve invadir a competência dos Estados.

De um lado, isto é liberdade garantida pela Constituição Federal. De outro é repartição de competências. Mas também é um risco.

O IBAMA, o Instituto Chico Mendes e seja lá quem for, embora tenham uma nobilíssima e necessária função, não são legisladores. Muito menos legisladores nacionais.

Assim sendo, o Estado de Minas Gerais (com o mono-carvoeiro de Caratinga) não é obrigado a obedecer uma lei federal sobre o mono-carvoeiro. Por exemplo. Mas deve obedecer a uma lei nacional.

Colaboro com um Grupo de Discussão sobre criação ex situ de pássaros.

Tomemos o caso da Arara-azul-pequena, cujo limite norte parece ter sido o Estado do Paraná (Anodorhyncus glaucus). Esta presumidamente extinta. Isto aconteceu no século 19 e não há indícios sérios de que o tráfico internacional de espécies tenha concorrido para a extinção da A. glaucus. Mas há especulações sobre a pecuária extensiva e o impacto ambiental sobre a única espécie de coco da qual a A. glaucus se alimentava, o butiá. Resultado: já não há avistamentos confirmados de A. glaucus e o próprio butiá específico está quase extinto no Sul do país.

Poderíamos dizer: mas isto ocorreu no século XIX. Hoje isto não ocorreria.

Ocorre que paralelamente o periquito-australiano foi intensivamente reproduzido e hoje é uma ave abundante em cativeiro, com imensa variabilidade genética. Mesmo que empiricamente e com erros, o Melopsittacus undulatus está à salvo e a A. glaucus não.

Poderíamos dizer: isto aconteceu com aves de biomas diferentes. As peculiaridades do canyon do Paraná e do deserto australiano não se confundem.

Um irmão australiano, o Psephotus pulcherrimus, de mesmo porte, chamado Periquito do Paraíso, está oficialmente extinto desde 1927. Pecuária na aridez australiana, secas contínuas, dois anos seguidos de incêndios, a introdução de gatos e abate ilegal levaram o Psephotus à extinção.

Ele tinha a mesma dieta do hoje comum periquito-australiano. Só que jamais foi criado intensivamente.

Paixões de lado (eu mesmo não crio mais pássaros), diante do risco concreto de extinção de espécies, qual é a responsabilidade da União, dos Estados e dos Municípios? Se é dever do Estado manter um meio-ambiente equilibrado, quando desaparece uma espécie, quem pagará por isto?

O Estado pode salvar fauna e flora objetivamente? Não falo de declarações, OSCIP, OS, subvenções, verbas, dotações, convênios et alii. Falo de salvação efetiva de fauna e flora. Ao estilo dos nossos amigos do Greepeace em frente a navios baleeiros.

A resposta objetiva seria a União se o dano fosse causado por omissão da União ou por ato lesivo da União. Mas nenhuma soma em dinheiro pode garantir a ressurreição de espécies.

Por outro lado, se a União for condenada a indenizar a alguém pela extinção de uma espécie, seria quem? E a indenização sairia do bolso de quem?

Hoje os criadores de pássaros – reprodutores ex situ de pássaros nativos – sofrem um imenso preconceito. Preconceito por parte de leigos, da mídia, de algumas ONGs. Um preconceito, como qualquer outro preconceito, não embasado na verdade. Todo preconceito é, por si só, mentiroso.

E aquilo que deveria ser uma ferramenta de preservação da máxima biodiversidade possível está sendo ideologicamente marginalizada.

Crueldade contra animais? Observemos as granjas de frango, de chester, de peru do Sul do Brasil. Superconcentração, superalimentação, superimunização. Hormônios. Porcos, idem. Com o agravante dos nitritos em cursos de água. Baby beef. Truta salmonada. Confinamento de bovinos. Sacrifício de cães e gatos.

Todos nós temos o potencial para sermos exterminadores do futuro.

Estados com potencial exportador de minério dependem dessa riqueza. E os povos dependem dessa riqueza. No caso do Pará, a floresta será lesada. Do Maranhão, idem. No Tocantins será o cerrado. Em Minas Gerais são os endemismos da Serra do Cipó agora os lesados. Na Bahia, os endêmicos da Chapada Diamantina.

Mas não podemos nos esquecer do pré-sal, da pesca e do transporte marítimo. Temos diversas espécies marítimas ameaçadas. E fluviais também.

Quando alguém come um filé de pirarucu, come o filé de um Arapaima gigas de vários anos de idade. Pescado com arpão. Isto não causa comoção. Embora no caso da baleia cause. Ambos são vidas. Sei que há restrições e controles quanto à espécie. Mas e quanto ao arpão?

Quando alguém coleta peixes Neon Cardinal no Rio Negro para exportar a troco de merreca não há crime algum. O Cardinal não é reproduzido no Brasil. Mas é no Sudeste Asiático, pelo preço justo. E morrem milhares no transporte e, nos aquários, todos os anos. Embora não haja comoção nisto.

Então, se alguém aperta frangos em uma granja ou transporta clandestinamente aves, ao meu ver, há um só malefício. Só que o primeiro, tributado, é lícito. E o segundo, não tributado, é negócio marginal.

Pescar um peixe de 15 anos de idade é hobby? E porque reproduzir um F90 de curió seria atividade reprovável?

Porque a piscicultura com fins comerciais é incentivada, a pecuária, a suinocultura, a carcinicultura são incentivadas, se o fim de tudo isto é a morte dos animais criados com o propósito específico de morte? Se deixam um rastro de nitritos, amônia, metano e asfixia aquática, porque seria moral e ético isto?

Enquanto isto, um criador, não registrado no SISPASS, em situação administrativa irregular, reproduz 5 ou 6 bigodinhos (Sporophila lineola). Produziu vida, em condição administrativa irregular, mas é incapaz de atender aos ditames ideológicos circunstanciais e pode ser execrado pela mídia. Se três desses bigodinhos fossem reintroduzidos após uma adaptação, seria um grande êxito reprodutivo.

Neste ponto é que eu queria chegar:

a) a mídia não quer preservação de espécies. Quer notícia.

b) a massa é desordenada e não quer preservação de espécies. A massa quer bem-estar e se a preservação significar bem-estar a massa aceita a preservação.

c) os ambientalistas podem subsidiar a mídia e orientar positivamente a massa.

Só que há “ambientalistas” e “ambientalistas”. Chico Mendes deu a vida pela floresta. Sou fã dele.

Mas, se é possível um manejo sustentável, porque não podemos dar um salto adiante: pensar em um projeto apartidário, mas político no sentido profundo da palavra, onde a preservação da fauna e da flora seja buscada de todos os meios e por todos os instrumentos possíveis?

Precisamos de uma lei complementar nacional sobre fauna e flora.

Enquanto não a tivermos, defenderei a Constituição Federal e o entendimento de que todos os Estados e o meu glorioso Estado de Minas Gerais não será exceção, poderão legislar localmente sobre manejo de fauna e flora: reflorestamentos com espécies nativas, clonagem de jequitibás e jacarandás, clonagem de orquídeas, reprodução ex situ de anfíbios para fármacos e o sacrossanto direito de reproduzir passarinhos.

Do contrário, a solução para nós será a Holanda. Tudo o que canta ou é belo do Brasil é reproduzido e comercializado licitamente na Holanda.

Enquanto isto, o sabiá fica calado na Bahia,

porque onde antes era mata, em breve vai ser ferrovia.

E ai do Nicolau, que com paciência reproduziu um casal.

Porque o que mata a lagosta é pescador,

Quem mata o faisão é gourmet,

E quem cria passarinho

É simplesmente marginal, vai ao Jornal Nacional,

É preso e fala fininho.

O ferro é do chinês, o gado é do gaúcho,

A madeira é do malaio, o nióbio é de um ricaço,

O urânio é do Governo e o câncer do povo baiano,

O pasto é do coronel e o resto é do cangaço,

Enquanto isto, o sabiá fica calado na Bahia,

porque onde antes era mata, em breve vai ser ferrovia.

Escrito por Fernando Martuscelli , em 26/4/2010

Quando as massas seguem sem o saber

Decreto 6514 – um absurdo juridico –

O Código Florestal Brasileiro não é uma novidade, remonta à década de 30 e só agora gera profundo debate e pressão a favor ou contra, que, contrário do que parece, não é fruto da nova consciência ambiental, mas sim das conseqüências da sua aplicação, cuja factibilidade técnica mostrou erros conceituais primários, de maior ou menor impacto.

E uma lei não é por si justa ou um dogma. Uma lei é instrumento de coexistência em uma sociedade, onde critérios ou princípios aceitos por uma maioria são regulados, para que a sociedade, inclusive os que discordam, possam viver da forma mais justa possível no momento.

O simples exemplo de aplicar dois critérios, um da APP e outro da Reserva Legal, mostra ser matematicamente inviável em algumas regiões e injusto para aqueles com grandes áreas de APPs – totalmente restritiva -, por condições locais topográficas ou hídricas, e ainda precisam manter o percentual adicional de Reserva Legal – no fundo, uma reserva de recurso que hoje se confunde com conservação da biodiversidade e da política climática.

Nesse exemplo, a solução em um novo texto da lei não só esbarra na procura de princípios que, se existem, não se podem relacionar ao tamanho da área, pois devem ser conceituais (os limites de tamanho da propriedade são políticos ou ideológicos), como também é limitada principalmente pela nova sociedade, que não conhece mais o rural, e 80% das pessoas urbanas desconhecem as pessoas rurais.

Nesse sentido, as forças políticas utilizam vários meios, e, intencionais ou não, enfrentamos como maior entrave não a divergência cientifica, mas uma prática de caráter psicossocial envolvendo três fatores dos movimentos de massas: a desumanização do tema, a justificativa moral e o efeito manada. Não tratamos mais de indivíduos como o agricultor José ou a Maria, são inumanos, do tipo latifundiário, invasor, madeireiro, pirata, jagunço e outros adjetivos. Temos como justificativa moral a ganância, o lucro fácil, o capitalismo e tantos outros. E, no final da equação, uma manada, no conceito das massas voltadas a salvar o planeta frente a imagens diárias de geleiras gotejando, enchentes ou outras motivações, na qual todos correm seguindo o líder de algo ainda não definido, em especial, os interesses envolvidos na manipulação dessas massas.

É tão interessante essa ótica de análise, que a população urbana, na sua maioria, nunca viu pessoalmente um desmatamento, mas todos os dias tem na sua alma que isso é um problema e precisa de solução (e é verdade), mas sai às ruas e vê todos os dias (e não enxerga) a fumaça dos caminhões ou ônibus, usa embalagens de plástico, constrói com cimento e não madeira, vive no meio do lixo, inclusive em praias como Copacabana, consome sempre cerveja gelada a um alto custo energético ambiental e tantos outros que se somam a milhões de usuários poluentes e impactantes, que pouco fazem no seu entorno, mas precisam salvar a Amazônia!

Pessoas precisam readequar o processo de ocupação do meio rural com técnicas conhecidas, como o manejo florestal, o plantio direto e outras, falando para uma maioria que não possui nenhuma motivação para esses temas e ainda é bombardeada por informações ditas “técnicas” dos que formam movimentos sociais e não precisam de registro no CREA ou diploma universitário, pois lutam pela causa messiânica de salvar o planeta.

Como tudo, o salvar, como é a pergunta que se discute na revisão do Código Florestal, precisa ser respondida primeiro com o máximo do conhecimento científico existente, e, posteriormente, ajustadas as condições geossociais de cada região do país e, ainda, das relações e compromissos internacionais.

A revisão não só do Código Florestal Brasileiro, mas de toda a política brasileira, é salutar, mesmo que se limite a uma ampla discussão em sua primeira etapa. O texto da atual lei só é aplicável com o subterfúgio de interpretações que não existem no texto original, caso do Decreto de Crimes Ambientais, que criou tipos penais (um absurdo jurídico) ou de conceitos como APPs em lagos e lagoas artificiais, o que, ao pé da letra, levaria a demolir o entorno da lagoa Rodrigo de Freitas, o Palácio Jaburu do vice-presidente e todas as aguadas para carneirinhos e peixes do país.

E não é exagero, apenas uma leitura literal da lei, pois, se forças policiais se deslocam fortemente armadas para prender quem cortou uma árvore no meio rural, pode ser que um dia lembrem que a mesma lei pode levar sirenes às casas que serram árvores caídas por vendaval sobre seus telhados, sem o devido processo de autorização, (como é necessário no meio rural) ou até a falta de APPs nos jardinetes com carpas coloridas de alguns hotéis. Assim é a lei, escrita sem as condições da prática do uso ou o clamor social atual. Por isso estudar mudar, e mudar no que for necessário é avançar.

(*) Luciano Pizzatto: É engenheiro florestal, especialista em direito socioambiental e empresário, diretor de Parques Nacionais e Reservas do IBDF/IBAMA 88/89, deputado desde 1989, detentor do 1º Prêmio Nacional de Ecologia.

Fonte : Revista Opiniões (edição: DEZ 2009 – FEV 2010)

Escrito por Luciano Pizzato , em 18/4/2010